25/05/2021
Fernanda Marques (Fiocruz Brasília)
Usados nos cuidados e serviços de saúde, em emergências sanitárias e na garantia da segurança das pessoas, existem hoje no mercado mundial mais de dois milhões de diferentes tipos de dispositivos médicos. Para que se possa confiar em produtos tão diversos e, por vezes, complexos, a vigilância sanitária de dispositivos médicos – chamada tecnovigilância – é um campo de atuação especializado. E os profissionais que atuam nesse campo já podem contar com um novo instrumento de trabalho: a edição revista e ampliada do Manual de Tecnovigilância: uma abordagem sob a ótica da Vigilância Sanitária, lançada agora em maio pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), em parceria com a Fiocruz Brasília.
O novo Manual é um dos muitos produtos desenvolvidos no âmbito de um Termo de Execução Descentralizada (TED) firmado em 2016 entre a Anvisa e a Fiocruz Brasília, com a coordenação técnico-científica da pesquisadora da Fiocruz Brasília Flávia Elias. A Fundação foi responsável pela organização, planejamento, definição de conteúdo, indicação de autores e revisão técnica. A primeira edição do Manual, publicada em 2010, foi inovadora por reunir em único instrumento conceitos técnicos e as melhores práticas em tecnovigilância. A nova edição atualiza esse cenário com conhecimentos e debates acerca da acelerada evolução tecnológica observada nos últimos anos, que trouxe impactos significativos para o campo da vigilância de dispositivos médicos.
“A organização do novo Manual começou em 2018 e envolveu cerca de 50 autores, resultando em uma publicação com mais de 30 capítulos e quase 1.500 páginas”, conta Flavia. Os capítulos da obra estão divididos em sete unidades, que abordam os mais variados aspectos da tecnovigilância, fornecendo um panorama abrangente e atualizado do campo. Saiba mais sobre o conteúdo de cada unidade.
Sistema Nacional de Vigilância Sanitária
A tecnovigilância conta com numerosas normas técnicas e jurídicas, grande parte delas apresentada na Unidade 1 do Manual, intitulada O Sistema Nacional de Vigilância Sanitária. A primeira Unidade aborda também o longo processo histórico em que se conformou um arranjo destinado ao controle sanitário de determinados produtos, serviços e ambientes, o chamado Sistema Nacional de Vigilância Sanitária, bem como um importante marco desse processo, a criação da Anvisa. Ainda na Unidade 1, são relembrados alguns episódios históricos em que dispositivos médicos causaram danos à saúde, e como isso foi importante para estruturar e aperfeiçoar a tecnovigilância, responsável por detectar, gerar medidas corretivas e prevenir eventos adversos associados ao uso desses produtos.
Tecnovigilância como prática de saúde pública
A Unidade 2 do Manual começa com uma abordagem da tecnovigilância no cenário internacional, descrevendo os sistemas de vigilância de dispositivos médicos, após sua comercialização, em 12 diferentes países. A Unidade aborda também a institucionalização da tecnovigilância no Brasil e as transformações ocorridas em seu fluxo de trabalho e em sua estrutura organizacional, com avanços significativos e desafios, como a capacitação profissional e a descentralização das ações. A Unidade apresenta, então, as experiências da tecnovigilância na Bahia e no Rio de Janeiro. Apresenta, ainda, um dos mais importantes instrumentos de gestão para a tecnovigilância, o Notivisa, um sistema informatizado e estruturado para receber as notificações de eventos adversos e queixas técnicas associados a produtos sob vigilância sanitária, incluindo os dispositivos médicos. A Unidade 2 termina com uma discussão sobre as ações de campo realizadas quando algum problema é detectado com um dispositivo médico já existente no mercado, com vistas a reduzir os riscos para os pacientes.
Processos relevantes para tecnovigilância
A regularização de dispositivos médicos no contexto nacional e internacional e boas práticas de fabricação são alguns dos temas apresentados na Unidade 3, que discute também a certificação – para o consumidor, esse processo se torna visível na embalagem, onde determinados selos atestam que aquele produto está em conformidade com as normas da vigilância. A certificação de equipamentos eletromédicos tem um destaque, assim como todo o processamento de dispositivos médicos até que estejam prontos para uso seguro pelo paciente, o que inclui várias etapas, como limpeza, manutenção, armazenamento, transporte e distribuição, entre outras. Por fim, a Unidade coloca em debate o rito fiscal, que compreende um procedimento administrativo para a investigação de uma infração sanitária.
Tecnovigilância como estratégia para segurança do paciente
A Unidade 4 destaca o papel da Anvisa, em conjunto com as Vigilâncias Sanitárias Estaduais, Municipais e Distrital, no reforço à adoção das boas práticas para a segurança do paciente e a qualidade em serviços de saúde, colocando o interesse da população no centro da agenda da saúde. Apresenta a experiência inovadora da Agência com o projeto Hospitais Sentinela, que proporcionou as bases de notificação de eventos pós-comercialização abrangendo todo o espectro de tecnologias para a saúde. As experiências em ações de tecnologia do Instituto Nacional de Câncer (Inca) e do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo também são destaques na Unidade. Considerando que gestores necessitam equacionar benefícios e riscos das tecnologias em saúde, um capítulo propõe uma metodologia para a tomada de decisão sobre a aquisição e a incorporação de dispositivos médicos, com base em evidências técnico-científicas. Em outro capítulo, o gestor encontra subsídios para elaborar e implementar um plano de ações para o uso adequado e seguro de equipamentos e recursos tecnológicos, da aquisição ao descarte. Completam a Unidade discussões específicas sobre a segurança de conectores utilizados em dispositivos médicos; a importância da usabilidade desde o desenvolvimento até a avaliação de produtos em saúde; e o registro de eventos adversos associados a tecnologias em cirurgia ortopédica, como próteses de quadril.
Tecnovigilância nas empresas
Os produtos de saúde estão em constante evolução e são cada vez mais complexos, e sua qualidade está diretamente ligada à segurança do paciente. Monitorar eventos adversos associados a esses produtos é uma preocupação de autoridades regulatórias, indústrias e instituições de saúde de todo o mundo, de modo a minimizar os riscos. Apesar dos esforços e de uma tendência de harmonização das diretrizes em âmbito global, a subnotificação dos eventos adversos persiste como um grande problema, conforme sinaliza o primeiro capítulo da Unidade 5. Ela traz, ainda, uma contextualização do gerenciamento de risco como aspecto regulatório, incluindo a tecnovigilância. O terceiro e último capítulo, por sua vez, argumenta que monitorar um produto de saúde após sua comercialização vai além da resposta a eventuais queixas e eventos adversos, e engloba também a busca ativa de informações que comprovem o valor daquele produto. Nesse sentido, o capítulo oferece como contribuição um modelo para essa monitorização.
Produtos implantáveis
Os campos da ortopedia e traumatologia e da cardiologia estão em destaque na Unidade 6. Um dos capítulos aborda a vigilância pré-mercado e pós-comercialização de implantes utilizados em ortopedia e traumatologia, como as próteses de quadril, joelho e ombro, os espaçadores intervertebrais, os sistemas de fixação vertebral e as placas de osteossíntese. O outro capítulo trata dos dispositivos cardíacos eletrônicos implantáveis, sobretudo marca-passos e cardioversores, suas características, indicações clínicas, cuidados aos pacientes e estratégias de tecnovigilância.
Produtos inovadores
Não basta ser novo, original e lucrativo: tem que ser comprovadamente seguro e eficaz, e há que se discutir também a questão do acesso. A inovação no setor de dispositivos médicos e suas especificidades são analisadas no primeiro capítulo da Unidade 7, com foco na regulação. Temas bastante atuais estão presentes nesta Unidade, como o desenvolvimento de dispositivos médicos personalizados e a cibersegurança, considerando o caso de dispositivos conectados à internet e seus impactos para a segurança dos pacientes, entre outros fatores.
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Além da organização e revisão técnica da Fiocruz Brasília, dois pesquisadores da unidade, Claudio Maierovitch e Mariana Pastorello Verotti, do Núcleo de Epidemiologia e Vigilância em Saúde (NEVS), também assinam um dos capítulos da obra, intitulado “Segurança sanitária de produtos para saúde”. Entre os autores dos capítulos, estão ainda duas pesquisadoras de outras unidades da Fiocruz: Michele Feitoza, da Fiocruz Pernambuco, e Patrícia Nobre, do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), que assinam o capítulo “O rito sanitário da coleta e análise fiscal: dos aspectos legais à realidade brasileira”.