07/03/2016
Alexandre Matos (Farmanguinhos/Fiocruz)
O Instituto de Tecnologia em Fármacos (Farmanguinhos/Fiocruz) vem trabalhando no desenvolvimento de um medicamento inovador voltado para crianças que vivem com HIV/Aids: o efavirenz pediátrico dispersível em água, elaborado a partir de nanotecnologia. O objetivo da iniciativa é melhorar a qualidade do fármaco ingerido pelos pequeninos. Liderado pelo pesquisador Helvécio Rocha, coordenador do Laboratório de Sistemas Farmacêuticos Avançados (LaSiFA), o estudo vai ao encontro da política da Organização Mundial da Saúde (OMS) em oferecer medicamentos mais adequados aos pequenos pacientes.
Segundo Rocha, já foram realizados testes prévios em cobaias, comprovando a biodisponibilidade in vivo, ou seja, ficou comprovado que houve liberação da substância ativa no organismo do paciente. “É um comprimido elaborado com um sabor mais agradável, que se dispersa em água para facilitar a ingestão pelas crianças”, frisa o coordenador. A previsão é de que em dois anos sejam iniciados os testes em humanos.
O pesquisador informa que as partículas foram testadas ainda na escala micrométrica, isto é, mil vezes maior do que as da nanotecnologia. “Estamos, agora, avançando na escala nanométrica, e, de fato, só os testes comprovarão se a nanotecnologia será mesmo tão superior. De qualquer forma, apenas com a versão micrométrica já testada conseguimos aumentar a biodisponibilidade em três vezes em relação ao fármaco normal. Os resultados significam que uma menor dosagem poderia ser utilizada na formulação. No caso específico de crianças, é um benefício enorme, uma vez que poderia facilitar a fabricação de comprimidos menores, portanto mais fáceis de serem deglutidos”, explica.
De acordo com o Ministério da Saúde, a maior diferença entre antirretrovirais pediátricos e adultos está na apresentação farmacêutica, sendo líquidos para crianças de até seis anos de idade, e comprimidos, sólidos, no jargão farmacêutico, para os demais pacientes. Sob este aspecto, outra importante vantagem é que a administração deste efavirenz é também mais fácil e segura do que as opções líquidas disponíveis, já que o comprimido é feito na dosagem exata para o tratamento, sem a necessidade de medir a quantidade a ser ingerida.
No caso da apresentação líquida, os pacientes podem ter dificuldade em ministrar a dosagem correta, conforme a prescrição médica. Rocha observa que a formulação líquida ressalta o sabor desagradável, além de ser mais inconveniente para transporte.
O efavirenz pediátrico desenvolvido pelo LaSiFA pode ser considerado uma inovação incremental, se levarmos em consideração que se trata de um aprimoramento das apresentações já existentes, porém, elaborado especificamente para o organismo das crianças, o que o torna mais eficaz, explica o pesquisador. Na composição do medicamento, é utilizado menos princípio ativo, o que ajuda na ingestão, além de promover a redução de custos de produção.
O trabalho de Rocha e equipe foi premiado no 9º Encontro Nacional de Inovação em Fármacos e Medicamentos (ENIFarMed), realizado ano passado em São Paulo. Dada a sua importância para a saúde pública, o estudo conta com financiamento do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). “Os recursos contemplam a aquisição de novos equipamentos e também de insumos, reagentes e outros materiais, além da contratação de serviços terceirizados para algumas etapas do projeto. De qualquer forma, prevemos a finalização do projeto em três anos”, avalia o pesquisador.
Avanço tecnológico
Com o objetivo de enveredar por esta área da fronteira tecnológica e pouco explorada no Brasil, a Fiocruz já autorizou a construção de um laboratório de nanotecnologia para abrigar estudos de Farmanguinhos e do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz). “Será uma plataforma de nanotecnologia vinculada ao PDTIS (Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde). A ideia é credenciar este futuro laboratório como um prestador de serviços nesta área”, observa o farmacêutico.
A estrutura da futura plataforma de nano funcionará em contêineres. No campus de Manguinhos, o espaço já foi definido, e o próximo passo será a publicação do edital para licitar a empresa responsável pela montagem dos módulos. A previsão é de que em setembro deste ano a obra esteja concluída.
A pesquisa é totalmente desenvolvida por Farmanguinhos, por meio do LaSiFA. Algumas etapas, no entanto, são realizadas em laboratórios da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), da Universidade Federal Fluminense (UFF) e do IOC. Rocha enfatiza que, mesmo com a construção do laboratório de nanotecnologia, devem continuar as atividades que vêm sendo realizadas nos laboratórios das universidades parceiras. “Este tipo de intercâmbio é inclusive salutar para a ciência”, assinala o pesquuisador.
Como o próprio nome sugere, o Laboratório de Sistemas Farmacêuticos Avançados pesquisa medicamentos mais inovadores e, com isso, ajudar a instituição a contribuir para a saúde pública. O laboratório foi contemplado ainda com financiamento do BNDES para o desenvolvimento de anfotericina B, medicamento usado no tratamento de Leishmaniose, uma das principais doenças negligenciadas no Brasil. Atualmente, o fármaco está disponível apenas em apresentações injetáveis. Portanto, o grande diferencial desta investigação inédita no mundo, que ainda está em fase inicial, é a criação de uma formulação do medicamento em comprimido.