Início do conteúdo

26/10/2016

Mesa discute políticas sobre álcool no Brasil e nas Américas

Gustavo de Carvalho (Agência Fiocruz de Notícias)


Na tarde de segunda-feira (24/10), o Seminário Internacional Álcool, Saúde e Sociedade apresentou a mesa Álcool: Aspectos epidemiológicos e Políticas sobre Álcool no Brasil e nas Américas. O encontro teve como moderador o pesquisador do Instituto de Comunicação e Informação Cienfífica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Francisco Inácio Bastos, e contou com a participação de Raquel Brandini de Boni, pesquisadora e professora do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz); Pedro Gabriel Delgado, professor e pesquisador do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Ipub/UFRJ); e Maristela Monteiro, coordenadora regional da Área de Álcool e Abuso de Substâncias da Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).

Raquel de Boni iniciou sua abordagem sobre Aspectos Epidemiológicos do Consumo de Álcool reforçando o aspecto histórico do consumo do álcool, conhecido há mais de 10 mil anos pela humanidade, comumente associado ao aspecto da socialização. Segundo ela, este aspecto se mantém e se expande, por exemplo, com um grande número aplicativos disponíveis nas redes sociais, inclusive com o patrocínio de empresas de bebidas, promovendo o “uso social do álcool, envolvendo milhões de pessoas para ajudarem nas suas escolhas pessoais”.

A pesquisadora comparou a questão a uma disputa de cabo de guerra entre o mercado e a saúde, “cada um puxando o álcool para o seu lado”. Do ponto de vista do mercado, por exemplo, apesar de o Brasil ser o terceiro maior produtor de cerveja do mundo, está em 24º lugar no consumo, “ou seja, para eles o mercado é grande, mas ainda pode crescer muito, e para expandir gasta bilhões em publicidade, e eventos culturais e esportivos”.

Para ela, é preciso desmistificar a noção que o mercado procura naturalizar de que “todo mundo bebe, dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2014 revelam que 70% da população mundial não tinha consumido bebidas alcoólicas nos 12 meses anteriores à pesquisa”. Ainda assim, a OMS também mostra que 3,3 milhões de pessoas morrem por ano em consequência do uso do álcool, o que representa 6% das mortes no mundo. “O consumo de álcool está associado a uma infinidade de agravos em saúde, que vai desde doenças cardiovasculares, câncer, até aquelas mais diretamente relacionadas como a cirrose”, disse a pesquisadora, ressaltando ainda que o papel do álcool em acidentes e casos de violência e em mortes prematuras.

Álcool no Brasil

O professor Pedro Gabriel falou sobre Políticas Sobre o Álcool no Brasil, refletindo sobre a viabilidade de uma política de saúde pública para enfrentar o consumo prejudicial da bebida. Ele fez uma comparação entre as políticas relativas ao álcool e ao tabaco, “outra droga consumida milenarmente pela humanidade, e que teve políticas públicas exitosas no Brasil e no mundo, diminuiu o consumo e mudou a consciência da sociedade sobre os danos do hábito de fumar”. Em relação ao consumo do álcool, ele pondera que “estamos no terreno de um hábito muito arraigado, do qual a sociedade não deseja abrir mão, as intervenções têm que levar isso em conta”.

Delgado lembrou: as estatísticas mostram que, em alguns países onde o consumo do álcool per capta é maior que no Brasil, não há "os problemas relacionados ao consumo da bebida que temos aqui; então, trata-se da maneira de se organizar o enfrentamento dos riscos do consumo para a saúde”. De acordo com o pesquisador, é necessária uma base de consenso na sociedade para isso, “entre a visão que a indústria tem do consumidor, como um campo a ser explorado, e a da saúde pública, que identifica uma proporção muito grande dos que fazem uso nocivo e problemático do álcool”.

Afirmando que metade da população brasileira não bebe, o professor diz que “isso é de certa forma positivo, porque os esforços de prevenção, promoção e tratamento não precisam ser direcionados há um universo tão grande, entretanto 25% da outra metade tem problemas com a bebida”. Ele menciona o Decreto nº 6.117/2007, que aprova uma política nacional sobre o álcool, elaborado com a participação de diversos segmentos, incluindo a indústria, “que teve eficácia em alguns pontos e em outros não, como a questão da disponibilidade absoluta de acesso à bebida que existe no Brasil, a densidade de pontos de venda é inacreditável, isso seria possível regulamentar, assim como as restrições de horário para venda”.

Em relação ao beber e dirigir, ele registra o avanço da criação da Lei Seca em 2009: “houve uma redução significativa de mortes por acidentes de trânsito; o Ministério da Saúde identificou uma redução de 8% de 2009 a 2011 em todo país e de 11,8% nas capitais”. Delgado aponta, no entanto, a necessidade de uma ação mais eficaz “na atenção primária, em relação a identificação e intervenção precoce do abuso no consumo”. Ele falou ainda do papel da indústria de bebidas, que, “ao ser chamada a participar das discussões sobre o álcool, imediatamente, ofereceu patrocínio, por exemplo, para a campanha do ‘motorista amigo’, que é interessante, mas não toca o problema”.

Álcool nas Américas

Representante da Opas, Maristela Monteiro abordou o tema Políticas sobre Álcool nas Américas, e apresentou dados da OMS que indicam que a média do consumo de álcool entre a população com mais de 15 anos na região é a segunda maior do mundo depois da Europa. Ela mostrou que o quadro do consumo entre adolescentes é preocupante, “uma pesquisa com estudantes entre 13 e 15 anos de idade mostrou que a grande maioria começou a beber antes dos 14 anos; as evidências científicas indicam que o efeito do consumo de pequenas quantidades de álcool afeta o desenvolvimento cerebral e quanto mais jovem se dá o início do consumo, maior o risco de se tornar dependente”.

Ao falar de políticas públicas, Maristela afirmou que “elas não devem ser baseadas só nas pessoas que são dependentes, eles são a minoria entre as pessoas que tem problemas com álcool; nos EUA, as estatísticas mostram que, entre dez pessoas que manifestam esses problemas, nove não são dependentes”. Ela explica que a política de álcool definida pela OMS em 2010 inclui dez áreas de atuação, “e a medida que limita da disponibilidade de álcool é a mais efetiva, como a limitação de horários e locais de venda a certas áreas e horários, com restrições para o marketing, além do valor cobrado: quanto mais barato, mais se consome”.

O controle do marketing também é fundamental, incluindo não só a propaganda nos meios de comunicação, mas também as atividades sociais e culturais usadas para a divulgação da indústria de bebidas. Mostrando peças publicitárias de bebidas alcoólicas de diversos países da América Latina, Maristela alertou para a tendência ao direcionamento à juventude, “quanto maior a exposição dos jovens ao marketing o início do consumo é mais precoce, o uso excessivo é maior”, disse.

Ela afirmou que há muitas barreiras para a mudança, “os interesses comerciais, o tamanho dessa indústria, uma cultura milenar, e as autoridades sanitárias tem pouca capacidade de regular, as leis podem até existir, mas ficam só no papel”. Segundo ela, as indústrias de bebidas financiam diversos grupos de pesquisa, “que dão resultados que estão de acordo com os interesses da indústria, são parciais, é ilusão achar que se pode trabalhar junta com a indústria, a OMS não colabora com a indústria”. Maristela concluiu apresentando a relação do álcool os Objetivos para o Desenvolvimento Sustentável defendidos pela ONU: “muitas vezes não se associa a produção de bebidas com a questão ambiental, mas, por exemplo, para produzir um litro de vinho são necessários 870 litros de água potável, um copo de cerveja necessita 74 litros”.

Voltar ao topo Voltar