05/10/2016
Marcelo Garcia e André Bezerra (Icict/Fiocruz)
Empatia para se colocar no lugar do outro e compromisso de defender o acesso pleno de todo cidadão a seus direitos. Essas foram as questões básicas que nortearam o debate realizado pelo Centro de Estudos do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz) realizado no dia 27/09. O encontro, que teve como tema Deficiência, invisibilidade e acessibilidade: o que comunicação e informação têm a ver com isso?, abordou a importância da acessibilidade nas práticas desses campos, da produção de livros e websites à disseminação da informação científica. Realizado na Sala Multimidia do Icict/Fiocruz, o evento contou com intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (Libras) e recebeu diversos trabalhadores surdos da Fiocruz, entre outras pessoas com variados tipos de deficiência.
Evento foi promovido pelo Grupo de Trabalho de Acessibilidade e Inclusão da Fiocruz (Foto: Raquel Portugal - Icict/Fiocruz)Na abertura do evento, Luis Carlos Fadel, do Grupo de Trabalho de Acessibilidade e Inclusão da Fiocruz, destacou o protagonismo do Icict/Fiocruz no tema e a importância do encontro como um indicador da mudança política que vem ocorrendo na Fiocruz. Segundo ele, iniciativas que antes eram dispersas na Fundação, têm ganhado visibilidade e passado a pautar discussões sobre acessibilidade na instituição. Tendo como inspiração a música Esse mundo é meu de Sérgio Ricardo, Fadel falou da importância do amor para romper com os grilhões que nos aprisionam, apontou o potencial emancipatório da inclusão no trabalho para a pessoa com deficiência e reforçou sua convicção para o público presente: “Esse mundo é de todos aqui”.
Marina Maria, do Grupo de Trabalho sobre Acessibilidade do Icict/Fiocruz, destacou os muitos desafios que motivaram a criação do GT, que esteve à frente da realização do seminário. “São milhões de pessoas com deficiência no Brasil, mas onde elas estão? A Fiocruz, em parceria com a ONG Centro de Vida Independente (CVI), contrata trabalhadores surdos e já prevê cotas para deficientes em seus concursos, mas a realização das provas se dá de forma acessível? A Fundação desenvolve práticas inclusivas e acessíveis em seu dia a dia?”, questionou. “ A falta de boas respostas para essas e outras perguntas estimulou a busca por uma maior institucionalização, no sentido de romper com a invisibilidade dessas questões”.
Apoio para a acessibilidade
Primeiro a se apresentar, Alberto Arguelhes, fundador da WVA Editora, rememorou a trajetória da empresa, que produz livros acessíveis e com a temática da acessibilidade, e da Escola de Gente, entidade que procura estimular a criação de uma sociedade mais inclusiva e sustentável. Em nome das milhões de pessoas com deficiência e seus familiares que lidam com questões de acessibilidade e preconceito todos os dias, ele reforçou a necessidade de garantir a todos a capacidade de se comunicar e de realizar todo o seu potencial, o “direito de comunicar e de ser comunicado”.
A WVA recebeu, em 2015, um prêmio da Organização das Nações Unidas pelo livro Sonhos do dia, publicado em nove formatos inclusivos. Apesar de orgulhoso pelo reconhecimento, o editor ressaltou a importância de obter apoio para o desenvolvimento de iniciativas como essa. “Os custos são altos, há muitas dificuldades: é preciso gravar os tradutores de Libras em estúdio, por exemplo, e como os editores de vídeo não sabem Libras, o processo se torna mais complicado”, pondera. “Também produzimos a versão do livro em braile com papel especial, para que não se desgaste com o manuseio, mas o valor por exemplar chega a R$200. É impossível pagar esse livro apenas com a venda”.
Em especial para crianças, há uma enorme falta de livros acessíveis, segundo Arguelhes. “Já participei de processos de venda de livros para escolas públicas e ouvi coisas como: ‘Graças a Deus na minha escola não tem crianças assim, isso não interessa’. Ainda é difícil mostrar a importância disso, ainda mais num país em que a leitura não é prioridade”, lamentou. “Não nos dedicamos a isso por sermos bonzinhos, mas por respeito e convicção, essa ideia tem que mudar. Garantir a acessibilidade, embora possa ser uma coisa cara em alguns casos, não é ser bonzinho, trata-se de um direito de todo ser humano, que precisa ser respeitado e garantido”.
Hora de fazer barulho
Após promover um minuto de silêncio no recinto, o próximo palestrante, Armando Nembri, doutor em História das Ciências e das Técnicas e Epistemologia, e analista de planejamento e gestão do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), deu início à sua apresentação, intitulada Do silêncio milenar aos séculos de caminhos e descaminhos surdos, de forma emocionante. O palestrante descreveu um panorama abrangente da luta das pessoas surdas na sociedade, desde uma perspectiva histórica, passando por sua trajetória pessoal.
“Chegou a hora de os surdos fazerem barulho, pois só assim, conseguiremos vencer a invisibilidade”, afirmou Nembri. Sua fala abordou marcos históricos relacionados ao reconhecimento de direitos pela inclusão. “O Brasil, por exemplo, levou muito tempo para reconhecer sua própria língua de sinais, mas foi o primeiro a regulamentá-la”, explicou. Contudo, para ele, somente a criação de normas e regras não é suficiente. “Para uma verdadeira inclusão, falta padrão de comportamento. É preciso respeitar efetivamente a legislação, que já existe, e fazer valer o direito de todos”, pontuou.
Para o palestrante, um exemplo disso foi a sua prova de seleção para curso de pós-graduação na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Os candidatos foram informados que o exame de inglês seria aplicado em igualdade de condições. “Percebi na prática a diferença entre igualdade e equidade, uma vez que para o surdo, o inglês não é a segunda língua, mas a terceira. Sua primeira língua é Libras (Língua Brasileira de Sinais)”, relembrou.
Dentre outros pontos abordados, Nembri apontou a importância de se conquistar espaços, como a direção do Instituto Nacional de Surdos por uma pessoa surda e a efetivação do uso de intérpretes de Libras no ensino superior. Para finalizar, alertou para um problema que está ligado diretamente às dificuldades enfrentadas por pessoas com deficiências: a falta de empatia. “Sem empatia, não irá haver inclusão. Precisamos voltar a falar de amor entre a humanidade, falar de empatia”, concluiu.
Por fim, a professora Simone Bacellar, do Departamento de Informática Aplicada da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UniRio), abordou internet e acessibilidade. “A primeira coisa que precisamos entender é a interface. Ela deve prezar a usabilidade e facilitar o entendimento do usuário”, explicou. “Acessibilidade e usabilidade devem ser prioritárias no desenvolvimento de um site para que ele atenda aquelas pessoas a quem se destina”, complementou.
“Uma vez que estão na internet, os conteúdos serão acessados por uma diversidade enorme de pessoas, de diferentes culturas, idades, perfis e limitações. Por isso, fazer uma interface acessível é um grande desafio”, acredita Bacellar, que coordena o Núcleo de Pesquisa em Acessibilidade e Usabilidade da UniRio. Dentre iniciativas de acessibilidade web, a pesquisadora abordou os leitores de tela, para pessoas com deficiências visuais. “As interfaces têm que aparecer corretamente para todos os usuários”, concluiu.
Dentre os desafios da área, a professora ressaltou a falta de espaço para o assunto nos currículos acadêmicos da área de computação e informática, por isso, ainda há poucos profissionais que pensam a acessibilidade no desenvolvimento de sistemas e conteúdos web. Outra questão é a falta de consciência sobre o assunto pelos produtores de conteúdos. “Um exemplo é o uso de imagens sem descrições textuais. Ainda não há um programa que faça descrição automática de arquivos de imagens”, explicou.
Após debate com os participantes, o GT-Acessibilidade divulgou sua programação interna e convidou toda a comunidade Fiocruz a contribuir para o aprofundamento de uma cultura de acessibilidade no campus e nos serviços de informação e comunicação oferecidos pela instituição.