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27/01/2022

Pesquisador da Fiocruz integra grupo da OMS para doenças negligenciadas

Cristina Azevedo (Agência Fiocruz de Notícias)


Quando um novo grupo consultivo da Organização Mundial de Saúde (OMS) para doenças negligenciadas fizer sua primeira reunião nesta sexta-feira (28/1), um brasileiro estará entre eles. Thiago Moreno L. Souza, pesquisador do Centro de Desenvolvimento Tecnológico em Saúde (CDTS/Fiocruz), é um dos 14 participantes de todo o mundo escolhidos para o Grupo de Aconselhamento Estratégico e Técnico que atuará junto ao Grupo de Trabalho de Doenças Negligenciadas no Acesso a Medicamentos Eficazes e Seguros (STAG WGA, na sigla em inglês).

Thiago Souza vai integrar o Grupo de Trabalho de Doenças Negligenciadas no Acesso a Medicamentos Eficazes e Seguros da OMS (foto: CDTS/Fiocruz)

 

“O grupo tem um enfoque maior no estudo de produtos para as doenças negligenciadas. Boa parte desse esforço deve ser voltado tanto para o reposicionamento, quanto para a identificação de novos compostos que estão na eminência de avançar na investigação clínica”, explica Thiago.

Entre os participantes, estão representantes dos Estados Unidos, Uganda, Suécia e Sudão, entre outros países. O objetivo do STAG WAG é facilitar o alinhamento de estratégias para melhorar o acesso a medicamentos e outros produtos para doenças tropicais negligenciadas - enfermidades virais, parasitárias, fúngicas e bacterianas que afetam principalmente países em desenvolvimento e pessoas mais pobres. E que nem sempre atraem a atenção dos laboratórios comerciais. 

AFN: Quais desafios o novo grupo vai enfrentar?

Thiago Souza: O surgimento e o avanço da pandemia e Covid-19 trouxe lições e oportunidades também para atacar outras doenças, principalmente dentro das doenças negligenciadas. Essas enfermidades são causadas por agentes etiológicos de diferentes categorias: protozoários, vírus... Eu entro muito pela parte dos vírus e com o reposicionamento de drogas contra infecções virais emergentes, em função dos trabalhos que fizemos na Fiocruz no passado com antivirais aprovados para outras doenças e que usamos contra zika, chikungunya, febre amarela e Covid-19.

Então, boa parte do esforço do grupo deve ser voltado para o reposicionamento e para a identificação de novos compostos. Tem ainda um conjunto de outras substâncias, que podemos chamar de substâncias órfãs, que foram aprovadas na fase 1 do estudo para determinada doença, mas que não mostraram efetividade na fase 2. São moléculas já consideradas seguras e que poderiam ser reposicionadas para outras enfermidades.

O desafio do grupo é concatenar essas informações que hoje estão disponíveis na literatura e, talvez, estimular algum tipo de dado complementar para tentar estabelecer critérios de priorização de moléculas que possam ser oportunas para avançar no tratamento de doenças negligenciadas. 

AFN: Muitas dessas doenças negligenciadas não despertam interesse de laboratórios comerciais. É nessa brecha que o grupo vai atuar?

Thiago Souza: Essas doenças não estão só ligadas a países pobres, mas a países tropicais e de industrialização tardia. Então, em alguns casos, não existe uma infraestrutura local adequada para a produção de um determinado medicamento. Este é um grande desafio também: uma vez que se identifique algo que seja oportuno para as doenças negligenciadas, quem se sentirá estimulado a produzir? Mesmo nos países em desenvolvimento, como a gente prioriza unidades fabris para a produção de substâncias que tenham interesse humanitário?

AFN: Nesse caso, reposicionar medicamentos já existentes é mais fácil?

Thiago Souza: A gente vinha trabalhando na questão do reposicionamento de fármacos já bem antes da pandemia, por causa dos trabalhos com zika primeiro, e depois com febre amarela e com chikungunya. A questão do reposicionamento se tornou a ordem do dia como uma resposta na pandemia, mas traz um desafio grande também. Reposicionamento é um pouco como você estar dirigindo e perder uma das porcas que prende a roda. Aí você entra numa loja próxima e compra uma outra porca, mas não é aquela de encaixe perfeito. Você dá aquela forçada, ela entra mal ajambrada. Vai funcionar? Não necessariamente. 

Essa visão também cabe no universo das moléculas. Cada uma dessas drogas que hoje está aprovada para um determinado fim é o resultado de um mecanismo molecular de ação. Então, há uma interação bioquímica entre uma molécula e o seu alvo, e que precisa acontecer de uma maneira específica. Quando se faz o reposicionamento, muito provavelmente o alvo não tem o encaixe perfeito para aquela molécula. Como resultado, muitas vezes é preciso aumentar a concentração daquela droga para garantir o efeito. É como se colocássemos três porcas no encaixe da roda. 

No caso dos medicamentos, existe uma faixa limite daquela substância que o organismo tolera. Acima dessa concentração, pode oferecer um risco para o paciente. É importante entender em quais casos existe uma margem de segurança para aumentar a concentração, quais casos de reposicionamento poderiam permitir um avanço para um ensaio clínico de fase 2, ou estimular um estudo de fase 1. Os desafios são muito grandes. Por outro lado, existe uma necessidade para todas as pessoas com doenças negligenciadas.

AFN: Quais seriam as principais doenças a atacar?

Thiago Souza: A gente viu nos últimos anos o cenário e a escala que os vírus atingem. O contínuo monitoramento de arbovírus que possam emergir, além dos que se tornaram hiperendêmicos, como o próprio chicungunya, é um problema muito importante a ser atacado em uma escala global.

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