Mpox: cientistas avançam no entendimento do vírus

Publicado em
Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)
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Pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) acabam de apresentar mais uma importante contribuição para a ciência mundial: de forma pioneira, avançaram na compreensão do processo de infecção e replicação do vírus mpox (MPXV), que vem ampliando sua presença global desde 2022.

Anteriormente conhecida como varíola dos macacos, e renomeada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) para superar o estigma associado à doença, a mpox é caracterizada por lesões na pele (como manchas vermelhas, pequenas feridas ou bolhas), geralmente concentradas no rosto, palmas das mãos e solas dos pés. Estas lesões também podem se manifestar na boca, olhos, órgãos genitais e ânus.

A OMS reconheceu duas emergências internacionais de saúde pública associadas ao patógeno recentemente: a primeira entre julho de 2022 e maio de 2023 e a segunda a partir de agosto de 2024.  

Um dos países mais afetados pelo agravo, o Brasil contabilizou mais de 13 mil casos desde 2022, sendo cerca de 2 mil em 2024 e aproximadamente cem em 2025. Dezesseis mortes foram confirmadas no país.

Através de registros de microscopia e modelagem tridimensional, o estudo publicado na revista científica Journal of Medical Virology detalha o passo a passo da infecção viral em células de mamíferos, contribuindo para compreender o que ocorre no corpo humano.

O estudo obteve as primeiras imagens do processo de entrada do mpox nas células. Também apresenta um modelo em animação 3D inédito que mostra as estruturas da ‘fábrica viral’, que se estabelece no interior celular para replicação do vírus. Além disso, revela imagens da liberação de partículas virais.

Imagem de microscopia eletrônica de transmissão mostra partículas virais na periferida célula. Uma partícula aparece em processo de extrusão, dentro de vesícula de exocitose.
Imagem de microscopia eletrônica de transmissão mostra partículas virais na periferida célula. Uma partícula aparece em processo de extrusão, dentro de vesícula de exocitose. Imagem: Barreto-Vieira e colaboradores, 2025.


À frente do trabalho, a chefe do Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral do IOC/Fiocruz, Debora Ferreira Barreto‐Vieira, ressalta que o estudo preenche lacunas na literatura científica.

“O mpox foi isolado a partir de macacos na década de 1950 e de seres humanos, nos anos 1970. Apesar de todo esse tempo, quando foi declarada a primeira emergência de saúde pública, em 2022, havia poucos dados publicados sobre o ciclo replicativo do vírus. Nossas descobertas expandem o conhecimento no campo da virologia e podem auxiliar no desenvolvimento de terapias antivirais e medidas de prevenção contra infecções”, afirma Débora.

O trabalho foi realizado pelo Laboratório de Morfologia e Morfogênese Viral do IOC em parceria com o Núcleo de Laboratórios de Microscopia do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Nulam/Inmetro), liderado pelo pesquisador Bráulio Soares Archanjo.

Passo a passo da infecção 

Para a pesquisa, os cientistas infectaram células Vero, que são oriundas de rim de macaco e muito usadas em estudos de virologia, com uma cepa do vírus mpox isolada a partir de amostra de um paciente do Rio de Janeiro em 2022.

A amostra foi cedida pelo Laboratório de Vírus Respiratórios, Exantemáticos, Enterovírus e Emergências do IOC, que atua como referência para diagnóstico junto ao Ministério da Saúde.

O estudo identificou que a entrada do mpox nas células ocorre através do processo de endocitose, no qual a membrana celular envolve a partícula viral, formando uma vesícula, que é internalizada.

Em seguida, o vírus alcança a região do citoplasma, onde mobiliza estruturas celulares para sua replicação, criando uma ‘fábrica viral’ perto do núcleo da célula.

A partir de aproximadamente 1,2 mil imagens capturadas com a técnica de microscopia eletrônica de varredura por feixe de íons focalizados (FIB), os cientistas produziram um modelo tridimensional dessa estrutura.

O trabalho mostrou que a replicação do vírus ocorre numa área da célula cercada por mitocôndrias (estruturas responsáveis pela produção de energia) e por cisternas do retículo endoplasmático rugoso (organela que sintetiza e modifica proteínas). Nessa área, são observadas numerosas vesículas vazias e partículas virais em diferentes estágios de formação.

Imagem de microscopia eletrônica de varredura mostra partículas virais aderidas a um filamento do citoesqueleto.
Imagem de microscopia eletrônica de varredura mostra partículas virais aderidas a um filamento do citoesqueleto. Imagem: Barreto-Vieira e colaboradores, 2025.

 

Outro achado relevante foi o registro de imagens que mostram a adesão de partículas virais a filamentos do citoesqueleto, que são fibras proteicas responsáveis pela estrutura das células. Estes filamentos impulsionam o transporte dos vírus recém-formados no interior da célula, facilitando sua liberação para o meio exterior.

O processo já tinha sido identificado por microscopia eletrônica de transmissão em estudos anteriores e foi documentado em detalhes através da microscopia eletrônica de varredura.  

Um dos registros desse processo, com colorido artístico, conquistou o segundo lugar no Prêmio de Fotografia – Ciência e Arte, promovido pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A pesquisa revelou ainda que o mpox deixa a célula através do processo de exocitose, no qual vesículas que contêm partículas virais se fundem com a membrana celular, fazendo com que os vírus sejam liberados enquanto a célula se mantém íntegra.

A infecção causa diversos danos às células, levando à morte celular em alguns dias, conforme documentado no estudo e em pesquisa anterior do Instituto.  

Mpox 

O vírus mpox pertence ao gênero Orthopoxvirus, da família Poxviridae, que também compreende os patógenos responsáveis pelas varíolas humana e bovina, além do vírus vaccinia, utilizado na produção da vacina que erradicou a varíola humana.  

O patógeno se tornou motivo de emergência internacional de saúde pública pela segunda vez em agosto do ano passado.  

O cenário de emergência, que permanece até o momento, foi declarado pela OMS, devido ao surto na República Democrática do Congo e países vizinhos causado por uma linhagem potencialmente mais agressiva do mpox, chamada de clado 1b.  

A primeira declaração de emergência associada ao vírus ocorreu em julho de 2022, quando outra linhagem viral, conhecida como clado 2, se espalhou para mais de cem países. Esta emergência foi encerrada em maio de 2023, considerando a redução de casos da doença, embora o vírus continue circulando em baixos níveis.

De acordo com a OMS, de janeiro de 2022 a dezembro de 2024, foram confirmados 124 mil casos e 272 mortes pela doença em 128 países.

Além das lesões na pele, os principais sintomas da doença são inchaço dos gânglios linfáticos (íngua), febre, fraqueza, dores de cabeça e no corpo.  

O Ministério da Saúde orienta as pessoas com sintomas suspeitos da infecção a procurar uma unidade de saúde para avaliação. O tratamento busca aliviar os sintomas, uma vez que ainda não há medicamento antiviral disponível.

Embora a maioria dos casos de mpox seja leve ou moderada, alguns indivíduos têm maior risco de desenvolver formas graves. A vacinação é indicada como prevenção para pessoas vivendo com HIV e profissionais que trabalham diretamente com Orthopoxvirus em laboratórios.  

A imunização também pode ser indicada para pessoas que tiveram contato com secreções ou fluidos de pacientes com suspeita ou diagnóstico confirmado de mpox, conforme avaliação da equipe de vigilância local.