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28/05/2019

IFF/Fiocruz promove palestra sobre abuso digital

Everton Lima (IFF/Fiocruz)


Um dos temas abordados na penúltima semana do 19º Curso de violência contra crianças e adolescentes - a intersetorialidade na prevenção e no atendimento foi O abuso digital nos relacionamentos afetivo-sexuais adolescentes. Em palestra (20/5) no Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz), a assistente social do Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ) Roberta Flach apresentou dois artigos que foram frutos de sua tese de doutorado. Roberta iniciou o debate explicando porque decidiu estudar o abuso digital na adolescência. “Por conta da mudança cultural e nos relacionamentos que está afetando todos os espaços de interação social (trabalho, escolas, comércio e relações intrafamiliares). Temos uma interação completamente diferente do que era há poucos anos, hoje tudo o que fazemos, postamos, já é algo naturalizado. Então, o limiar que separa o que é público e o que é privado se perde nessa nova sociabilidade”, contou ela.

A assistente social comentou que vivemos atualmente um momento histórico, conhecido como “Era do exibicionismo”, pois somos estimulados a anunciarmos, espontaneamente, tudo relativo à nossa vida pessoal, social e profissional. “Querendo ou não, por mais que a gente faça o discurso do politicamente correto, nós somos absorvidos na internet. Como tudo acontece ao mesmo tempo, o celular passou a ser uma extensão do nosso corpo e não conseguimos mais nos imaginar sem ele. Esse meio já faz parte da gente e do nosso cotidiano”, afirmou ela.

Roberta alegou que os jovens, que são os nativos digitais, utilizam a internet para se expressar, se expor e eles cometem e sofrem violência nesse mesmo espaço, e que na internet as informações, fotos, vídeos, postagens são sem fronteiras, atingindo principalmente as meninas. “A internet possibilita que o bullying, que antes acontecia apenas na sala de aula, continue além do presencial. A exposição de um abuso digital gera um dano enorme e instantâneo, de forma que não haverá local onde poderá “ocultar” tal exposição, gerando danos emocionais ainda não conhecidos em sua plenitude. Porém, ao mesmo tempo em que somos controladores e investigadores, também somos controlados e investigados, esse movimento é constante e o dano é sem medida”, alertou ela.

Na perspectiva de que para existir é preciso ser visto e testemunhado por milhões de expectadores, a assistente social disse que para atestar a visibilidade, as pessoas vivem em função da curtida, do comentário, do status e da busca incessante pelo “olhar do outro”. Roberta frisou que o número de amigos se faz por meio da quantidade de seguidores virtuais e a aceitabilidade social é medida pelo número de curtidas e compartilhamentos daquilo que se posta nas redes. “É muito fácil simular o que não somos, como não estamos de verdade. O ideal de felicidade é inatingível, nunca estaremos completamente felizes. Agora será que os seguidores representam de fato os amigos de todas as horas? Que tipos de relações são essas que estamos estabelecendo?”, avaliou ela.

Dentre os tipos de abusos digitais identificados, a assistente social listou: a agressão direta e o controle; a associação com outros tipos tradicionais de Violência Por Parceiro Íntimo (VPI); e a interação das formas de abusos digitais nos relacionamentos afetivo-sexuais com o sexting. O sexting é o envio de fotos e vídeos íntimos, e é considerado como abuso quando o material é divulgado sem o consentimento da pessoa. A partir de setembro de 2018, o Brasil passou a ter uma legislação (Lei Nº 13.718) que pune quem divulga e quem replica esses conteúdos. “Nesses casos, como vivemos em uma sociedade machista, as mulheres são mais julgadas e os homens levam a fama de pegador”, declarou ela.

Nesse contexto, o abuso digital nos relacionamentos afetivo-sexuais se caracteriza como uma VPI, que é um fenômeno emergente, ainda pouco estudado no Brasil, com características específicas e diferenciadas do cyberbullying. Roberta esclareceu que o VPI acontece por meio da internet, não possui barreiras geográficas ou temporais para sua expressão, e tem a intenção de causar danos com importantes consequências à saúde mental de suas vítimas, como baixo rendimento escolar, aumento de uso de drogas, álcool, quadros de ansiedade, transtorno de comportamento e depressão. “Os atos abusivos são legitimados por uma visão que culturalmente romantizou a relação amorosa para as meninas, que veem como um cuidado, e naturalizou o sentimento de posse para os meninos, que encaram como uma proteção. O tema é recente na literatura científica, mas não é menos danoso que outras violências, sendo este abuso de difícil mensuração, reiterando antigas violências com novas roupagens”, informou ela.

A assistente social também chamou a atenção para o uso de aplicativos que controlam remotamente e sem o consentimento da vítima, ato que retira o direito à liberdade e de inviolabilidade das informações. “Sempre houve o desejo pelo monitoramento, quem pratica a ação associa o controle total à paz de espírito, porém não existiam meios tecnológicos para que tais ferramentas se desenvolvessem tanto e de forma assustadora. Antes as pessoas contratavam detetives, agora baixam aplicativos gratuitos de "prevenção" de traição, mas isso é um cuidado ou uma posse?”, refletiu ela.

Roberta pontuou que a temática se configura como um problema social e sua compreensão envolve diversos atores, de diferentes campos de conhecimento (sociologia, comunicação, mas também saúde e educação), visto que, os jovens estão ficando emocionalmente adoecidos, pois se sentem desamparados, frustrados, temerosos e receosos em expor a situação de abuso aos pais e educadores, não sabendo lidar sozinhos com os abusos digitais e suas consequências. “Os adolescentes passam a maior parte do tempo na escola, local onde criam vínculos. Muitos jovens veem em uma professora, um caminho aberto que não tem com os pais para dividir alguma dor, algum dano. Então, a escola tem um papel muito importante”, ressaltou ela.

Para encerrar, a assistente social mencionou que ações podem ser pensadas com o objetivo de alertar os jovens quanto ao uso da internet e os danos causados, problematizar que com a ruptura do “contrato amoroso”, o abuso digital poderá ser uma de suas expressões e, assim, empoderá-los a buscar apoio nas instituições de ensino, família e com os profissionais de saúde. “Não damos importância para o adolescente, achamos que tudo é “história, drama”, mas é nessa fase que começa as futuras violências domésticas, pois muitos casais se formam na juventude. Precisamos escutar os jovens e melhorar a forma como vamos abordar essas questões, ao invés de continuarmos com o péssimo hábito de julgar. Todos somos participantes deste processo, podemos e devemos atuar na defesa e prevenção de futuros casos de abuso digital nos relacionamentos afetivo-sexuais juvenis”, concluiu ela.

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