31/10/2013
O pesquisador Jesus Ramos, do Centro de Referência Professor Hélio Fraga da Escola Nacional de Saúde Pública (CRPHF/Ensp), descobriu nova espécie de micobactéria não causadora de tuberculose (TB) e a apresentou à comunidade científica nesta sexta-feira, 25/10. A nova espécie isolada no Brasil recebeu o nome de Mycobacterium fragae. Desde 1938, uma nova bactéria não é descrita em nosso país. Segundo Jesus, apesar de não causar TB, muitas vezes os sintomas causados por ela são semelhantes aos da tuberculose. Em entrevista ao Informe Ensp, Jesus Ramos detalhou o seu achado, explicou que o projeto da descrição clínica do caso foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Ensp e que os primeiros resultados serão apresentados em novembro, no 44th Union World Conference on Lung Health, em Paris.
Qual a importância da descrição da nova espécie de micobactéria?
Jesus Ramos: Esta nova espécie foi descrita a partir de um caso de pneumopatia em um paciente no estado do Ceará. A partir dessa descoberta, acreditamos que serão identificados novos casos dessa espécie no Brasil e no mundo. Quanto mais soubermos sobre as micobactérias, mais preciso e rápido será o diagnóstico de casos de micobacterioses. Muitas vezes o diagnóstico de infecções causadas pelas micobactérias não causadoras de tuberculose (MNT) é confundido com o diagnóstico das espécies que causam esta doença.
Outro fator que aumenta a relevância desta descoberta é que desde a publicação do trabalho: Mycobacterium fortuitum, um novo bacilo ácido-resistente patogênico para o homem, publicado pelo pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz, José da Costa Cruz, na Revista Acta Médica, do Rio de Janeiro, em 1938, que nenhuma nova espécie de micobactéria é descrita no Brasil.
Nosso objetivo com esta pesquisa foi seguir uma diretriz institucional para realizarmos um levantamento de informações relacionadas ao acervo de cepas e DNA de micobactérias que possuímos no Laboratório de Referência Nacional em Tuberculose e outras Micobacterioses, no Hélio Fraga.
O que são as micobactérias?
Jesus Ramos: Micobactérias são bactérias do gênero Mycobacterium, que inclui mais de 150 espécies, inclusive a M. tuberculosis, agente causador da tuberculose e a M. leprae, causador da hanseníase. Bactérias como a Mycobacterium fragae estão na classificação de não causadoras de tuberculose (MNT), mesmo assim também elas causam outras importantes infecções para o homem.
A descrição clínica do caso já foi realizada?
Jesus Ramos: Como desdobramento da descrição de Mycobacterium fragae, escrevemos um projeto, já aprovado pelo Comitê de Ética da Ensp, para a descrição clínica da nova espécie. Três cepas de micobactérias de crescimento lento, não cromogênicas, ou seja, que não produzem pigmentos ou matéria corante, foram cultivadas a partir de amostras de escarro provenientes de um paciente do Ceará.
A identificação no nível de espécie não pode ser obtida com a análise de restrição do gene, que é realizado rotineiramente pelo Laboratório de Referência Nacional em Tuberculose, do Hélio Fraga. Porém, a fim de caracterizar essas cepas, foram realizados testes fenotípicos, que diz respeito às características individuais da cepa, e genotípicos, que abordam o conjunto dos fatores hereditários que constituem a cepa. Portanto, dados do paciente do Ceará com manifestações pulmonares foram coletados e obtivemos cura com tratamento de 18 meses.
Toda a descrição clínica do caso e os primeiros resultados serão apresentados em novembro, no 44th Union World Conférence on Lung Health, que será realizado em Paris.
Quem mais participou desta pesquisa, além de você?
Jesus Ramos: A equipe básica foi de pesquisadores do Laboratório de Referência Nacional em Tuberculose e outras Micobacterioses do Centro de Referência Professor Hélio Fraga. Porém também contamos com integrantes do Laboratório Central de Saúde Pública do Ceará (Lacen-CE), do Hospital Carlos Alberto Studart Gomes, também localizado no Ceará, e ainda tivemos a parceria de um importante pesquisador italiano, Enrico Tortoli.
Quais os desafios encontrados para realizar essa pesquisa?
Jesus Ramos: Os desafios foram muitos, pois, infelizmente, algumas agências de fomento não se interessaram pelo projeto. Com isso, tivemos que desenvolver a pesquisa com muita força de vontade e determinação. Contamos com a dedicação dos integrantes do estudo para a sua condução, pois todos sabíamos da sua importância. A colaboração de outros colegas da Fiocruz foi fundamental para superarmos estas dificuldades. Gostaria de ressaltar a colaboração da gerente da Plataforma de Genotipagem - Análises de Fragmentos de DNA, do Programa de Desenvolvimento Tecnológico em Insumos para Saúde (Pdtis/Fiocruz), Aline dos Santos Moreira, e do coordenador do Pdtis/Fiocruz, Win Degrave, que colaboraram conosco de forma muito generosa, disponibilizando insumos e contribuindo na manutenção do sequenciador que possuíamos no nosso Laboratório. Também gostaria de salientar a colaboração da pesquisadora da Universidade Federal de São Paulo, Sylvia Cardoso Leão pelo esclarecimento de dúvidas relacionadas à análise de sequencias, quando comecei a trabalhar com micobactérias.
Como se dará o acesso de outros pesquisadores a esta descoberta para possível realização de novas pesquisas?
Jesus Ramos: A micobactéria ficará disponível para outros pesquisadores. A cepa tipo M. fragae foi depositada na Coleção de Microrganismos de Referência do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) e no Leibniz-Institut DSMZ, da Alemanha. Qualquer pesquisador interessado pode requisitar uma amostra da cepa nessas instituições.