Nova edição da Radis destaca crise climática e tragédia no RS

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Liseane Morosini (Revista Radis)
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A água invadiu municípios do Rio Grande do Sul, fez das ruas correnteza, inundou e arrastou o que tinha pela frente. Nas imagens divulgadas no Brasil e no mundo, foi possível ver a população atônita diante da destruição. Pessoas e animais foram tragados pelo avanço de rios e afluentes, muitos ficaram ilhados e esperaram pelo socorro incerto. Como a água demorou a descer, era difícil para os moradores dimensionar o que tinham perdido ou restado de suas casas. O nível do Guaíba, que banha a capital Porto Alegre, subiu acima do esperado, ultrapassou os muros de contenção e invadiu bairros da cidade. Dez dias foram estimados para que suas águas baixassem.

Em 13 dias, 414 de 496 municípios registraram algum tipo de estrago, com proporções desiguais, o que levou ao decreto de calamidade pública válido por 180 dias. Houve falta de luz e água, interrupção dos serviços de telefonia e internet, dificultando os resgates e levando à especulação em itens básicos de sobrevivência, como água potável e comida. O cenário era de desesperança, dor e incredulidade frente a mais um evento climático extremo que, desta vez, arrasou a maior parte do Rio Grande do Sul, estado que registrou inúmeros episódios anteriores de cheias. Porém, até então, nenhuma delas havia atingido tantas localidades e afetado de forma tão intensa a vida de tantas pessoas.

A chuva que começou em 26 de abril deixou 48 mil pessoas em abrigos, quase 130 mil desalojados e 291 feridos, além de ter afetado 1 milhão e quatrocentas mil pessoas, segundo balanço da Defesa Civil em 7/5. Até essa data, foram registrados 131 desaparecimentos e 90 vítimas fatais. As buscas continuaram numa corrida contra o tempo. Numa situação sem precedentes, o município de Eldorado do Sul, distante 49 quilômetros de Porto Alegre, foi inundado e, sem ter para onde ir, 2 mil pessoas esperaram por comida e abrigo nas proximidades de uma rodovia, na noite de 6/5, em uma situação de refugiados ambientais.

A chuva deu pouca trégua e dificultou o trabalho de resgate num cenário que lembra a destruição provocada por uma guerra. Resgatar e realocar pessoas, contabilizar prejuízos, buscar mortos e desaparecidos, procurar destroços em casas que ruíram sob o peso da água e da lama foi o que se viu após o desastre no estado. Via de regra, é essa a cartilha que vem sendo seguida em locais arrasados por fenômenos climáticos extremos. 

A catástrofe enfrentada pelos gaúchos, mais uma no cenário nacional, revela, sobretudo, a responsabilidade de gestores públicos para que, em vez de negar o curso da mudança climática e buscar reconstruir locais impactados sem considerar os riscos, implementem políticas públicas de adaptação e mitigação ao clima. 

Nesta edição, Radis preparou um guia para que nossos leitores compreendam os impactos das mudanças climáticas, um problema que pede atenção urgente de todos os níveis do poder público e da sociedade civil. Uma questão que, por sua escala e intensidade, já é considerada uma das maiores ameaças à vida, ao bem-estar e à saúde individual e do planeta e afeta, sobretudo, as populações mais vulnerabilizadas.

A meta para conter o aquecimento global

As chuvas extremas no Sul do Brasil espelham o futuro do que vai acontecer em todo o país caso nada seja feito. “É mais do que previsto que vai aumentar a taxa de chuvas e de eventos climáticos extremos. Precisamos estruturar políticas públicas”, disse à Radis o pesquisador Paulo Artaxo, que defende que a sobrevivência da vida humana vai depender das medidas que serão tomadas para reduzir as mudanças no clima.

Paulo Artaxo é físico, climatologista e membro titular da Academia Brasileira de Ciências (ABC), professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) e integrante do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), que reúne os cientistas mais importantes do mundo para monitorar e assessorar a ciência global frente às mudanças climáticas.

O IPCC produz relatórios com o conhecimento científico sobre mudança climática, impactos, riscos generalizados e possibilidades de mitigação e de adaptação. As informações divulgadas não são as melhores, segundo o cientista. A meta estipulada pelos governos é evitar que as temperaturas fiquem acima de 2° C, mas o sexto e último Relatório de Avaliação do IPCC (AR6), divulgado em março de 2023, mostra que o ritmo e a escala da ação climática proposta pelos países são insuficientes para enfrentar os resultados dessas alterações. 

Sem resultados práticos, as modelagens climáticas apontam para tragédias como a enfrentada pelo Rio Grande do Sul. Se o planeta continuar esquentando no mesmo ritmo, ondas de calor extremo, tempestades, inundações e secas vão ocorrer em um intervalo menor e com mais intensidade. Esses episódios vão se tornar cada vez mais recorrentes e conhecidos, não só dos brasileiros, amplificando ainda mais os riscos para a saúde humana e os ecossistemas.

De acordo com Paulo Artaxo, os estudos climáticos revelam que a precipitação, que é o vapor de água presente na atmosfera, vai aumentar no Sul, trazendo chuvas e inundações, e diminuir na Amazônia e no Nordeste, provocando períodos de grandes secas. Com avanços tímidos e pouco eficazes, a situação será agravada rapidamente, e serão cada vez mais somadas catástrofes, perdas e prejuízos.

A Ciência mostrou que, com o aquecimento global de 1,1°C, já ocorre a elevação do nível do mar e a diminuição da cobertura de gelo no Ártico. Ainda, uma atmosfera um grau mais quente consegue reter em torno de 7 a 9% mais de vapor d’água que uma atmosfera mais fria. Ou seja, chove mais e em menos tempo. Para complicar a situação, há o efeito simultâneo de El Niño e La Niña, fenômenos naturais que alteram a temperatura do Oceano Pacífico e causam muito sol, com seca, ou muita chuva, com inundações, a depender da região afetada. Um pacote completo que leva direto ao caos. 

Continue a leitura da reportagem no site da Radis.

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