28/05/2024
Elisandra Galvão (VPPCB/Fiocruz)
De 29 abril a 10 de maio, foi realizado na Fiocruz o curso Funções imunitárias dos linfócitos T gama-delta (γδ), organizado pelo pesquisador do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Herbert Guedes, e pelo bioquímico e professor do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa, Bruno Silva Santos. Além de participar do curso, Bruno Silva Santos ministrou a palestra Differentiation and functions of effector γδ T cell subsets in infecton and cancer, no Centro de Estudos do IOC/Fiocruz. As atividades foram promovidas em parceria com a Vice-Presidência de Pesquisa e Coleções Biológicas (VPPCB/Fiocruz). Os organizadores do curso esclarecem que as células T γδ (gama delta) são linfócitos T que se diferenciam dos demais.
Em entrevista para a VPPCB/Fiocruz, Bruno Santos fala sobre sobre o papel das células gama delta (foto: Elisandra Galvão)
Para explicar mais sobre o papel das células gama delta, Bruno Silva Santos conta, em entrevista para a VPPCB/Fiocruz, como começou sua pesquisa nesta área e comenta como essas células deixaram de ser negligenciadas e se tornaram notáveis pela descoberta de sua ação contra diversos tipos de cânceres como o colorretal, o carcinoma do pulmão e da mama, além da utilização em estudos clínicos em terapia celular. Suas funções não se restringem a isso, estendem-se para as respostas a parasitas, como espécies de Plasmodium causadores da malária, vírus (citomegalovírus), bactérias causadoras de tuberculose, e fungos, caso da Candida albicans, que pode levar ao desenvolvimento de cândida vaginal ou infecções em outros locais do corpo.
VPPCB/Fiocruz: Quando começou seu trabalho com as células gama delta?
Bruno Silva Santos: Fiz o doutorado em biomedicina no Instituto de Câncer, em Londres, com o professor Mike Owen, que estava trabalhando com as células T gama delta. Estudei o desenvolvimento delas no timo, que é um órgão que temos acima do coração, e é nele que essas células se desenvolvem. Nesse momento, pesquisei as fases iniciais do desenvolvimento das células. Sabia pouco sobre a sua função. O meu doutorado foi fundamental para ver como as células T γδ são formadas no corpo. Fiquei muito intrigado sobre o que faziam em termos mais funcionais. Como é que podíamos aplicar essas células e aproveitá-las. Como estava no Instituto de Câncer, a pesquisa era voltada para essa doença. Então, ficou claro para mim que, se estava fazendo doutorado em imunologia, o ideal era caminhar para um percurso de imunologia ou imunoterapia do câncer. Mas, na verdade, só consegui começar a dar os primeiros passos nessa área depois do doutorado.
VPPCB/Fiocruz: Como foi essa nova fase de pesquisa?
Bruno Silva Santos: Fiz o pós-doutorado também sobre as células gama delta, ainda em Londres, sob orientação de Adrian Hayday, o cientista que as descobriu nos anos 1980. Ao trabalhar com Adrian fiquei inspirado com o entusiasmo dele e decidi que toda a minha carreira seria voltada para o estudo das células T γδ. Então, estudei os aspectos mais funcionais delas e as funções que podiam ter. Decidi que, quando começasse o meu laboratório, após o pós-doutorado, iria me dedicar à imunoterapia do câncer. Em 2006, montei o laboratório quando fui para a Universidade de Lisboa. Nesses anos, o maior avanço foi descobrir uma forma de expandir essas células e tê-las em quantidade suficiente para tratar pessoas com câncer.
Descobrimos o método de expansão, que demora duas semanas e nos permite ter muitas células T γδ. Foi um passo importante porque elas são raras e é difícil fazer uma terapia com base nelas. Entretanto, como conseguimos multiplicar cada célula que tiramos do corpo por mais de mil, conseguimos ter muitas células. E nossas células, expandidas no laboratório, já estão em ensaio clínico nos Estados Unidos. Portanto, o grande avanço foi testarmos a aplicação das células T γδ para o tratamento da leucemia, o câncer do sangue.
VPPCB/Fiocruz: Por que as células gama delta foram negligenciadas?
Bruno Silva Santos: Elas são raras. Nos seres humanos, são 1% das células que nós temos acesso para estudar no sangue. Por isso, os pesquisadores as ignoraram por bastante tempo. E como não tinha métodos para expandi-las, por serem raras, continuaram raras. Não havia uma perspectiva de usá-las na clínica. Então, o nosso avanço foi importante porque as multiplicamos por um fator superior a mil. Há a perspectiva real de utilizá-las terapeuticamente. O objetivo principal, no nosso laboratório, é pegar uma célula negligenciada e torná-la uma célula importante para a clínica médica.
VPPCB/Fiocruz: Como surgiu a ideia de realizar o curso sobre as funções imunológicas dos linfócitos T das células gama beta?
Bruno Silva Santos: No ano passado, organizei a décima conferência internacional sobre as células gama delta, em Lisboa, e Herbert Guedes participou do encontro. Foi nessa ocasião que ele lançou o desafio para eu ir ao Rio de Janeiro e dar o curso. A VPPCB possibilitou a minha vinda para a Fiocruz. Também houve apoio das redes Fio-Mucosa e Fio-Câncer da instituição, além do IOC, que sediou o curso.
VPPCB/Fiocruz: O que significou essa parceria entre a Fiocruz e a Universidade de Lisboa?
Bruno Silva Santos: Nós já estamos colaborando com Herbert Guedes, que estuda a leishmania, e com Carmen Gripp, do IOC, que trabalha com o vírus HIV. Então, a ideia é olharmos juntos as células gama delta nos dois tipos de infecções. Carmen passou três meses em Lisboa aprendendo como cultivar as nossas células γδ e, agora, começa a aplicar o nosso protocolo no IOC para estudar a sua interação com o HIV. Com Herbert, trabalho em modelos de camundongo e temos interesse em aplicar a nossa terapia celular. Vamos continuar nessa via de colaboração e teremos a participação de estudantes.
VPPCB/Fiocruz: Quais impactos dos estudos atuais sobre essas células, considerando a saúde humana e animal, em Portugal e no Brasil?
Bruno Silva Santos: Ao mesmo tempo em que nós estamos trabalhando em câncer, há muito interesse de outros pesquisadores em doenças infecciosas e, naturalmente, na Fiocruz há grande foco em doenças infecciosas. E as células gama delta podem ser muito importantes em estratégias de tratamento ou de vacinas para infecções como a tuberculose. Além da tuberculose, nós vamos tentar estudar, em colaboração, o HIV, a leishmania, que afeta também animais. Em casos mais severos dessas doenças, acho que as células gama delta poderão ser muito importantes como uma alternativa para o tratamento. Nosso objetivo é que essas células possam reduzir o impacto que as doenças infecciosas e o câncer têm neste momento tanto no Brasil e Portugal como em todos os países, pois algumas doenças infecciosas são globais, e o câncer também é uma doença global. Tem ainda a leucemia mieloide aguda, que não tem tratamento. No ensaio clínico sobre este caso, quando houver uma possibilidade de tratamento, teremos impacto na saúde pública mundial.