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03/08/2020

Livro da Editora Fiocruz investiga trajetória de personagem controverso da psiquiatria brasileira

Marcella Vieira (Editora Fiocruz)


Pensar de forma crítica a realidade sanitária que o Brasil atravessa em meio à pandemia do novo coronavírus requer também investigar a história da medicina e das práticas médicas no país a partir de suas articulações políticas. É sob esse contexto que a Editora Fiocruz lança, no próximo dia 5 de agosto, Psiquiatria e Política: o jaleco, a farda e o paletó de Antonio Carlos Pacheco e Silva. Novo título da coleção História e Saúde, o livro, escrito pelo pesquisador Gustavo Querodia Tarelow, será lançado para aquisição em dois formatos: impresso, via Livraria Virtual da Editora, e digital, por meio da plataforma SciELO Livros. O volume inaugura a lista de originais selecionados em recente chamada pública para livros autorais da Editora Fiocruz.   

A obra apresenta um estudo da trajetória de um personagem altamente relevante e controverso na história biográfica da medicina e da psiquiatria brasileiras do século 20. A análise da vida e das práticas e atividades de Antonio Carlos Pacheco e Silva (1898-1988) é feita levando em consideração as muitas contradições, tensões e singularidades do médico, militar e político. Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) e da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp), Pacheco e Silva acumulou, para além dos espaços acadêmicos, cargos políticos e empresariais, tendo participado ativamente de movimentos nacionais conservadores e eugenistas.  

O livro é um desdobramento da tese doutoral de Gustavo Tarelow, defendida em 2019, na FMUSP. Dedicado às pesquisas sobre a história da psiquiatria paulistas e seus personagens, o autor investiga etapas fundamentais da trajetória de Pacheco e Silva. Ele mostra, por exemplo, a atuação do médico na fundação do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo e como diretor da Associação Psiquiátrica Internacional e do Hospital do Juquery – uma das mais antigas e maiores instituições psiquiátricas do Brasil e da América Latina, há anos em status de gradual desativação. Tarelow revela também como o psiquiatra esteve diretamente envolvido em todo o processo que levou o português António Egas Moniz a receber o Prêmio Nobel de Medicina, em 1949. 

No campo político, o personagem atuou em diferentes partidos e integrou ativamente todo o movimento que levou Getúlio Vargas ao poder em 1930. Logo em seguida, rompeu com o presidente e foi um dos principais articuladores e diretores do M.M.D.C., grupo criado para combater o governo de Getúlio, culminando na Guerra Paulista de 1932. Em decorrência dessa atuação, foi indicado pelas entidades patronais e empresariais paulistas a compor a Assembleia Nacional Constituinte em 1934, defendendo, como deputado constituinte, pautas eugênicas, restritivas e muito alinhadas aos ideais médicos radicais do período e aos movimentos de extrema-direita que ganhavam força.
 
Nos anos 1940, atuou na União Democrática Nacional (UDN), partido de orientação conservadora e de forte oposição a Vargas, e foi um dos fundadores da Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido de sustentação do regime militar. “Por ser também major-médico, Pacheco e Silva conseguiu atuar entre os psiquiatras e a elite médica paulista para articular, junto aos empresários e aos militares, todo o movimento que levou ao golpe de 1964”, ressalta Tarelow. 

O jaleco, a farda e o paletó: o médico, o militar e o político

Durante a Ditadura, foi condecorado três vezes pelos governos militares e teve atuação intensa na defesa do regime na imprensa internacional. Segundo o historiador, até pouco tempo antes de falecer – Pacheco e Silva morreu em 27 de maio de 1988, dois dias antes de completar 90 anos –, o psiquiatra ainda tinha uma atuação política de relevo no cenário nacional. 

Segundo Tarelow, o livro propõe uma análise sobre essa biografia, buscando dimensionar o quanto seus valores políticos conservadores e radicais moldaram a sua atuação psiquiátrica e o quanto há da formação de psiquiatria em suas atividades políticas. A obra mostra que, no final da década de 1960, Pacheco e Silva se associou às principais entidades anticomunistas internacionais, passando a representar no Brasil a Confederação Anticomunista Latino-Americana (CAL) e a Liga Anticomunista Internacional, entidades em que ocupou posições de direção e contribuiu para a organização de congressos e reuniões diplomáticas. “Vemos que é muito presente na sua atuação toda a patologização dos movimentos de esquerda e das minorias, como os grupos LGBTs, as mulheres e os negros”, afirma o autor. 

Pesquisadora da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), Cristiana Facchinetti resume, na orelha do livro, as importantes abordagens do autor, indo além da mera biografia profissional e se estendendo para a controversa atuação política do personagem. "Tarelow nos apresenta o engajamento de Pacheco e Silva na Escola Superior de Guerra e a sua militância anticomunista, bem como as articulações em que esteve presente entre setores empresariais, da imprensa e de profissionais liberais congregados no Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (Ipes). O historiador ainda se debruça sobre suas atividades de colaboração com os mecanismos de perseguição política postas em prática na Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo a partir de 1964”, afirma. A professora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS/COC/Fiocruz) complementa que a participação do médico nesses movimentos “traz à tona o papel da psiquiatria em momentos ditatoriais, quando direitos humanos foram desprezados, demonstrando algumas consequências espúrias dessa proximidade”. 

No prefácio da obra, o professor André Mota, coordenador do Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da FMUSP e orientador de Tarelow no doutorado, enfatiza o minucioso trabalho de pesquisa do historiador em busca de contradições que afastassem a tese – e, consequentemente, o livro – de conceitos predefinidos e de uma abordagem totalizante que pretendesse esgotar todas as leituras possíveis sobre o biografado. “A biografia aqui apresentada não pode, de maneira alguma, ser compreendida como a descrição de quem foi o Pacheco e Silva em sua completude. Entregamos ao leitor, em verdade, um Pacheco e Silva, que pudemos analisar com base nos documentos a que tivemos acesso, nas leituras empreendidas e nos recortes teórico-metodológicos adotados”, defende Mota.  

Lançamento inaugura a lista de livros originais aprovados em edital

Dividida em três capítulos, a obra agrega também importantes notas, referências e imagens, reunindo fotografias, documentos, páginas de jornais e outros materiais de acervo que ilustram as diferentes fases da vida do psiquiatra. O volume é a primeira publicação oriunda de recente chamada pública para livros autorais da Editora Fiocruz. Em abril de 2019, a Editora lançou dois editais para encerrar o ciclo de comemorações de seus 25 anos. 

Em outubro do ano passado, os resultados das chamadas foram divulgados. Para a de livros autorais, 47 originais foram submetidos à Editora. Seis obras foram selecionadas, incluindo a de Gustavo Tarelow. Clique aqui para mais informações sobre o resultado do edital. 

Autor

Gustavo Querodia Tarelow é doutor em Saúde Coletiva pelo Departamento de Medicina Preventiva da FMUSP e mestre em História Social pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP. Desde 2011, o historiador atua como pesquisador do Museu Histórico “Prof. Carlos da Silva Lacaz” da FMUSP. Na instituição, desenvolve pesquisas sobre história das práticas médicas e de saúde, biografias em saúde, história da saúde e da medicina, história da saúde mental e história da psiquiatria. 

Lançamentos digitais em meio à pandemia 

Além do lançamento dos exemplares impressos, o título será também disponibilizado para aquisição na rede SciELO Livros. No final de maio, a Editora Fiocruz lançou Política de Controle do Tabaco no Brasil. Em junho, houve o lançamento de O Feroz Mosquito Africano no Brasil: o Anopheles gambiae entre o silêncio e a sua erradicação (1930-1940) e Informações e registros em saúde e seus usos no SUS. Todos foram publicados em ambos os formatos. 

Em 27 anos de existência, é a primeira vez que a Editora disponibiliza títulos online simultaneamente ao lançamento das obras físicas. Ao diversificar os modos de obtenção e acesso digital, a Editora e a plataforma se adaptam aos tempos atuais e aos novos hábitos e formatos de leitura e de apropriação da produção acadêmico-científica. Diante das transformações sociais causadas pela Covid-19 e em meio a um contexto de maior distanciamento físico, a iniciativa amplia a participação da Editora no formato digital de amplo acesso. 

Os novos livros passam a integrar a ampla lista de volumes e coletâneas da Editora Fiocruz na biblioteca online. Já são quase 300 obras disponíveis no SciELO, sendo que, atualmente, 211 estão em acesso livre para download gratuito. Os demais títulos estão disponíveis para aquisição com média de 40% de desconto em relação ao valor dos livros impressos. 

Clique aqui para mais informações sobre a participação da Editora Fiocruz no SciELO Livros.

Serviço:
Psiquiatria e Política: o jaleco, a farda e o paletó de Antonio Carlos Pacheco e Silva
Editora Fiocruz | Coleção História e Saúde 
Primeira edição: 2020
293 páginas
Preço SciELO Livros (versão digital): R$ 37,80
Preço de capa (versão impressa): R$ 63,00

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