Fiocruz discute zika em simpósio sobre vigilância em saúde

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André Costa, César Guerra Chevrand, Mônica Mourão e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)
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Com o objetivo de preparar-se para a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, que ocorrerá em abril de 2017 em Brasília, a Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz) promoveu, na última quinta-feira (21/7), o simpósio sobre aspectos diversos da zika, como epidemiologia, estudos clínicos, distribuição espacial e fatores socioambientais, além da vigilância em saúde e o SUS. Realizado no auditório do Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro, o evento Emergência Sanitária: contribuições da Fiocruz para a 1ª Conferência Nacional de Vigilância em Saúde reuniu representantes da Fundação, do Ministério da Saúde e de diversas instâncias estaduais e municipais do Sistema Único de Saúde (SUS).

Nísia Trindade destacou a importância do Sistema Único de Saúde no enfrentamento da emergência sanitária de zika (Fotos: Virginia Damas/Ensp/Fiocruz)
 

Na mesa de abertura, o vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde (VPAAPS/Fiocruz), Valcler Rangel, destacou a importância do evento no contexto da epidemia de zika, dengue e chikungunya, como também elencou outros temas a serem discutidos futuramente para a conferência, como violência e saúde pública, o impacto das doenças crônicas não transmissíveis e a crise global ambiental. “Esse debate é o início de um processo de preparação para a conferência e também um espaço de reflexão sobre as questões que a tríplice epidemia apresenta. Trata-se de um quadro epidemiológico complexo, que exige um patamar diferenciado na pesquisa, na atenção, na vigilância. Precisamos pensar em um enfrentamento integral”, explicou ele. “No âmbito da conferência, consideramos que a Fiocruz e seus parceiros têm muito para contribuir. Queremos ser referência para os debates com os vários atores e nas várias instâncias, de modo que a conferência seja um elemento organizador para o nosso sistema de saúde”.

A vice-presidente de Ensino, Informação e Comunicação (VPEIC/Fiocruz), Nísia Trindade, destacou a importância da relação entre academia, o serviço de saúde e os movimentos sociais da sociedade civil, não só no contexto da epidemia como na construção da conferência, e apontou a importância do SUS no contexto do zika. “A epidemia mostrou a importância do Sistema Único de Saúde para a sua identificação, para integrar conhecimento científico, para as propostas terapêuticas e no campo da inovação e também na questão das vacinas, dos kits diagnósticos e de todas as políticas”, esclareceu.

Epidemiologia de zika

Primeiro a falar na mesa de debate sobre epidemiologia de zika, o subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, Alexandre Chieppe, destacou os principais desafios das autoridades em saúde do Brasil para monitorar e combater as doenças transmitidas pelo Aedes. Mesmo admitindo as dificuldades para o controle da dengue, Chieppe afirmou que o sistema de vigilância epidemiológica do país está mais fortalecido para as Olimpíadas e permanecerá como legado após os Jogos 2016.

Segundo Alexandre Chieppe, o Rio deve se preparar para uma possível epidemia de chikungunya em 2017
 

De acordo com Alexandre Chieppe, a epidemia de dengue que assolou o Rio de Janeiro neste ano, com mais de 70 mil casos notificados, pode ter incluído casos não-diagnosticados de zika. “O pico de transmissão de dengue no Rio de Janeiro se dá nos meses de março e abril. O pico de transmissão de zika aconteceu em janeiro e já começou a decair no início de fevereiro. A gente viveu uma curva epidêmica de zika importante no ano anterior. A gente não conseguiu identificar isso porque o sistema de vigilância não estava preparado para tal”, afirmou.

O subsecretário de Vigilância em Saúde da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro explicou que uma segunda onda epidêmica de zika, prevista para o ano que vem, não deve ter a mesma intensidade da primeira, já que parte significativa da população do estado do Rio de Janeiro está imunizada contra a doença. Alexandre Chieppe disse que a preocupação no estado deve se voltar para a possibilidade de uma epidemia de chikungunya em 2017.

Segundo Chieppe, a circulação do vírus zika no ano que vem deve atingir as regiões metropolitanas de São Paulo e Minas Gerais, trazendo novos desafios para as autoridades em saúde do país. No Rio de Janeiro, os esforços da vigilância epidemiológica também devem estar voltados para a possibilidade da entrada de outras doenças transmitidas pelo Aedes, como a febre amarela, por conta da intensa circulação de pessoas nas Olimpíadas.

Distribuição espacial do vírus e saneamento

A distribuição espacial e os fatores sócio-ambientais do zika no Brasil foram os temas da palestra do pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict), Christovam Barcellos. Comparando as diferentes dinâmicas de transmissão de dengue, zika e chikungunya no país, Barcellos utilizou a ferramenta do Google Trends para analisar as tendências de buscas dos internautas sobre as três epidemias e identificar a evolução das doenças no país.

O monitoramento tem sido importante para a construção de uma plataforma de dados e um painel de estudos e alertas sobre dengue, zika e chikungunya no Icict/Fiocruz, com a definição de uma modelagem matemática necessária para entender as epidemias. Segundo Christovam Barcellos, um dos desafios, por exemplo, é compreender por que os casos estão concentrados no Nordeste. “Nosso próximo passo é investigar que grupos sociais são os mais atingidos. Quem são essas pessoas? Idade, sexo, ocupação? São pistas importantes para a gente seguir”, afirmou.

Abordando a emergência sanitária sob a perspectiva do saneamento, o pesquisador do Centro de Pesquisas René Rachou (Fiocruz Minas) Leo Heller lamentou que o tema ainda seja negligenciado nas estratégicas de combate às arboviroses transmitidas pelo Aedes no Brasil. “Apesar de muitas advertências, inclusive internacionais, sobre a importância do assunto, o saneamento tem ficado num plano muito inferior”. De acordo com o especialista, todos os componentes oficias do saneamento, como o abastecimento de água, o esgotamento sanitário e o manejo de resíduos sólidos, são importantes para o controle das epidemias de dengue, zika e chikungunya no país. “40% da população não tem atendimento adequado de abastecimento de água”, apontou.

Ao citar diferentes estudos sobre o impacto do saneamento na presença e na multiplicação do Aedes nos territórios, Leo Heller também reforçou a necessidade de articular as intervenções físicas, químicas e biológicas para o controle do Aedes. “O método mais efetivo de controle são abordagens integradas. Intervenções isoladas tem menos eficácia”, disse.

Estudos clínicos e a emergência sanitária

A pesquisadora Sheila Pone, do IFF/Fiocruz, abordou a questão dos ‘estudos clínicos e a emergência sanitária’. Em sua participação ela fez um histórico do zika desde sua origem. Descrito em 1953 e com duas linhagens, o vírus teve poucos casos até 2007: apenas sete, em todo o mundo. Até que ocorreu uma epidemia na Micronésia, naquele ano, e 5 mil pessoas foram infectadas, numa população de 6,7 mil pessoas. Depois disso foram registradas outras epidemias em ilhas e arquipélagos do Pacífico, como na Polinésia Francesa. Até então cientificamente chamada de ‘dengue-like’, a zika chegou ao Brasil em 2015, em sua linhagem asiática. O país foi o primeiro das Américas a ter casos registrados de zika, com oito casos no Rio Grande do Norte. Nos meses seguintes a enfermidade atingiu outros 19 países do continente.

Sheila Pone detalhou os sintomas da síndrome congênita causada pelo vírus zika em bebês infectados
 

“A partir de agosto daquele ano já podemos falar em um surto, com o aumento do número de casos de microcefalia em 20 vezes. Logo depois houve a decretação, pelo governo federal, da emergência sanitária nacional e em seguida, pela OMS, a emergência internacional. Atualmente o correto é usarmos o termo Síndrome da Zika Congênita, já que a microcefalia – a diminuição do perímetro craniano – é somente um dos problemas causados pelo vírus. O invasor também pode provocar outros danos ao desenvolvimento das crianças. A síndrome congênita é esse conjunto de sintomas provocados pelo vírus e que os bebês de mães infectadas manifestam ao nascer”, diz Sheila.

Concluindo a apresentação, a pesquisadora do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), unidade que é referência na assistência a gestações de alta complexidade e na atenção integral a crianças com doenças crônicas e que vem acompanhando as consequências da infecção pelo zika em gestantes, mostrou fotos de crianças que nasceram com o problema. As fotos, segundo definição da própria Sheila, são ‘devastadoras’ por mostrarem as gravíssimas lesões causadas pelo vírus.

A última intervenção da primeira mesa do dia foi do pesquisador André Siqueira, do Laboratório de Pesquisa Clínica em Doenças Febris Agudas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz). Siqueira abordou as manifestações clínicas do vírus, os sinais e sintomas e comentou os aspectos virológicos do zika. Ele reafirmou que são necessários mais ensaios clínicos para que se conheça melhor o vírus e suas consequências.

Entre as limitações da abordagem atual, Siqueira listou: as dificuldades em confirmar diagnósticos; as estimativas imprecisas de transmissão; a ausência de características distinguíveis; a falta de adequação dos métodos sorológicos usados hoje para caracterizar a infecção; a reação cruzada com outros flavivírus (o mesmo gênero do zika); e a real extensão de casos assintomáticos. O pesquisador também citou estudos recentes, feitos por brasileiros e publicados em renomadas revistas científicas internacionais, que reforçam a associação entre o zika e a microcefalia.

Foco na vigilância em saúde

Na parte da tarde, o passado e o futuro da vigilância em saúde entraram em pauta. Primeiro palestrante da mesa, o pesquisador da Ensp José Fernando Verani falou sobre o histórico da do conceito de vigilância em saúde, indo de esforços ainda na antiguidade até o atual cenário brasileiro. Verani observou que um dos maiores desafios na área no Brasil hoje é resolver a vigente compartimentação da vigilância em saúde em sete áreas (vigilância e o controle das doenças transmissíveis; vigilância das doenças e agravos não transmissíveis; vigilância da situação de saúde; vigilância ambiental em saúde; vigilância da saúde do trabalhador; e vigilância sanitária), o que por vezes prejudica a coordenação da vigilância como um todo. “O primeiro grande problema que temos que resolver é o diálogo entre os vários sistemas de vigilância”, disse.

Em seguida dois representantes do Conselho Nacional de Saúde, o presidente Ronald Ferreira dos Santos e a conselheira Nelcy Ferreira da Silva, falaram sobre a importância da primeira Conferência Nacional de Vigilância em Saúde, esperada para acontecer neste ano. “O Conselho entende que passou da hora dessa conferência ser realizada. Nós precisamos assumir a vigilância em saúde na complexidade que vimos ao longo deste seminário. Contamos com vários parceiros para realizá-la, como é o caso da Ensp e da Fiocruz”, disse Nelcy. Em seguida, Ronald, em recado por mensagem de vídeo, reafirmou a relevância da Conferência adiantada pela colega, e conclamou a sociedade a participar da mesma. “O CNS concluiu e deliberou pela convocação da sociedade brasileira para discutir uma política nacional de vigilância em saúde. Há muito tempo conhecemos a necessidade de integração de esforços para orientar o estado brasileiro, a academia, os trabalhadores e os usuários num sentido de se estabelecer que ações podemos desenvolver”, disse.

Último palestrante do dia, o assessor de Saúde e Ambiente da Vice-Presidência de Ambiente, Atenção e Promoção da Saúde da Fiocruz (VPAAPS/Fiocruz), Guilherme Franco Netto, também ressaltou a importância da participação social na vigilância em saúde. “Talvez a vigilância em saúde, exceto em algumas pequenas situações específicas (como a estruturação dos programas de Aids), tenha sido conduzida e formatada sem praticamente sem nenhuma participação da sociedade”, disse. ”Tem um elemento de domínio do conhecimento da vigilância por uma tecnocracia – cuja importância não ignoro – que é de fundamental importância transformar, para que possamos fazer com que todas as questões sejam transformadas em um processo de aglutinação, de redes horizontais, transversais, participativas. No caso de agrotóxicos, por exemplo, é impossível desenvolver um sistema de vigilância se quem está sendo contaminado sistematicamente não consegue criar mecanismos de alerta dentro de sua própria prática”.