08/12/2016
A edição n°171 de dezembro de 2016 da revista Radis, disponível on-line, enfoca uma notícia animadora para a saúde pública. Na contramão da crescente escolha pelas especialidades na formação e prática da medicina, não raro associada ao uso intensivo de tecnologias caras e medicalização impulsionado por interesses de mercado, um significativo número de estudantes e jovens profissionais brasileiros vem reencontrando a função social de sua profissão ao atuar como médicos de Família e Comunidade. Na 21ª Conferência Mundial de Médicos de Família, realizada em novembro, a repórter Elisa Batalha ouviu residentes e profissionais que se orgulham de cuidar das pessoas de forma integral, dentro de seu contexto familiar e comunitário, promovendo e acompanhando a saúde de cada um por períodos mais longos. Uma proximidade que permite até contribuir na busca de solução para reivindicações como mais e melhor acesso, e interferir nos processos de determinação de saúde e doenças. Do total de médicos no Brasil, 2% são especializados em Medicina de Família (ou Família e Comunidade), e representam 10% dos cerca de 40 mil médicos atuando em equipes de atenção básica. No Canadá, onde a atenção primária é que estrutura o sistema de saúde, esse contingente chega a 40% dos médicos em atividade. Em Cuba, a formação médica tem como prioridade a promoção, prevenção e atenção integral no contexto das famílias e da comunidade. Na fala dos especialistas de Portugal, Espanha ou Egito, a mesma percepção: na Medicina de Família se percebe o adoecimento sistêmico das populações submetidas a políticas econômicas que degradam as condições de vida.
A reportagem Atenção às pessoas traz depoimentos de médicos de família. “Durante a graduação na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, o então estudante Bruno Stelet pensava em se especializar em Obstetrícia. Mas, participando de projetos de extensão universitária em comunidades, notou que, além de realizar o pré-natal de suas pacientes, também sentia a necessidade de acompanhar as crianças depois do nascimento. Ele disse à repórter Elisa Batalha que a Medicina de Família foi a especialidade que lhe permitiu oferecer essa atenção longitudinal. Hoje com 34 anos, ele atende na Clínica da Família Victor Valla, na comunidade de Manguinhos, no Rio de Janeiro, há cinco anos. “Nem sempre é fácil encontrar um médico que permaneça por esse tempo na mesma equipe de saúde, pois há uma alta rotatividade de profissionais”, o próprio Bruno observa.
A contar pelo número de vagas de residências, a especialidade está em ascensão. “Concluí a graduação em 2005. De 100 alunos, cinco queriam fazer Medicina de Família. Só existia uma residência no Rio de Janeiro, oferecida pela Uerj, com oito vagas”, lembra Bruno. Nos últimos anos, as vagas na residência aumentaram, impulsionadas por programas como o Pró-Residência e o Mais Médicos. No Rio, um dos programas de residência, o da Secretaria Municipal de Saúde, oferece 150 por ano, por exemplo. No Brasil, foram oferecidas mais de 1.500 vagas de acordo com o MEC em 2015 — a previsão era de que esse número aumentasse para 2.500 em 2016. Mas apenas entre 30% e 35% delas são ocupadas, segundo o presidente da SBMFC, Thiago Andrade. “Os estudantes de Medicina precisam se interessar pela Medicina de Família. Temos no país 40 mil médicos atuando em equipes de atenção primária, mas só 10% deles são especialistas em Saúde da Família”, contabiliza. A maior parte são recém-formados, ou médicos de outras especialidades, como Pediatria.
Esse tema também é pauta da entrevista com a médica Magda Moura Almeida. A visão geral do profissional de medicina no Brasil é que ele não tem nenhuma responsabilidade com o SUS depois de formado, mesmo que a sua formação tenha sido em uma universidade pública, atesta a médica a professora do Departamento de Saúde Comunitária da Universidade Federal do Ceará (UFC) e diretora de Medicina Rural da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade. Ela avaliou, em entrevista concedida à Radis durante a Conferência Mundial Wonca de Médicos de Família, a importância do programa Mais Médicos no provimento de profissionais nas áreas rurais do país, quando declarou temer sua descontinuidade. “É um momento de incerteza”, ponderou.