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02/01/2017

Infecção intestinal por giárdia em crianças é problema no Amazonas

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


Realizado na cidade de Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, um estudo com 433 crianças e adolescentes menores de 14 anos identificou infecção intestinal pelo parasito Giardia intestinalis em 17% das amostras analisadas. O índice foi ainda maior, chegando a 22%, na faixa etária entre dois e cinco anos. Conduzida por cientistas do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) e da Fundação Oswaldo Cruz no Piauí (Fiocruz Piauí), a pesquisa ressalta a necessidade de ações para o enfrentamento da giardíase, doença que pode causar desnutrição e comprometer o crescimento das crianças. “Este agravo não é contemplado pelas políticas públicas de tratamento coletivo contra verminoses intestinais. Embora seja muito frequente, a giardíase está esquecida, e as consequências disso podem ser graves, uma vez que a infecção prejudica a absorção de nutrientes no intestino”, ressalta Filipe Carvalho Costa, pesquisador da Fiocruz Piauí e coordenador do trabalho. O estudo foi publicado na revista científica Plos One e contou com o apoio do programa Brasil sem Miséria.

O tratamento coletivo contra verminoses intestinais implementado no Brasil é recomendado pela Organização Mundial da Saúde (OMS). A terapia é oferecida anualmente para crianças em idade escolar em áreas onde há carência de saneamento. O objetivo é combater as infecções causadas por vermes, como Ascaris lumbricoides – popularmente conhecido como lombriga – e ancilostomídeos. No entanto, uma vez que a giárdia é um protozoário, microrganismo com características biológicas diferentes dos vermes, o albendazol, medicamento utilizado, não é capaz de combatê-la. “O albendazol é um remédio de baixo custo, doado por empresas farmacêuticas para o tratamento coletivo de verminoses. A terapia contra a giardíase exige cinco dias de administração de um outro medicamento, o metronidazol, ou tratamentos de dose única com medicamentos de preço mais alto”, explica Beatriz Coronato Nunes, doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical do IOC/Fiocruz e primeira autora do artigo.

Com a ausência de indicação de terapia coletiva, o tratamento da giardíase depende do diagnóstico realizado por meio de exame parasitológico específico, que detecta os cistos (ovos) do parasito nas amostras. De acordo com Filipe, o diagnóstico é ainda mais importante na medida em que a maioria dos pacientes infectados não desenvolve sintomas. “Nenhuma das 433 crianças e adolescentes incluídos no estudo apresentava diarreia e, mesmo assim, identificamos 73 casos de giardíase. A implementação da terapia coletiva para verminoses nas áreas endêmicas tem prejudicado o diagnóstico laboratorial das parasitoses intestinais, pois o exame para a detecção da doença tem sido frequentemente deixado de lado”, alerta o pesquisador.

Contaminação disseminada

No trabalho, os pesquisadores mapearam os casos de giardíase em Santa Isabel do Rio Negro. Os dados mostram que a doença ocorre em todos os bairros da área urbana do município, com alguns locais de maior incidência, principalmente nas proximidades do Rio Negro. A infecção afeta da mesma forma as crianças de famílias com diferentes faixas de renda, tanto acima como abaixo da linha de pobreza. Para os pesquisadores, os dados refletem a carência de saneamento básico na cidade. Segundo Filipe, na área urbana do município, que reúne cerca de cinco mil pessoas, a maioria das casas não possui fossa séptica e os dejetos são jogados diretamente no rio. Dessa forma, os cistos de giárdia liberados nas fezes dos pacientes infectados podem contaminar a água e o solo, sendo ingeridos posteriormente por outros indivíduos, que podem contrair a doença. “Embora a Amazônia contenha a maior bacia hidrográfica do mundo, em Santa Isabel, muitas casas não têm acesso à água potável. Durante o dia, os moradores recebem nas torneiras água extraída de poços e à noite, água retirada do Rio Negro e clorada, o que não é suficiente para eliminar os cistos de giárdia”, diz o pesquisador.

O perfil genético dos parasitos detectados nas amostras também aponta para o alto grau de disseminação da doença. Em um laboratório de campo montado na cidade, o DNA dos protozoários foi extraído e analisado. Dois genótipos distintos de giárdia, chamados de A e B, estavam relacionados aos casos. As duas variedades são conhecidas por infectar seres humanos e algumas espécies de animais. “Se houvesse uma única fonte de infecção na cidade, como um reservatório de água contaminado, todas as crianças apresentariam parasitos com o mesmo perfil genético. Mas, na análise molecular, identificamos diversos subtipos de parasitos dos genótipos A e B, o que reforça a hipótese de que há múltiplas fontes de transmissão do agravo no município. Melhorias nas condições de saneamento e fornecimento de água são fundamentais para mudar esse cenário”, enfatiza Beatriz.

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