03/06/2016
Pesquisadores brasileiros publicaram na revista científica Memórias do Instituto Oswaldo Cruz um artigo de opinião que defende a manutenção do calendário dos Jogos Olímpicos e Paralímpicos do Rio de Janeiro. Assinado por cientistas do Programa de Computação Científica da Fundação Oswaldo Cruz (PROCC/Fiocruz) e da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV), o artigo apresenta uma série de evidências científicas que apontam para uma expectativa de baixo número de casos de doenças transmitidas pelo mosquito Aedes aegypti em agosto. Os cientistas argumentam que, considerando o período em que ocorrerão as Olimpíadas, não há motivo suficiente para alterar o calendário do evento, conforme proposto em carta aberta recentemente encaminhada à Organização Mundial da Saúde (OMS). O artigo (disponível em inglês) foi publicado mediante o protocolo de fast track que a revista adotou para temas relacionados ao vírus zika, com processo acelerado de submissão e disponibilização pública. Criada em 1909, a revista Memórias é um dos mais antigos e importantes periódicos científicos da América Latina, com posição de destaque nas áreas de Medicina Tropical, Biologia Parasitária e Microbiologia.
O artigo ressalta que, conforme preconizado pela OMS, as gestantes devem evitar viajar para as regiões afetadas pelo vírus zika. “A recomendação para o público em geral é comparecer normalmente aos Jogos Olímpicos, mantendo em vista as orientações da OMS e das autoridades sanitárias brasileiras”, afirma o texto. Para avaliar o risco de transmissão do vírus zika durante as Olimpíadas, os pesquisadores consideraram o histórico de casos de dengue – doença transmitida pelo mesmo vetor – desde 2010. Os registros mostram que a atividade do A. aegypti é muito baixa no Rio de Janeiro nos meses de agosto e setembro, com a incidência da dengue variando entre um e sete casos para cada cem mil habitantes neste período. Segundo os cientistas, diversas pesquisas apontam que a capacidade vetorial desses insetos é fortemente reduzida quando a temperatura mínima fica abaixo de 22ºC a 24ºC e, na capital fluminense, as temperaturas mínimas só costumam ficar acima desse patamar a partir de novembro. “Por causa dessa baixa capacidade vetorial, as doenças transmitidas por vetores apresentam risco mínimo de transmissão durante o inverno”, afirmam. Com base nas estatísticas, os pesquisadores estimam que, entre os 350 mil e 500 mil turistas esperados nas Olimpíadas, devem ocorrer quatro casos de dengue, com a margem de erro variando entre um e 36.
Segundo os pesquisadores brasileiros, os cientistas internacionais não levaram em conta a sazonalidade das doenças transmitidas pelos A. aegypti na sua argumentação em defesa do adiamento ou realocação dos Jogos Olímpicos. “Nas notificações de zika na cidade, já é observada uma redução desde abril 2016”, diz o artigo. Ainda em resposta aos pesquisadores internacionais, os cientistas brasileiros ressaltam que o aumento nos registros de dengue em 2015, destacado na carta aberta, foi percebido pela comparação com o ano de 2014, que apresentou um número historicamente baixo, por causa da seca no Brasil. Porém, em comparação com 2011, 2012 e 2013, o ano de 2015 apresentou um terço do número de casos de dengue.
A preocupação expressa na carta aberta com o fato de que os turistas vindos para as Olimpíadas possam levar o vírus zika de volta para os seus países de origem também é abordada no artigo. Os pesquisadores lembram que, nesse momento, a transmissão do agravo é registrada em cerca de 60 países e argumentam que a disseminação do vírus provavelmente já ocorreu durante o carnaval, em fevereiro, quando a circulação do zika se encontrava no pico e o Rio de Janeiro recebeu um milhão de turistas, o dobro do esperado para as Olimpíadas.
Para os pesquisadores brasileiros, a proposta de adiar as Olimpíadas para um momento posterior pode ter o efeito inverso ao desejado por levar o evento para mais perto do verão. Assim, segundo os cientistas, “o melhor curso de ação não é adiar os Jogos ou incentivar os estrangeiros a não participar, mas sim informar a população sobre medidas de proteção individual”. Nesse sentido, eles destacam a aplicação de repelentes para prevenir as picadas do A. aegypti e o uso de preservativos para evitar a possibilidade de transmissão sexual do vírus zika, além do reforço nas ações de controle do mosquito por parte das autoridades brasileiras.