18/01/2017
Um dos destaques da edição n°172 de janeiro de 2017 da revista Radis, disponível on-line, é o próprio Programa Radis, que, ao ser criado em 1982, tinha o desafio de manter vivo o ideário da Reforma Sanitária e os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). “O horizonte ainda era incerto: o país engatinhava para superar mais de duas décadas de ditadura militar e retornar à democracia. A esperança estava depositada na Constituinte, que deveria elaborar uma nova Constituição para o país, e nela se refletiam as disputas entre diferentes setores e grupos políticos da sociedade brasileira. Para o campo da Saúde, era a oportunidade de fazer valer uma utopia que vinha sendo discutida desde os anos 1970 com o Movimento Sanitário e havia tomado corpo na 8ª Conferência Nacional de Saúde, em 1986: a noção de que a saúde é um direito de todos.” Para o presidente da Fiocruz à época, o sanitarista Sergio Arouca, a Reforma Sanitária começava a se implantar de uma forma irreversível no país, “não como algo criado em gabinetes, mas como um projeto nacional, democrático, construído, pensado e executado pelo conjunto da nossa sociedade”, afirmou no primeiro editorial da publicação. Na visão dos jornalistas Álvaro Nascimento, pesquisador aposentado da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), que coordenou o programa de 1992 a 2001, e Rogério Lannes, atual coordenador e integrante da equipe desde 1987, nas origens do Radis estava a defesa do direito à saúde e da democracia. "Mais do que uma iniciativa que ficou registrada no passado e fez parte da história do SUS e da redemocratização brasileira, o Radis tem pela frente, ao completar três décadas e meia de existência, o desafio de dialogar com as diferentes realidades sociais brasileiras e 'trazer os valores do Movimento Sanitário' para situações concretas vividas nos dias de hoje."
Na matéria O nosso lado é o SUS, Rogério fala que o jornalismo crítico praticado pelo Radis não é imparcial porque tem um compromisso com a Constituição de 1988 e a defesa do SUS — e essa continuou sendo a marca da revista Radis, lançada em 2002, com periodicidade mensal, para unificar todas as publicações do programa. “A gente faz um jornalismo que tem um lado: a saúde da população, o SUS, a Reforma Sanitária, os direitos sociais”, enfatiza. Ainda assim, ele destaca que não se trata de assumir partidarismos ou cometer incorreções. O caminho retratado nas páginas da revista e na política editorial do programa é exercitar a escuta, garantindo o pluralismo, mas com atenção especial em relação aos grupos ou segmentos negligenciados: “Sempre ouvindo os usuários, ouvindo os críticos ao sistema e as pessoas que estão tocando o SUS”, reforça. Já Álvaro conta: “Para nós, jornalistas, que nos aproximávamos da Saúde naquele momento, a visão da saúde como resultado dos condicionantes sociais era absolutamente revolucionária.”
“O SUS não é o fim, mas sim o começo da transformação das condições de vida da população brasileira”, definia o sanitarista Sergio Arouca em relação à atuação da Reforma Sanitária na Assembleia Constituinte, que possibilitou a garantia da Saúde como direito de todos e dever do Estado e abriu um campo de lutas para que aquilo que estava na Constituição não fosse esquecido. O Radis foi fruto e parte desse contexto: criado em 1982, a ideia partiu do economista e sanitarista Sérgio Góes de Paula, professor do Departamento de Ciências Sociais da Ensp/Fiocruz e primeiro coordenador do programa. “O propósito inicial era comunicar as discussões sobre temas da Saúde para profissionais da área e alunos que participavam dos cursos da Ensp, mas o Radis acabou se tornando uma 'caixa de ressonância' das reivindicações do campo da saúde”, conta o historiador Otto Santos de Azevedo.
Para Álvaro, as publicações do Radis traziam a novidade de ir a diferentes municípios brasileiros na intenção de ouvir e dar voz aos três setores que estavam envolvidos no processo de municipalização do SUS (usuários, gestores e trabalhadores). “A novidade que nós começamos a trazer era dar voz aos movimentos sociais organizados que se aproximavam do SUS naquele momento”, destacou durante o debate Jornalismo crítico e independente na construção de uma proposta democrática de saúde, promovido como parte das comemorações do aniversário de 62 anos da Ensp/Fiocruz (14/9/16).
Mesmo para aqueles que não viveram o contexto da redemocratização ou testemunharam o que foi a Reforma Sanitária, o SUS é uma conquista que precisa ser defendida. É o que destaca Rogério ao enfatizar que, nos últimos quinze anos, a revista Radis teve a missão de incorporar e atualizar o ideário e os valores do Movimento Sanitário e que balizaram a concepção do SUS. Um dos desafios é a renovação cada vez maior do campo da Saúde: conforme lembra Rogério, na 12ª Conferência Nacional de Saúde, em 2003, pouco depois que a revista foi criada, mais de 90% dos participantes estavam presentes em uma conferência pela primeira vez. “Trazer para a realidade desse novo público os valores do Movimento Sanitário significa menos reafirmar conceitos e mais dar voz às pessoas na sua experiência concreta”, ressalta. “Nos anos 2000, as pessoas estavam convivendo com o sistema público de saúde, e ele devia muito ainda ao que havia sido prometido com a Constituição”, analisa. Enquanto a mídia comercial se preocupa apenas em destacar os defeitos do SUS, a população ainda espera a concretização de muitas promessas, dentre elas a universalidade e a equidade, destaca Rogério. Uma das missões do Radis, segundo ele, é superar a perspectiva de que o serviço de saúde é benesse ou fruto de determinado gestor: em vez disso, é uma construção histórica garantida em lei e que deve ser compreendida como um direito.
Segundo a reportagem, além da garantia do direito à saúde, há, ainda, o desafio em superar o desconhecimento e a negligência em relação a outro direito: o de comunicar. “A comunicação sempre foi um bem privado na sociedade brasileira”, aponta. Segundo Rogério, o esforço constante do Programa Radis é superar as barreiras oriundas da desinformação e de uma postura de apatia que favorece os interesses privados e prejudica as políticas públicas. Entre os temas que estão na agenda da revista, inclui-se a luta contra o monopólio da comunicação e a favor da democratização da mídia — assim como em defesa da comunicação pública, campo no qual o Radis se insere (Radis 170). “Mesmo feita no Estado, a comunicação pública deve manter a independência em relação ao governo”, assinala.
O desafio para o Programa Radis é continuar mobilizando as pessoas dentro de um cenário diferente de comunicação, aponta o atual editor da revista, Adriano De Lavor, que integra a equipe desde 2006. “Hoje não é mais possível usar somente os mesmos meios e instrumentos do início da construção da Reforma Sanitária e de defesa da democracia”, analisa, ao considerar que o contexto atual exige uma “reinvenção” das práticas que possibilitem a interlocução entre os diferentes setores que defendem o direito à saúde. “O desafio do Radis hoje é estar consciente desse momento de transição e conseguir se posicionar e se comunicar com esses diferentes públicos, com diferentes acessos, de maneira que a defesa da saúde pública universal, gratuita, equânime e integral ainda seja possível”, reflete.
Na AFN
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