No dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) decretou que vivíamos uma pandemia de Covid-19, doença causada pelo vírus Sars-COV-2, e fazia as primeiras orientações quanto a medidas preventivas e de controle da curva epidêmica. O cenário inicial da pandemia foi marcado por uma série de dúvidas quanto à transmissão, aos sintomas, ao diagnóstico e prevenção e ao tratamento de uma condição que, então, se manifestava como uma doença respiratória aguda. Passados três anos, ainda vivemos sob a marca da pandemia, ainda que bastante distinta daquela de 2020 em termos epidemiológicos, sociais, culturais e políticos.
Em meio ao cenário de incertezas e de ruptura do cotidiano provocado pela Covid-19, profissionais de todas as disciplinas promoveram reflexões tanto sobre a epidemia quanto outros fenômenos e processos que nos cercam, em um esforço simultâneo de buscar compreensões acerca da tragédia vivida e de processar emocionalmente medos, angústias e sofrimentos. No campo da História, diversas iniciativas abordaram múltiplas possibilidades de mobilização do conhecimento histórico para pensar a pandemia como um fenômeno social complexo, ressaltando, entre outras coisas, o peso das desigualdades sociais na experiência coletiva e individual. Nesse âmbito, o Departamento de Pesquisa em História das Ciências e da Saúde (Depes) da Casa de Oswaldo Cruz organizou a série Especial Covid-19: o olhar dos historiadores da Fiocruz, apresentando diferentes perspectivas de análise e vivências pessoais durante a epidemia. A série resultou no livro O Diário da Pandemia (Hucitec, 2020), servindo também ao propósito de documentar as experiências de historiadoras e historiadores.
No momento atual da pandemia, em que os índices de morbimortalidade de Covid-19 sofrem queda estável (sugerindo a proximidade do fim de um estatuto pandêmico formalizado), e as respostas em termos de prevenção e cuidado hospitalar da doença mudaram significativamente, outros esforços reflexivos são possíveis. Apresentamos, portanto, uma nova série especial com outra proposta, centrada na reflexão sobre os impactos da pandemia de Covid-19 em processos e debates relevantes à disciplina histórica. Dialogando com as clássicas categorias do historiador alemão Reinhart Koselleck (2006), se hoje observamos e vivemos novos espaços de experiência para a História após três anos de epidemia, também é possível e necessário pensar em novos horizontes de expectativa para nosso campo.
Nesta série, abordaremos temas que ganharam tons mais intensos através do impacto do vírus, como a aproximação da História às Humanidades Digitais e a conformação metodológica e profissional de um campo dedicado aos desafios disciplinares, éticos e epistêmicos da incorporação tecnológica: a História Digital. De forma similar, discutiremos questões e problemas estruturantes de nossa disciplina que foram profundamente impactados pela existência do vírus e (talvez principalmente) pelas respostas sociais elaboradas a partir de sua circulação. Esse é o caso dos debates sobre o ensino da História, principalmente no âmbito escolar, através da pandemia de Covid-19.
Também estarão em questão as relações de historiadoras e historiadores com o público, tanto nas mediações e associações que estabelecemos com a sociedade quanto nas formas pelas quais produzimos confiança e lutamos contra discursos e narrativas que colocam em xeque o conhecimento e a prática histórica. Nesse sentido, abordaremos tanto os caminhos e os desafios da História Pública, área que tem se fortalecido bastante nos últimos anos, quanto o debate central sobre os negacionismos científicos e revisionismos históricos.
Compõem esta série textos, áudios e vídeos de pesquisadoras e pesquisadores de diferentes regiões do país, o que nos permite leituras a partir de diferentes perspectivas e abordagens. Nas próximas semanas, será possível acompanhar a série especial em duas publicações semanais no site da Casa de Oswaldo Cruz, às segundas e quintas-feiras. Convidamos a todas e todos para refletir sobre os horizontes de nossa disciplina dialogando com nossas experiências e desafios.
Uma boa leitura!
*Luiz Alves Araújo Neto é historiador, doutor em História das Ciências e da Saúde. Coordenador ajunto do Observatório História e Saúde da Casa de Oswaldo Cruz e bolsista de pós-doutorado da Faperj (PDR-10). Atua nas áreas de História da Medicina e da Saúde Pública, Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia, e Saúde Coletiva.
Referências:
KOSELLECK, Reinhart. Futuro Passado: contribuições à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2006.