08/04/2016
César Guerra Chevrand (Agência Fiocruz de Notícias)
A precariedade do sistema de patentes no Brasil e as contradições entre os interesses comerciais e o direito à saúde em todo o mundo foram temas do seminário apresentado pelo médico e segundo vice-presidente de propriedade intelectual da Associação Brasileira da Indústria de Química Fina, Biotecnologia e suas Especialidades (Abifina), Reinaldo Guimarães. Realizado na quinta-feira (7/4), no auditório da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), em Manguinhos, no Rio de Janeiro, o evento foi uma iniciativa do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz).
Reinaldo Guimarães diz que o esvaziamento de organismos internacionais como a OMS favorece os países mais desenvolvidos (foto: Peter Ilicciev)Com longo histórico de contribuições para a saúde pública no Brasil, Reinaldo Guimarães iniciou sua apresentação afirmando que a propriedade intelectual é a política pública mais negligenciada do país. De acordo com o diretor da Abifina, os produtos de saúde, também conhecidos como tecnologia médica, são um dos cinco maiores campos em termos de depósito de patente no mundo. Apesar disso, o sistema geral de patentes no Brasil, tanto em suas instâncias formuladora, normativa e executora, vive uma grave crise.
“O Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) tem hoje mais de 184 mil pedidos de patentes depositadas e não examinadas. O tempo médio para a concessão de patente pelo INPI na área de fármacos é de 12 anos. É como se não existisse”, enfatizou Reinaldo Guimarães. “A lei de patentes brasileira diz que o produto tem mais dez anos de proteção patentária depois do exame do INPI. Isso cria uma proteção muito maior do que os 20 anos utilizados em todo o mundo. A extensão da vigência das patentes gera prejuízo aos cofres públicos”, explicou.
Analisando o contexto mundial, dos últimos vinte e cinco anos, o diretor da Abifina e ex-presidente de Pesquisa e Desenvolvimento Tecnológico da Fiocruz declarou que o esvaziamento dos organismos internacionais, como a Organização Mundial de Saúde (OMS), acentua as contradições entre os interesses comerciais e o direito à saúde. Reinaldo Guimarães disse que o campo da saúde pública traz muitas especificidades, já que diz respeito ao direito à vida. “Você pode viver sem um smartphone, mas não pode viver sem acesso aos remédios que precisa. O maior desafio hoje é como conciliar o interesse comercial, a inovação e o desenvolvimento de novos produtos com o interesse público”, complementou.
Neste cenário, Reinaldo Guimarães propõe uma agenda de resistência, frente à perda do protagonismo da OMS e à crescente pressão por acordos bilaterais sobre propriedade intelectual. Como as leis de patentes fazem parte de uma política de Estado, as chamadas “harmonizações” em pauta nestas negociações favorecem as nações mais ricas do planeta e sempre envolvem a perda da soberania nacional dos países em desenvolvimento.
“Para um país assinar um acordo de livre comércio, este tem que se adequar às normas de propriedade intelectual do polo mais forte do acordo. É uma harmonização nesse sentido. Por isso, os Estados Nacionais têm que ter uma posição mais soberana na definição de suas políticas e a indústria precisa compreender que a ampliação do acesso aos medicamentos é uma obrigação moral e compatível com o desenvolvimento industrial e a geração de receitas”, disse.