10/05/2022
Ana Paula Blower e Ciro Oiticica (Agência Fiocruz de Notícias)
Em visita à Fiocruz na última sexta-feira (6/5), a líder técnica da Organização Mundial de Saúde para Covid-19, Maria Van Kerkhove, debateu os aprendizados e os desafios para manter os investimentos voltados para a pandemia para possíveis novas emergências sanitárias. Após conhecer mais sobre a atuação da Fundação e visitar o Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), o Centro Hospitalar do Instituto Nacional de Infectologia (INI/Fiocruz) e a Unidade de apoio diagnóstico (Unadig), a epidemiologista reforçou a relação de cooperação da instituição com a OMS e diz ter constatado a capacidade da Fiocruz de continuar seu trabalho de pesquisa, assistência e vigilância para além da pandemia de Sars-CoV-2. No sábado (7/5), a executiva da OMS visitou a Fiocruz Amazônia.
As comitivas da OMS, da Opas e do MS estiveram em laboratórios e participaram de reuniões na Fiocruz (Foto: Peter Ilicciev)Maria, que já esteve na Fiocruz para atividades ligadas à epidemia de zika, agradeceu o trabalho desenvolvido na instituição. Segundo ela, foi revelador ver de perto essas atividades. “Quando penso em Fiocruz, penso em excelência científica, na pesquisa que desenvolvem, em vigilância, sequenciamento, colaboração, não só no Brasil, mas internacionalmente. A instituição é um centro de excelência no mundo”, declarou. “O Brasil, em particular, aproveitou o momento (da pandemia) para investir. Espero que consiga continuar com esse investimento em vigilância”.
Durante sua apresentação de boas-vindas, a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, celebrou a visita. “A vinda da doutora Maria Van Kerkhove nos inspira. Procuramos mostrar hoje as lições do passado da Fiocruz, não apenas relacionadas à Covid-19, mas os desafios contemporâneos e as visões para o futuro”. Nísia lembrou a visita, em 24 de março, de Chikwe Ihekweazu, diretor do hub da OMS para Pandemia e Inteligência Epidemiológica. “Foi uma visita muito rica e esperamos que a atualização das principais atividades da Fiocruz hoje possa contribuir com a Opas e OMS”, disse.
Nísia chamou a atenção para os desafios de manter a Fiocruz presente em todas as regiões do país e listou sete lições e desafios para a preparação para novas emergências sanitárias. Uma delas seria a necessidade de investimentos contínuos em ciência e tecnologia. “Nada é completamente novo na reposta à pandemia. As vacinas são resultado de trabalhos prévios com ebola, Sars e outros vírus”, pontuou. “É uma imprecisão falar na rapidez da ciência nesta pandemia sem considerar os investimentos contínuos realizados na última década”. As outras lições e desafios compreendem a reorientação da pesquisa no campo biomédico, a fim de priorizar o interesse público; a descentralização da produção de bens de saúde (vacinas, medicamentos, testes diagnósticos); o fortalecimento da governança global e do multilateralismo; a mobilização de abordagens interdisciplinares diante de desafios complexos; o fortalecimento dos sistemas de saúde e de proteção social; e a mudança do paradigma da comunicação da ciência para o estreitamento das relações entre ciência e democracia.
Nísia destacou ainda que a Fiocruz se dedica também à educação, com treinamento e qualificação de profissionais do SUS e para todos os campos de ciência e tecnologia no Brasil. Além disso, citou o papel da instituição na disseminação de informação de qualidade como um papel estratégico. A visita, que contou ainda com delegações da Opas e do Ministério da Saúde, está relacionada com a Rede Internacional de Vigilância de Patógenos Emergentes; avanços nas estratégias de detecção, verificação e avaliação de risco de patógenos de alta ameaça; vigilância genômica no país.
Solidariedade em ciência
As comitivas presentes à visita contavam também com a representante da Opas/OMS no Brasil, Socorro Gross, e do diretor do Departamento de Articulação Estratégica em Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, Breno Soares. Em sua fala, pela manhã, ele agradeceu ao apoio da Opas e da Fiocruz ao ressaltar o trabalho dos Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), ressaltando que o Departamento de Articulação Estratégica em Vigilância em Saúde vem estruturando e fortalecendo o diagnóstico molecular nas unidades pelo país. “Desse modo, podemos dizer que o sequenciamento genético hoje é a técnica de biologia molecular mais avançada disponível e sendo ofertada pela vigilância em saúde para a rede pública. Esse tipo de diagnóstico, que já era realizado por alguns laboratórios de referência, agora é uma realidade no SUS”.
Visita da comitiva ao Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo (Foto: Peter Ilicciev)
À tarde, após os comentários de Nísia sobre aspectos debatidos anteriormente, como a importância dos investimentos permanentes em ciência, tecnologia e inovação, Socorro pontuou: “Nessa pandemia, tivemos que repensar a nossa cooperação e também como podemos utilizar essa janela de oportunidade que ainda está aberta para fortalecer nossas instituições, e essa visita faz parte desse fortalecimento tanto de como podemos ter essa visão regional e mundial com instituições com o potencial que a Fiocruz tem, em articulação com o Ministério da Saúde”.
Maria comentou o que chamou de solidariedade em ciência. “Todo dia vemos cientistas pelo mundo dividindo informação em busca de soluções para uma crise em comum e vocês (Fiocruz) fazem parte disso. Obrigada pelo trabalho que fizeram e continuarão fazendo porque a pandemia não acabou e teremos muitos desafios pela frente”, afirmou.
Apresentações e conclusões
Na sequência, representantes da Fundação apresentaram, no Centro de Documentação em História da Saúde (CDHS/Fiocruz), alguns de seus projetos. Entre eles, Manoel Barral, pesquisador do Instituto Gonçalo Moniz (IGM/Fiocruz Bahia). Barral apresentou contribuições e resultados de dados antes e durante a pandemia, como análises do programa de imunização no país, entre outros. Além disso, Barral destacou ações futuras, como monitoramento de dados da atenção primária à saúde.
Nas apresentações a executiva da OMS conheceu em detalhes alguns projetos de ponta da Fiocruz (Foto: Peter Ilicciev)
Marilda Siqueira, chefe do Laboratório de Vírus Respiratório e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) apresentou o trabalho da Rede Genômica e de melhoria dos laboratórios nacionais em diferentes áreas para aumentar a capacidade de análise. Ela destacou também os esforços de disseminação de informação de qualidade pela Rede Genômica para que o público geral e a imprensa possam acessar facilmente e ver o que está acontecendo em termos de dados genômicos e variantes no país. Até o momento, o site da rede já recebeu 230 mil acessos.
O pesquisador Daniel Vilella, do Programa de Computação Científica (PROCC/Fiocruz), apresentou o InfoDengue, um sistema de monitoramento, que foi estendido a outras arboviroses, e monitora os níveis de transmissão. Vilella e sua equipe construíram um modelo estatístico para inferir as curvas de incidência, algo que foi útil quando começaram a monitorar os casos de infecções respiratórias e então desenvolveram o Infogripe, que começou em 2015. “Quando o Sars-CoV-2 emergiu, era uma plataforma pronta pra ser usada”, explicou Vilella. A experiência foi importante para avaliar, posteriormente, aspectos como o tempo que seria necessário para a pandemia se disseminar para outros estados no país. Além disso, há outros projetos que avaliam aspectos ligados a malária, febre amarela.
O pesquisador do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) André Miguel Japiassu apresentou a história do Hospital Evandro Chagas, que recebeu e recebe pacientes de Covid-19. Até o momento, já foram registradas mais de 5 mil internações. Quase 70% dos pacientes que recebem são para UTI. Japiassu enumerou ainda as diversas ações de colaboração, como o projeto internacional Cuida Chagas, que faz o mapeamento e vigilância na América Latina da doença de Chagas.
Reforço de parceria
Após as apresentações, Maria perguntou aos pesquisadores sobre os desafios de manter esses esforços, sobre como acham ser viável expandir essas ações para além do enfrentamento da Covid-19, considerando o surgimento de novos patógenos. Após as visitas aos laboratórios e à unidade hospitalar, disse: “Eu vi respostas para minhas perguntas: agilidade, flexibilidade, investimentos significativos e comprometimento em continuar com esse trabalho não só para Covid-19, mas com qualquer desafio que passe pela porta de vocês. Esse comprometimento é muito claro e nós (OMS) estamos aqui para apoiá-los em qualquer coisa que precisem para garantir que continuem. Por favor, mantenham seus esforços, mantenham-se seguros”.
A presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, presenteou Maria Van Kerkhove com um livro sobre a trajetória de Carlos Chagas (Foto: Peter Ilicciev)
Assim como Maria, Socorro também agradeceu aos profissionais da Fundação. “Para nós (Opas), a Fiocruz está em outro patamar. Não é simples mover tão rapidamente a pesquisa e a ciência para o bem-estar das populações em uma pandemia, e vocês fizeram isso”, destacou ela, chamando atenção para os esforços de pesquisa da instituição e como os resultados desse trabalho foram importantes para as Américas e para o Brasil. “Diante de tudo isso, continuamos nossas parcerias”.
Ao final do dia, a presidente Nísia retomou a ideia de uma só saúde, segundo a qual a saúde humana, animal e do planeta estão intimamente ligadas, para sugerir a ideia de uma só instituição. “O dia de hoje mostra uma só Fiocruz. Estamos aqui, com saúde, por estarmos vacinados, o trabalho no INI contribui para o aperfeiçoamento clínico, para o estudo “Solidarity” com os medicamentos contra a Covid-19, a também formamos pessoas, como um grande centro de formação para o SUS”, disse.
Comitivas
Além de Maria e Socorro, estavam presentes na comitiva da Opas Jairo Mendes, líder Técnico para Doenças Infecciosas Virais da Opas/OMS; Maria Almiron, coordenadora da Unidade Técnica de Vigilância, Preparação e Resposta às Emergências e Desastres no Brasil, Opas/OMS; e os consultores nacionais para Emergências Rodrigo Said, Rodrigo Frutuoso, Ghabriela Boitrago, Katia Uchimura, Octávio Fernandes, Ho Yeh Li e André Siqueira. Pelo Ministério da Saúde, Thiago Guedes, coordenador-geral de Laboratórios de Saúde Pública, e os consultores técnicos da Coordenação-Geral de Laboratórios de Saúde Pública Emerson Araújo, Vitor Henrique Lima e Lívia Ferreira, e ainda Sarah Fernandes Bayma, da assessoria de Assuntos Internacionais em Saúde.