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20/02/2020

Pesquisadora da Fiocruz analisa representação de cientistas na TV

Haendel Gomes (COC/Fiocruz)


Se você costuma acompanhar os principais programas de notícias e variedades do horário nobre da televisão brasileira, deve ter notado que temas relacionados à ciência têm presença recorrente na pauta. Mas já parou para analisar qual é o perfil dos cientistas entrevistados nesses programas? Um grupo de pesquisadores resolveu investigar justamente essa questão. A constatação foi de que os cientistas convidados a falar nos programas de TV são pouco representativos da diversidade dos profissionais que atuam em instituições de pesquisa no Brasil.

"Precisamos fazer uma divulgação científica que expresse a diversidade atualmente existente na ciência", afirma pesquisadora (imagem: COC/Fiocruz)

 

Embora a proporção de homens e mulheres cientistas seja equivalente hoje no país, conforme censo de 2014 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), a presença masculina domina os principais noticiários sobre ciência na TV brasileira, com grande concentração de homens brancos e de meia idade, apontou o estudo.

“A mídia brasileira não reflete a realidade quando representa a ciência e os profissionais que a realizam”, afirma uma das autoras do estudo, a pesquisadora Luisa Massarani, da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), atual coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Divulgação da Ciência, Tecnologia e Saúde da instituição.

Publicado no Cadernos Pagu (Unicamp) e disponível no SciELO, o artigo Cientistas na TV: como homens e mulheres da ciência são representados no Jornal Nacional e no Fantástico, é assinado por Luisa Massarani juntamente com os pesquisadores Yurij Castelfranchi, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e Anna Elisa Pedreira, doutoranda em Ciências da Comunicação, Universidade do Minho (Uminho), em Portugal.

Os pesquisadores realizaram o estudo ao longo de um ano (de abril de 2009 a março de 2010), analisando as representações de cientistas, sob a perspectiva de gênero, na cobertura de ciência e tecnologia de dois programas da televisão brasileira: o Jornal Nacional e o Fantástico, produzidos e transmitidos pela TV Globo.

Tratam-se de dois programas que estão entre os de maior audiência no Brasil, com público pertencente a todos os grupos socioeconômicos, porém, profundamente diferentes. Enquanto o Jornal Nacional é uma das fontes principais de notícias diárias para a população, sendo caracterizado pelo formato clássico e o modo de produção editorial dos telejornais de notícias, o Fantástico é um programa de atualidade e variedade de periodicidade semanal.

Representação de cientistas jovens também precisa ser ampliada

Embora os resultados apresentem a presença importante de jovens cientistas mulheres nas notícias analisadas, o estudo mostra que há uma construção discursiva apontando para um universo científico majoritariamente masculino, branco e de meia idade. Segundo dados da pesquisa, apenas 18 por cento dos cientistas homens entrevistados nas reportagens aparentam ter menos de 40 anos de idade, em contraposição a quase 53 por cento das mulheres.

De acordo com o estudo, as mulheres representam 57 por cento dos cientistas “jovens” entrevistados (idade aparente menor que 40 anos), mas são apenas 6,7 por cento dos “sênior”. Na avaliação dos pesquisadores, tratam-se de "indícios, por um lado, da crescente presença de jovens mulheres nas carreiras tecnocientíficas, mas, por outro lado, também da estrutura hierarquizada da ciência brasileira, em que as mulheres tiveram um papel crescente e marcante, mas com menor acesso a posições de poder e cargos de direção de grupos e laboratórios”.

O espaço dedicado às mulheres cientistas na TV contrasta com a realidade apurada pelo censo do CNPq. Segundo dados do órgão, o número de mulheres cientistas era o mesmo que o de homens no país em 2014. Pesquisadoras mulheres têm predominância nas áreas de Ciências Humanas e Sociais, enquanto que as Ciências Exatas são dominadas pelos homens, principalmente as Engenharias. Ainda de acordo com o levantamento, há um equilíbrio entre gêneros nas áreas de Saúde e Biológicas. No entanto, segundo o CNPq, o número de mulheres cientistas é um pouco inferior ao de homens quando se analisa a liderança dos grupos de pesquisa (46 por cento).

O estudo sobre a representação dos cientistas na televisão sugere – a partir dos dados obtidos e analisados – que a chance de um cientista homem aparecer em uma matéria é o dobro da de uma cientista mulher, em contraste com as reais proporções de cientistas do gênero feminino atualmente em atividade no país, observa Luisa.

“[Esse cenário] não é apenas ‘culpa’ da mídia. Muitos filmes e desenhos animados ainda expressam essa representação. Uma possível explicação é o fato de que no imaginário social a ciência ainda é feita por homens, mais velhos e brancos”, afirma Luisa, que também é coordenadora do Instituto Nacional de Comunicação Pública da Ciência e Tecnologia (INCT-CPCT).

A pesquisadora avalia, no entanto, que o quadro atual pode ser mudado. “Precisamos fazer uma divulgação científica que expresse a diversidade atualmente existente na ciência. Um passo fundamental é difundirmos mais, via iniciativas de divulgação científica e também de assessoria de imprensa, o trabalho importante que tem sido feito por mulheres jovens no Brasil”, diz.

Luisa adverte também para a necessidade de se ampliar a representação de pesquisadores de todas as faixas etárias. “É muito importante que iniciativas de divulgação científica tragam a face de mulheres jovens e também de homens jovens, para mostrarmos que não apenas pessoas seniores fazem ciência. No caso das imagens de Albert Einstein usualmente veiculadas, por exemplo, o cientista aparece de cabelo branco e bagunçado, embora ele tenha feito contribuições fundamentais quando tinha 25 anos”, lembrou a pesquisadora.

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