04/03/2016
Trazido ao país pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), o projeto de pesquisa Eliminar a Dengue: Desafio Brasil é uma iniciativa científica internacional pioneira que estuda o uso da bactéria Wolbachia como uma alternativa natural, segura e autossustentável para o controle da dengue. Quando presente no Aedes aegypti, a Wolbachia reduz a capacidade do mosquito em transmitir o vírus.
A bactéria Wolbachia é introduzida dentro do ovo do Aedes aegypti, através de microinjeções e sem o uso de qualquer tipo de modificação genética Foto: Gutemberg Brito (IOC/Fiocruz)
Como resultado dos estudos realizados pelo projeto entre agosto de 2015 e janeiro de 2016 em dois bairros parceiros, foi verificado que 80% dos mosquitos Aedes aegypti destas localidades possuem a bactéria Wolbachia. O grupo de cientistas do programa internacional Eliminar a Dengue: Nosso Desafio comprovou em laboratório que, quando inserida no mosquito, a bactéria é capaz de reduzir a transmissão dos vírus dengue e chikungunya. Recentemente, também foi demonstrado que a Wolbachia pode reduzir a transmissão do vírus zika. A iniciativa não tem fins lucrativos.
“Este é um projeto científico que realiza estudos no ambiente de campo para avaliar como o método poderá contribuir enquanto uma alternativa complementar para controle da dengue. Estamos satisfeitos em apresentar estes dados promissores e aproveitamos a oportunidade para agradecer o apoio dos moradores dos dois bairros, que são parceiros fundamentais do estudo”, afirma o pesquisador da Fiocruz Luciano Moreira, coordenador do projeto no Brasil. A iniciativa faz parte do programa internacional Eliminar a Dengue: Nosso Desafio, que também realiza estudos na Austrália, Vietnã, Indonésia e Colômbia. No Brasil, os bairros de Tubiacanga, na Ilha do Governador, na cidade do Rio de Janeiro, e de Jurujuba, em Niterói, que participam do projeto.
O coordenador do projeto destaca que o percentual atingido neste momento se refere à fase de liberação dos mosquitos. “Este número reflete o cenário dos bairros parceiros neste momento em que a equipe realizou liberações sistemáticas. Ao longo das próximas semanas, continuaremos acompanhando a população de mosquitos Aedes aegypti com Wolbachia nestes locais. Variações nesta porcentagem são esperadas e têm sido observadas nos diversos países em que o projeto realiza estudos em campo”, pondera.
Como o método funciona
Mais da metade dos insetos do mundo possuem a bactéria Wolbachia. Depois de milhares de tentativas, a equipe do programa Eliminar a Dengue, na Austrália, conseguiu introduzir a Wolbachia dentro do ovo do Aedes aegypti, através de microinjeções e sem o uso de qualquer tipo de modificação genética. A Wolbachia é passada naturalmente da mãe para os filhotes. “Este é um diferencial do projeto, pois garante a sua autossustentabilidade sem a necessidade de liberações frequentes de Aedes aegypti com Wolbachia”, afirma Luciano.
Projeto utiliza recipientes plásticos com ovos de Aedes aegypti com Wolbachia, água e alimento para as larvas que vão nascer (Foto: Peter Ilicciev)
Na atual etapa do projeto, os pesquisadores avaliam a liberação de mosquitos adultos e a liberação de ovos – neste caso, é usado o Dispositivo de Liberação de Ovos (DLO), um recipiente plástico com tampa e pequenos furos nas laterais. Os DLOs são hospedados na residência de moradores que colaboram com a iniciativa – os chamados 'anfitriões' do projeto. No interior do recipiente, há ovos de Aedes aegypti com Wolbachia, água e alimento para as larvas que vão nascer. Cerca de sete a dez dias depois da instalação do DLO, os ovos darão origem aos mosquitos adultos, que voarão gradativamente para fora do recipiente por meio dos furos.
“Estamos em busca de metodologias de liberação dos mosquitos Aedes aegypti com Wolbachia que sejam ao mesmo tempo mais eficazes e mais baratas. Devido à facilidade logística e ao menor custo, o DLO permite que áreas maiores sejam trabalhadas, possibilitando, no futuro, a ampliação da área de atuação do projeto", explica Luciano, acrescentando que, antes da etapa de liberação dos mosquitos, houve amplo trabalho da equipe de engajamento comunitário informando e dialogando com os moradores dos bairros parceiros. “Seguiremos acompanhando os resultados em Tubiacanga e em Jurujuba. Neste momento, também estamos avaliando os próximos passos para uma possível ampliação do projeto”, diz o pesquisador.
Segurança e aprovações
A Wolbachia é uma bactéria restrita a animais invertebrados. Por ser obrigatoriamente intracelular, ela não sai durante a picada do mosquito e não está presente na saliva que o mosquito secreta durante a picada. Além disso, há séculos os seres humanos são picados pelo pernilongo, que naturalmente possui a Wolbachia, sem o desenvolvimento de doenças ou reação imune causadas diretamente pela bactéria.
Os estudos e campo do projeto no Brasil foram aprovados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa) e pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) após rigorosa avaliação sobre a segurança para a saúde e para o meio ambiente.
Financiamento
O projeto Eliminar a Dengue: Desafio Brasil integra o esforço internacional sem fins lucrativos do programa Eliminate Dengue: Our Challenge (Eliminar a Dengue: Nosso Desafio). No Brasil, o projeto tem financiamento do Ministério da Saúde (Secretaria de Vigilância em Saúde – SVS e Departamento de Ciência e Tecnologia da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos – DECIT/SCTIE), Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação e CNPq. O projeto conta, ainda, com recursos diretos da Fundação Bill & Melinda Gates, e com contrapartida da Fiocruz em estrutura, recursos humanos e equipamentos. A Secretaria Municipal de Saúde de Niterói e a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro atuam como parceiros locais na implantação do projeto.
O financiamento internacional principal é oriundo de verba da Universidade de Monash, obtida por meio da Foundation for the National Institutes of Health (FNIH, dos Estados Unidos) através do programa Controle de Doenças Transmitidas por Vetores: Pesquisa para Descoberta (Vector-Based Transmission of Control: Discovery Research - VCTR) da Iniciativa Grandes Desafios em Saúde Global (Grand Challenges in Global Health Initiatives) da Fundação Bill & Melinda Gates.