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07/06/2020

Covid-19: pesquisador da Fiocruz participa de evento da ABC sobre modelos computacionais

Gustavo Mendelsohn de Carvalho (Agência Fiocruz de Notícias)


Academia Brasileira de Ciências (ABC) tem realizado a série de seminários virtuais (webinários) intitulada O Mundo a Partir do Coronavírus. A nona edição (2/6) foi dedicada ao tema Modelos Computacionais e Isolamento Social, com ênfase no monitoramento da pandemia. Entre os convidados para a discussão, mediada pelo presidente da ABC, Luiz Davidovich, estava o físico Marcelo Gomes, pesquisador do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz) e integrante do Mave: Grupo de Métodos Analíticos em Vigilância Epidemiológica (Procc/Fiocruz e EMAp/FGV). Os outros debatedores foram os médicos Cesar Victora, professor emérito de epidemiologia da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), e Claudio Struchiner, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Assista ao vídeo do webinário

Análise de dados

Em sua apresentação, Marcelo Gomes abordou particularidades dos dados de notificação de caso e potenciais dificuldades no seu uso para modelos e projeções. A partir de dados de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) no Brasil, o pesquisador buscou avaliar o que está ocorrendo hoje na pandemia em comparação com surtos anteriores.

Gomes apresentou os bancos de dados utilizados na pesquisa do Mave: o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (imagem: Divulgação)

 

Gomes apresentou os bancos de dados utilizados na pesquisa do Mave: o Sistema de Informação da Vigilância Epidemiológica da Gripe (Sivep-gripe), para notificação de SRAG, incluindo casos graves de Covid-19; o e-SUS VE, que também casos não hospitalares; além de planilhas das secretarias estaduais e municipais, que consolidam localmente essas informações. Ele ressaltou que no e-SUS VE são inseridas informações por diversos agentes nos serviços de saúde. “Isso faz com que ele contenha uma multiplicação de casos relacionados ao mesmo indivíduo, o que é um problema seríssimo no tocante à gestão da informação e análise de situação”, explicou. Ele indicou também o Painel Coronavírus, plataforma do governo federal que busca apresentar os dados dessas diversas fontes.

O pesquisador se deteve na explicação da utilização de dados sobre casos de SRAG, que são de notificação obrigatória, a partir de critérios sintomáticos (vigilância sindrômica). São casos em que ocorrem simultaneamente febre, tosse ou dor de garganta, algum sinal de dificuldade respiratória, e que tenham levado a hospitalização ou óbito com esses sintomas, sem outra causa direta associada. De acordo com o Sivep-gripe, os casos com esses sintomas, até a semana epidemiológica 21 deste ano (25/5), somaram 96.4 mil registros, “para se ter uma ideia, em termos de ordem de grandeza, em todo ano de 2009, quando tivemos o surto de influenza A H1N1, foram 90,4 mil casos registrados”, assinalou Gomes.

Ele apontou que, para a análise dos gráficos disponibilizados no sistema, é preciso levar em conta que uma aparente queda de casos notificados “se deve ao que chamamos de oportunidade de digitação, ou seja, o tempo que leva entre a ocorrência do evento e quando ele é efetivamente inserido no banco de dados, que é em torno de 10 dias, o que traz impacto direto na capacidade de se fazer estimativas”. Segundo Gomes, a análise de dados do sistema mostra que, nas diversas regiões do país, ainda estamos em fase de ascensão da pandemia.

Pesquisa epidemiológica

A base do relato de Cesar Victora foi a experiência da pesquisa realizada pela UFPel em parceria com diversas universidades e instituições (Epicovid19), que, nos dois últimos meses, realizou centenas testes sorológicos e inquéritos populacionais no âmbito da pandemia. A pesquisa envolveu coleta de dados nos domicílios de amostras representativas, inicialmente no RS e posteriormente ampliada para outros estados, visando determinar a presença de anticorpos contra o vírus Sars-CoV-2, que causa a Covid-19. 

A base do relato de Cesar Victora foi a experiência da pesquisa realizada pela UFPel em parceria com diversas universidades e instituições (Epicovid19) (imagem: Divulgação)

 

Além dos inquéritos domiciliares, para coleta de amostras foram utilizados testes rápidos de alta qualidade, fornecidos pelo MS, com o objetivo de saber o número de infectados (incluindo assintomáticos), como evolui a pandemia, quais as regiões mais afetadas, a frequência de transmissão intrafamiliar e a taxa de letalidade. Foram pesquisadas 133 cidades de 26 estados e mais o Distrito Federal, atingido em média 250 pessoas em cada uma delas. O levantamento, envolvendo cerca de 2 mil entrevistadores, foi planejado em três etapas a primeira já concluída (14 a 21/5), as duas outras serão concluídas até o final de junho.

Victora disse que foi surpreendido pela reação à pesquisa em algumas cidades, ao contrário da expectativa da equipe de uma boa acolhida, “encontramos forte resistência de médicos e secretarias locais de saúde e até da polícia, apesar do patrocínio do MS, em 20 municípios os entrevistadores foram presos e em 10 a polícia destruiu nossos testes”. Mesmo assim, conseguiram completar a pesquisa em 90 localidades e em outras 43 obtiveram dados parciais.

Até o momento, a pesquisa revelou que das 15 cidades com maior prevalência de pessoas com anticorpos (que já foram infectadas pelo Covid-19), 11 estão na região Norte, duas no Nordeste e 2 no Sudeste. Os resultados revelaram que a cidade de Breves, na ilha de Marajó (PA), “é a de maior prevalência no mundo (25%), em estudos de base populacional, e chama atenção que as seis cidades com a maior proporção de infectados estão ao longo do rio Amazonas, o que indica algo muito peculiar nessa epidemia, que tem características que dificultam a previsibilidade de sua evolução”, enfatizou o médico.

Modelos quantitativos

Claudio Struchiner mostrou a utilização de modelos quantitativos para a formulação de estratégias de controle, através da reconstrução da sequência temporal dos principais eventos no espalhamento da epidemia. Ele abordou também estruturas de modelos quantitativos úteis para avaliar adoção de medidas de isolamento mais brandas.

O médico apresentou um panorama de modelagem em tempo real, “que tem uma característica espacial, que é a de tentar responder perguntas que vão surgindo a cada instante, e permite analisar o que é visto pelo sistema de saúde e a situação real”, explicou. Utilizando um gráfico que retrata a situação inicial da pandemia na China, Struchiner mostrou que o modelo utilizado permitiu identificar a queda de casos após serem tomadas as primeiras medidas de distanciamento social.

Claudio Struchiner mostrou a utilização de modelos quantitativos para a formulação de estratégias de controle, através da reconstrução da sequência temporal dos principais eventos no espalhamento da epidemia (imagem: Divulgação)

 

Segundo ele, a utilização desse modelo gerou uma série de questões para tomada de atitude, “a primeira ideia foi a de que o novo vírus havia encontrado uma forma sustentável de se transmitir na população, depois foi a determinação do número básico de reprodução da doença (R0), da contagiosidade da doença, e mostrou que após a imposição de restrições, junto com a testagem e rastreamento, houve uma queda de 2,35 para 1,05 desse índice”. Aquela modelagem inicial permitiu avaliar a probabilidade de surgimento de novos casos em outros países, além de levantar indagações, “algumas ainda sem respostas definitivas, como o grau de letalidade, a proporção de casos assintomáticos, o início do período infeccioso, o papel das com dições climáticas na propagação”, apontou Struchiner.

Após apresentar algumas das estratégias adotadas e modelagens desenvolvidas posteriormente para análise de resultados em diferentes países, o médico apresentou dados atuais sobre a evolução da pandemia no Brasil e no mundo. “Nas projeções sobre o que vai acontecer no futuro próximo, todos os modelos parecem convergir para a interpretação de que o afrouxamento das medidas de distanciamento social faz com a transmissão esteja sujeita a repiques sazonais”, afirmou. Struchiner relacionou finalmente medidas que considera necessárias para planejar a saída paulatina da estratégia de distanciamento, tais como: combinação de testagem, rastreamento e quarentena; acionamento intermitente do isolamento de acordo com o nível de saturamento da estrutura hospitalar; rodízio no trabalho presencial e outras que vêm sendo adotadas em países com a curva de transmissão em queda.

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