02/02/2023
Hellen Guimarães (Agência Fiocruz de Notícias)
A crise humanitária que assola a população Yanomami brasileira é consequência de um longo processo de desestruturação do modo de vida tradicional daquele povo, agravado intensamente pela expansão do garimpo na região nos últimos anos. Em 2018 e 2019, o médico e pesquisador Escola Nacional de Saúde Pública Sérgio Arouca (Ensp/Fiocruz) Paulo Basta conduziu um estudo que investigou os efeitos dessa devastação na saúde alimentar das crianças menores de cinco anos em duas regiões da terra Yanomami: Awaris, no extremo norte de Roraima, e Maturacá, em São Gabriel da Cachoeira, no Amazonas. Os resultados revelaram que, das 350 crianças avaliadas, 80% tinham déficit de estatura para a idade, 50% tinham déficit de peso para a idade (por desnutrição aguda) e 70% tinham anemia. Agora, como desdobramento da pesquisa, a missão da equipe é criar, junto à comunidade, um sistema de abastecimento de água potável para combater os casos de diarreia, desidratação, desnutrição e mortalidade infantis.
“Naquele momento, com uma equipe multidisciplinar, nós viemos a essas duas localidades e fizemos uma avaliação ampla do estado nutricional, pesamos e medimos as crianças, medimos circunferências do braço, do abdômen, fizemos análises dos níveis de imunoglobulina (anticorpos), fizemos entrevistas com as famílias, com as crianças, olhamos a situação do domicílio, renda, condições ambientais da casa, a disponibilidade de água potável, banheiro, de coleta de lixo, enfim, fizemos uma avaliação ampla, e o nosso objetivo principal era identificar determinantes socioambientais da desnutrição infantil. Construímos um modelo teórico para tentar explicá-los olhando a realidade local das aldeias estudadas. Como todos os fenômenos em saúde, eles são complexos, multifatoriais, multicausais. Então a gente lança mão desses modelos teóricos para tentar captar, do melhor modo possível, os determinantes que influenciam um determinado estado de saúde que a gente está interessado em conhecer, no caso aqui a desnutrição infantil”, explicou Basta.
Além de Basta, a equipe conta com Alexandre Pessoa, engenheiro sanitarista da Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz); Gina Boemer, bióloga e doutora em Saúde Ambiente; integrantes da Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) e parcerias com a Instituição Socioambiental (ISA) e a Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca). As descobertas de pesquisa baseiam a tentativa dos pesquisadores de, em conjunto com a comunidade, encontrar alternativas para o fornecimento de água potável no território.
“Foi um conjunto enorme de informações que a gente conseguiu levantar, e a ausência de água potável para as famílias consumirem emergiu com força como um determinante dos casos de diarreia infantil, desidratação infantil e, consequentemente, dos casos de desnutrição. A partir do reconhecimento desse problema, nós elaboramos um relatório técnico, isso foi devolvido para a comunidade, fizemos uma cerimônia devolutiva, explicamos resumidamente esses resultados, publicamos ativos científicos com esses principais dados e depois a gente entrou numa missão de captar recursos para tentar levar alguma solução. Essa é uma queixa das das populações indígenas, que muitos profissionais de saúde e pesquisadores chegam lá para apontar problemas, mas não trazem soluções. Nosso compromisso foi levar uma solução, e é isso que estamos tentando fazer aqui”, disse.