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09/12/2021

Projeto que reforça vigilância à resistência antimicrobiana terá financiamento do CDC

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias) 


Um projeto resultado de uma parceria entre Ministério da Saúde, Fiocruz, Lacen-PR e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) foi um dos selecionados pelos Centros para Controle de Doenças e Prevenção (CDC) dos Estados Unidos para financiamento, como parte da criação de duas redes globais que visam combater a resistência antimicrobiana. Tendo como principal investigadora a chefe do Laboratório de Pesquisa em Infecção Hospitalar (LAPIH) do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Ana Paula Assef, o programa Fortalecimento do Sistema de Vigilância Brasileiro à Resistência Antimicrobiana visa reforçar a detecção de bactérias e fungos (Candida) multirresistentes nos hospitais, capacitar profissionais e permitir respostas mais certeiras e rápidas dos profissionais de saúde.

As amostras de bactérias e fungos multirresistentes de pacientes escolhidas são enviadas para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), depois para os cinco Lacen de referência regional e por fim o LAPIH e o Lacen Paraná, que coordenam o projeto

 

“As bactérias estão cada vez mais resistentes aos antibióticos e precisamos ver o que acontece de verdade dentro dos hospitais brasileiros”, conta Ana Paula. “Esse projeto vai desde a melhoria do diagnóstico nos hospitais até um conhecimento mais aprofundado das bactérias com o sequenciamento do seu genoma total”.

Com um financiamento anual de cerca de US$ 800 mil (cerca de R$ 4,8 milhões) do CDC, o projeto será avaliado a cada ano, podendo se estender até 2026. O Ministério da Saúde entrará ainda com uma contrapartida, com insumos e apoio logístico. A iniciativa atuará em duas frentes: uma para a resistência antimicrobiana a bactérias e outra para fungos (Candida).

O projeto parte de uma iniciativa anterior do Ministério da Saúde, o BR-GLASS, que iniciou o projeto piloto no Paraná. Cinco hospitais-sentinela na Região Sul monitoram casos e enviam dados para o GLASS, uma plataforma de vigilância mundial. Com o novo projeto, a esses cinco hospitais se somam mais dez distribuídos pelas cinco regiões do país. “A ideia é a cada ano agregar mais hospitais de forma a cobrir todo o território nacional”, conta Ana Paula.

Aplicativo para prescrição de antimicrobianos 

As amostras de bactérias e fungos multirresistentes de pacientes escolhidas são enviadas para os Laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen), depois para os cinco Lacen de referência regional e por fim o LAPIH e o Lacen Paraná, que coordenam o projeto. Os dados serão lançados no BR-GLASS para que possa ser feito um acompanhamento em tempo real, com envios de alertas aos hospitais quando surtos são detectados. 

Os laboratórios dos hospitais receberão testes rápidos para detecção de carbapenemases, enzimas que tornam a bactéria resistente à maior parte dos antibióticos. “É fundamental saber se essas bactérias que estão causando as infecções produzem carbapenemases, se a resistência aos antibióticos é por causa destas enzimas e qual é a enzima. Esse teste permite detectar cinco carbapenemases diferentes”, contou a pesquisadora.  

A partir do teste, o médico pode ver qual antibiótico funciona ou não, evitando o que Ana Paula chama de “pressão seletiva”, que leva bactérias a aumentarem sua resistência. Os resultados também permitirão controlar a disseminação das bactérias no hospital.  

A prescrição médica contará com mais um auxílio: um aplicativo de celular – o Smart CDSS –, no qual o médico descreve os dados do paciente e o tipo de infecção. Baseado no perfil de resistência daquele local, o programa desenvolvido previamente pelo Lacen-PR e PUC-PR, com recursos da Fundação Bill & Melinda Gates e do Ministério da Saúde, indicará o medicamento adequado. "Desenvolvemos um algoritmo, que usa os dados do próprio hospital para calcular qual a melhor droga a ser prescrita para aquele paciente específico. É a prescrição empírica, baseada em evidências locais e atualizadas", conta Marcelo Pillonetto, pesquisador do Lacen-PR e da PUC-PR, que idealizou o projeto do aplicativo e que coordena as atividades laboratoriais do projeto com o CDC. 

Uma base de dados brasileira 

Algumas das amostras selecionadas dos hospitais sentinela seguirão para os Lacen regionais para outros testes moleculares, visando detectar genes de resistência. Depois será feito o sequenciamento do genoma total dessas amostras nos laboratórios de referência: o LAPIH e o Lacen Paraná, que coordenam o projeto. Isso permitirá conhecer mais profundamente quais as bactérias multirresistentes no país, se existe algum clone específico e os mecanismos de resistência que estão se espalhando, bem como detectar novos genes de resistência. 

“Nós sempre seguimos o manual americano ou o europeu, baseados no perfil das bactérias que eles testam. Precisamos conhecer o que acontece no Brasil para ver se aqueles resultados cabem. Queremos estabelecer nossa base de dados e o nosso manual”, explicou Ana Paula. 

O mesmo processo será empregado em relação aos fungos. Alguns laboratórios não conseguem detectar certas Candida spp. que são importantes nas infecções hospitalares. O projeto deverá fortalecer a detecção de Candida auris, por exemplo, que é extremamente resistente aos antifúngicos. 

Encontro de pandemias 

No início da pandemia, a OMS alertou para a possibilidade de aumento da resistência antimicrobiana - também considerada uma pandemia. E, de fato, um estudo da Fiocruz mostrou o aumento da infecção hospitalar no ano passado, quando passou de quase mil amostras positivas estudadas em 2019 para aproximadamente 2 mil em 2020

“Os pacientes ficam internados muito tempo, ficam entubados, usam cateter... isso tudo é um prato cheio para as bactérias que estão no hospital causarem uma infecção. Quanto mais tempo internado, maior a chance de adquirir uma infecção hospitalar e usar antibiótico. Isso vai fazendo uma pressão seletiva dentro do hospital. Por isso surgiram várias iniciativas e esse edital do CDC”, explicou Ana Paula. 

Além do financiamento, o CDC vai fazer o acompanhamento dos projetos, trocando ideias e dando sugestões. “Essa parceria é muito interessante, pode ajudar na melhoria da vigilância”, conta Ana Paula. “A cada ano a proposta é ir aumentando, tanto os hospitais quanto os Lacen, de forma que Brasil inteiro seja atendido”. 

Além de Ana Paula Assef, participam do projeto Carla Freitas e Renata Tigulini de Souza Peral (Comitê Gestor de Recursos Laboratoriais – CGLAB, Ministério da Saúde); Hayne Felipe da Silva (Fiotec); Marcelo Pillonetto (Lacen Paraná); Carlos Roberto Veiga Kiffer (LEMC-Unifesp), Arnaldo Lopes Colombo e João Nóbrega de Almeida Júnior (LEMI-Unifesp). 

Redes globais 

Na terça-feira (7/12), o CDC anunciou duas novas redes globais e projetos de pesquisa, conferindo US$ 22 milhões (R$ 123 milhões) a aproximadamente 30 organizações no mundo para combater a resistência antimicrobiana e outras ameaças à saúde: a Rede de Ação Global em Atendimento à Saúde e a Rede Global de Laboratórios e Resposta à Resistência Antimicrobiana – na qual o projeto do qual a Fiocruz participa por meio da Fiotec. 

As duas redes vão abranger mais de 50 países e criarão programas com foco na prevenção de infecções no atendimento à saúde por meio do controle de infecções; vão desenvolver a capacidade laboratorial para detectar organismos resistentes a antimicrobianos no atendimento à saúde, na comunidade e no meio ambiente; e desenvolver maneiras inovadoras de detectar e responder a ameaças como a resistência antimicrobiana e a Covid-19 com mais rapidez. 

A Rede Global de Laboratórios e Resposta à Resistência Antimicrobiana é uma iniciativa colaborativa global liderada pelos CDC dos EUA para aprimorar as capacidades para detectar e responder a ameaças a antimicrobianos resistentes dentro do espectro de Saúde Única (One Health). Este trabalho é financiado pela AR Solutions Initiative do CDC. O CDC é uma agência do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS) dos Estados Unidos.

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