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08/03/2016

Pesquisadora fala sobre produção científica na Fiocruz sob a ótica dos estudos de gênero

André Bezerra (Icict/Fiocruz)


Doutora em Informação e Comunicação em Saúde pelo Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), a bibliotecária Jeorgina Gentil Rodrigues atuou na Biblioteca de Manguinhos da Fundação e, atualmente, é presidente da Associação dos Profissionais de Informação e Documentação em Ciências da Saúde do Rio de Janeiro (APCIS/RJ). Em entrevista, ela aborda detalhes de sua pesquisa na área de gênero e ciência. 

O que seu estudo levanta sobre a visibilidade da produção científica de autoria feminina na Fiocruz?

Jeorgina: Foi a identificação das servidoras doutoras da Fiocruz – elas são maioria.  Até maio de 2012, havia na Fiocruz um total de 1.064 servidores/as com titulação de doutorado, sendo 654 (61,5%) mulheres e 410 (38,5%) homens. Fica evidente a mudança na ciência brasileira no que diz respeito à participação de mulheres diferente de algumas poucas décadas atrás. Hoje, elas hoje são a maioria na pesquisa e ensino na Fiocruz, mas em termos de produção científica, elas ainda produzem menos que os homens.

Quais fatores podem levar a essa menor visibilidade?

Jeorgina: Embora as diferenças de gênero tenham diminuído em algumas áreas do conhecimento, as mulheres tendem a ser sub-representadas. Muitas vezes, é imposta à mulher a tripla jornada: trabalho, casa e filhos, o que a impediria de ter uma dedicação maior à carreira.

O artigo também observa menor velocidade na ascensão na carreira de profissionais mulheres. Como avalia a questão?

Jeorgina: Apesar da maior participação em C&T, as mulheres têm chances menores de ascensão na carreira: são menos contempladas com bolsas de produtividade do CNPq e estão sub-representadas nos cargos de alta direção da instituição, resultando no fenômeno do “teto de vidro”, que caracteriza-se pela menor velocidade na ascensão da carreira pelas mulheres, em comparação com a progressão profissional masculina.

Por que o efeito teto de vidro ocorre?

Jeorgina: Ainda são escassos os dados sistematizados sobre a inserção progressiva das mulheres em C&T, em âmbito nacional e internacional, sobre a formação, trajetória e perfil dos recursos humanos na ciência, com foco em características específicas, como gênero, estrato social ou raça/etnicidade. As possíveis expressões de iniquidades/segregação de gênero na carreira científica seriam, portanto, discerníveis tão somente a partir de análises de dados desagregados, análises estas que levem em conta as eventuais especificidades por área do conhecimento, juntamente com a assim denominada segregação hierárquica (ou vertical). Esta última é conhecida na literatura internacional como “teto de vidro” (glass ceiling),ecaracteriza-se pela menor velocidade na ascensão da carreira pelas mulheres, em comparação com a progressão profissional masculina, o que resulta na sub-representação das mulheres nos postos de tomada de decisão e, consequentemente, limita o alcance de posições de maior prestígio e acesso a uma melhor remuneração.

O que tem sido discutido para promover maior participação feminina no campo da ciência e gestão?

Jeorgina: A promoção da igualdade de gênero constitui um dos principais desafios da gestão contemporânea, dadas as barreiras que impedem o sucesso e ascensão das mulheres na carreira. Assim, produtividade, carreiras típicas, casamento, maternidade, etnia, padrão social e cultural, mobilidade, perfil de cooperação, mentoring (relação de trabalho entre um membro mais experiente e um iniciante com uma agenda designada à troca de experiência e aprendizado) são algumas das inúmeras dimensões que tem guiado as pesquisas e alimentado a aparente infindável discussão sobre o desempenho masculino e feminino na ciência, que tem gerado um número limitado de orientações para as políticas públicas.

Por que as políticas públicas demoram a absorver a discussão em curso na sociedade?

Jeorgina: Os espaços conquistados pelas mulheres na ciência são o resultado de esforço pessoal. Contudo, as políticas públicas, no Brasil, no geral, quando são feitas e dirigidas às mulheres não contemplam necessariamente a perspectiva de gênero. É indispensável que ocorra uma mudança de cultura para alcançar uma representação mais equilibrada de homens e de mulheres nos órgãos de decisão.

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