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16/08/2017

Fiocruz recebe palestra de Prêmio Nobel de Química

André Costa (Agência Fiocruz de Notícias)


A Fiocruz recebeu na última sexta-feira (11/8) a visita do vencedor do Prêmio Nobel de Química de 2004, Aaron Ciechanover. Em duas conversas com estudantes, pesquisadores e o público em geral, o bioquímico israelense compartilhou lições de mais de 40 anos de trabalho e ofereceu sugestões e reflexões sobre métodos de pesquisa, ética profissional e o estado atual da ciência e do mundo.

Aaron Ciechanover foi recebido em Manguinhos pela presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima (Fotos: Peter Ilicciev - CCS/Fiocruz)

 

Ao lado dos pesquisadores Avram Hershko e Irwin A. Rose, do Centro de Câncer Fox Chase, na Filadélfia (EUA), Ciechanover descobriu um sistema que tem como uma de suas maiores funções o descarte de dejetos de proteínas do corpo.

O sistema descoberto pelo pesquisador se chama ubiquitina e está diretamente relacionado ao câncer. Ele identifica proteínas inúteis e modificadas, que devem ser, de maneira seletiva, removidas do corpo, ao mesmo tempo mantendo os componentes saudáveis que continuam exercendo suas funções vitais. O avanço já levou ao desenvolvimento de fármacos e de métodos diagnósticos.

O evento foi promovido pela biofarmacêutica global AstraZeneca em parceria com a empresa Nobel Media e com a Fiocruz. A visita faz parte do Nobel Prize Inspiration Initiative (NPII), um programa global que leva premiados pelo Nobel para universidades e centros de pesquisas a fim de inspirar e envolver jovens cientistas, a comunidade científica e o público.

“Esta é uma grande honra e o momento de termos contato com um grande pesquisador. Este encontro nos permite pensar sobre suas contribuições e os desafios que enfrentou para chegar ao Prêmio Nobel”, disse a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima, agradecendo também às empresas que viabilizaram a vinda de Ciechanover ao Brasil.

Esta é a terceira visita de um vencedor do Prêmio Nobel à Fundação como parte do mesmo programa. Em 2015, o vencedor do Prêmio Nobel de Medicina de 2011, Bruce Beutler, veio dividir sua experiência. Já em 2014 foi a vez Martin Chalfie, laureado com o Nobel de Química de 2008.

Ciechanover protagonizou duas atividades na Fiocruz: primeiro participou de uma conversa em formato de talk-show no Museu da Vida com o diretor editorial da Nobel Media, Adam Smith. Logo em seguida, encontrou-se com jovens pesquisadores na Residência Oficial de Manguinhos, para perguntas de caráter mais técnico.
 
Ao longo da tarde, entre outros temas o pesquisador falou sobre suas motivações profissionais, como é chegar ao topo da ciência global, quais são alguns entraves da saúde global e o que faz um bom cientista.

Abaixo, seis lições de um Prêmio Nobel na Fiocruz:

Tecnologia e ciência

"A tecnologia é essencial à ciência – as duas áreas caminham de mãos dadas. Na ciência, estamos limitados pela tecnologia. Precisamos saber a estrutura. Somos indefesos sem ela. Pense sobre o genoma humano e sobre ciências humanas. A cada dois ou três vencedores do Prêmio Nobel, um está diretamente relacionado à tecnologia. Ela não é tudo, contudo. Um erro que as pessoas fazem com frequência é desenvolver as tecnologias, dedicar-se muito a elas, e então se afastar dela rapidamente – as trocando pelas últimas novidades. Há pessoas que são viciadas em tecnologia."

Grande geração de dados

"A ciência mudou muito, para o bem e para o mal. Na minha época, a ciência era algo que se desenvolvia lentamente. Você começava com uma pergunta, e para respondê-la evoluía devagar, fazendo uma coisa de cada vez. Hoje em dia é como uma viagem de pesca. Você começa sem saber aonde irá parar, e emprega muita força no caminho. Para isso, trabalha com uma grande quantidade de dados para chegar a um resultado inesperado. Sou um pesquisador à moda antiga. Ainda sou guiado pela curiosidade. Acredito que ambos os projetos são muito importantes, mas temos que ser cuidadosos. Mas há muita informação nos dados, há muitas razões que precisamos e podemos entender recorrendo a eles."

Bioética e vida pública

"O uso de um grande volume de dados também traz perigos relacionados à bioética. Se voamos sequenciar uma população inteira, precisamos ser cuidadosos: as informações podem acabar nas mãos de agências governamentais, ou de empregadores, ou de planos de saúde. A ciência não deve ser deixada apenas para os cientistas, nem deve ser existir só nos laboratórios. Ela também está profundamente ligada à vida pública, a sociedade também está muita envolvida. Pensem no caso de Angelina Jolie, que falou abertamente sobre a relação com o câncer em sua família. Ela fez um trabalho importantíssimo para as mulheres ao redor do mundo."

Dados abertos e jornais científicos pagos

"Estamos em uma instituição pública. Além da Fiocruz, no Brasil, a maioria das universidades é pública. O mesmo se repete ao redor do mundo. Tudo o que é público deve estar aberto e, como diz a própria palavra, disponível ao público. Estas informações pertencem ao público e à sociedade. É um erro que parte tão significativa da pesquisa científica seja publicada em publicações privadas, que muitas vezes cobram para o pesquisador acessar o artigo que ele próprio escreveu. Essas publicações, no entanto, são um deus que nós mesmos criamos, então podemos destruí-lo. A única maneira de interromper esse ciclo é por meio de um boicote. A comunidade científica deve se unir e lutar contra esse problema, publicando em periódicos abertos. Deveríamos mudar radicalmente de sistema, porque o atual é injusto."

A vida depois do Prêmio Nobel

"Minha vida não é perfeita. Viajo mais, mas meu verdadeiro amor está no laboratório. Tenho um grupo de estudantes muito bom, e estamos publicando coisas muito boas e interessantes. É isso o que realmente quero fazer. Algo muito importante a mudar é que, depois do Prêmio Nobel, a Fundação Nobel nos transforma em embaixadores da ciência. Até hoje cerca de 800 pessoas ganharam o Nobel. Destes, há cerca de 250 laureados vivos, e, dentre este grupo, 100 ou 150 que são muito ativos com as atividades da Fundação Nobel. Esta parte de nossa atividade é muito importante, porque, como embaixadores da ciência, podemos falar com os políticos e governos que a ciência é o melhor investimento que pode ser feito."

Investimentos públicos em saúde

"A ciência é muito frágil: ela é como a previdência pública, é muito fácil atacá-la. Mas por meio dela você pode pegar um país pobre e transformá-lo em um país rico. Foi este o caso com Israel. No fundo, tudo se resume à educação. Quando se investe em educação e ciência, a sociedade avança, a população vive mais tempo, as crianças se desenvolvem melhor. Só que investir em ciência e educação toma muito tempo. Pensem em um engenheiro, um arquiteto, um dançarino – na dedicação e tempo que levaram para se formar. Uma vez formados, no entanto, eles têm algo que não pode ser destruído. É um investimento a longo prazo: você precisa investir e investir, a despeito de mudanças econômicas, porque este é o melhor investimento que pode ser feito. Os governos precisam entender isso."

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