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30/08/2013

Programa Nacional de DST/Aids ganha reforço de cooperação internacional

Danielle Monteiro


Existem atualmente 34 milhões de pessoas infectadas pelo HIV no mundo, de acordo com dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Somente no Brasil há cerca de 600 mil pessoas vivendo com Aids e, apesar dos avanços no tratamento, a epidemia continua. Para ajudar no combate à doença no país, a Fiocruz desenvolve uma série de ações voltadas à enfermidade, e muitas delas ganham apoio de instituições internacionais, como é o caso da cooperação com os Centros para o Controle e Prevenção de Doenças (Centers for Disease Control and Prevention - CDC). Firmada em 2003, a parceria tem por objetivo potencializar as atividades de monitoramento e avaliação (M&A) planejadas e executadas pelo Departamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde, que visa reduzir a incidência dessas enfermidades e melhorar a qualidade de vida das pessoas que vivem com elas no país. Em sua primeira etapa, que durou cinco anos, a cooperação envolveu a Universidade de Tulane, dos Estados Unidos. Após o período, o acordo foi reformulado e renovado para mais cinco anos, com a continuidade de algumas atividades e novas iniciativas, desenhadas conforme prioridades estratégicas para melhorar a resposta à epidemia. Na Fiocruz, o projeto é conduzido pelo Laboratório de Avaliação de Situações Endêmicas Regionais do Departamento de Endemias Samuel Pessoa (Laser/Densp/Ensp) e tem como alguns de seus principais eixos, na área de monitoramento e avaliação, a formação de recursos humanos, o desenvolvimento de pesquisa aplicada e a transferência de tecnologia. A coordenadora da iniciativa no Brasil e pesquisadora da Fiocruz Marly Cruz discorreu sobre as principais ações e resultados e abordou os próximos passos da iniciativa.

Como surgiu essa parceria entre a Fiocruz e o CDC?

Marly Cruz: A parceria entre a Ensp/Fiocruz e o CDC teve inicio em 2003, com a assinatura do primeiro acordo de cooperação (Cooperative Agreement - CoAg), com vigência até 2008, quando foi então assinado um novo acordo, em vigência até 2013. Este acordo tem por objetivo fortalecer o Programa Nacional de Aids e a Colaboração Sul-Sul pela República Federativa do Brasil no âmbito do Plano de Emergência do Presidente dos Estados Unidos para o Combate da Aids (Pepfar). A cooperação, desde o seu início, envolve apoio técnico e financeiro para as atividades relacionadas à institucionalização e ao fortalecimento do monitoramento e a avaliação (M&A) como uma ferramenta de gestão conforme as prioridades do Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais (DDAHV); atividades estas que equivalem a projetos por sua diversidade e complexidade.

A execução financeira do acordo tem sido viabilizada com o suporte dado pela Fundação para o Desenvolvimento Científico e Tecnológico em Saúde (Fiotec). No período de 2003 a 2008, conforme ano fiscal do EUA, o CDC investiu um montante de US$ 6.457.716; e no período de 2008 a 2013, de US$ 3.877.403. A implementação de tais atividades é reconhecida como uma experiência bem sucedida. Esse reconhecimento diz respeito não só ao alcance dos resultados para a melhoria do M&A das ações de prevenção e controle do HIV/Aids, como pela inovação de uma gestão triangular, na medida em que todo processo de planejamento, acompanhamento e avaliação das atividades tem se dado com o envolvimento das três instituições parceiras (DDAHV, Ensp/Fiocruz e CDC).  Ainda em 2013 iniciaremos mais um ciclo de cinco anos do acordo de cooperação, no qual serão priorizadas atividades de inovação tecnológica e de caráter científico em apoio à estratégia nacional de combate ao HIV/Aids no Brasil.

Quais os principais eixos e objetivos dessa cooperação?

Marly: O início do acordo de cooperação permitiu a criação da assessoria de Monitoramento e avaliação (M&A) no Programa Nacional, hoje denominada Central de M&A, o que possibilitou uma melhor interface para o acompanhamento das atividades planejadas e implementadas. Por sua vez, a assessoria elaborou um Plano de M&A que definiu duas frentes iniciais como estratégia de institucionalização: o desenvolvimento de um sistema de monitoramento para o programa, o Sistema de Monitoramento de Indicadores do Programa Nacional de DST e Aids (MONITORaids) e a construção de um programa de formação em M&A, com a finalidade de construção de capacidade técnica em M&A.

Pode-se dizer que os principais eixos de atuação das atividades do acordo de cooperação compreenderam: a formação técnica em M&A, a transferência de tecnologias e a pesquisa operacional de avaliação. Nesse sentido, os objetivos mais gerais estabelecidos para as atividades do acordo de cooperação tem sido o de  institucionalizar e fortalecer o M&A no departamento e das demais esferas de atuação do programa no SUS; melhorar as ações de prevenção, assistência e controle de HIV/AIDS; ampliar a capacidade de prestação de contas à sociedade; e contribuir para a produção de conhecimento e para a incorporação de novas tecnologias. Enfim, a cada ano é feito novo planejamento incluindo as descrições das atividades, objetivos e metas a serem alcançadas de acordo com as prioridades do DDAHV.

Qual o papel de cada uma das partes nessa parceria? E qual a importância da participação do CDC nessa cooperação?

Marly: Cabe à Ensp, junto à Fiotec, cuidar de toda parte administrativa e financeira do acordo de cooperação. Mensalmente ocorre reunião de acompanhamento do acordo entre a Ensp, o CDC Brasil e ponto focal do acordo de cooperação no DDAHV; trimestralmente ocorre a reunião de acompanhamento do acordo de cooperação com a participação de todas as partes junto com ponto focal do acordo de cooperação do CDC Atlanta. Além disso, de dois em dois anos recebemos uma visita técnica de equipe do CDC para acompanhamento dos mecanismos de gestão e execução do acordo de cooperação.

Na última visita ampliada realizada em 2012, o diretor geral do CDC, Thomas Frieden, teve agenda específica com a presidência da Fiocruz, mostrando o interesse de estreitar ainda mais a relação com a instituição, tendo em vista a existência também de outro acordo de cooperação para influenza, sob a responsabilidade do IOC/Fiocruz, e de outras atividades que se inserem no âmbito desse acordo, como as do Field Epidemiology Training Program (FETP) e as de malária. Essa visita confirmou o quanto a parceria estabelecida entre as duas instituições tem sido profícua pelos resultados obtidos no enfrentamento do HIV/Aids, que são muitos e em diferentes áreas, e, sobretudo, por criar uma sinergia de troca com a cooperação horizontal que tem se estabelecido. 

Sem dúvida que todas as partes são importantes nessa cooperação. Contudo, é fundamental ressaltar a participação do CDC não apenas pelo apoio financeiro que tem viabilizado a execução de atividades prioritárias nesses dez anos de acordo, como também pelo compartilhamento de tecnologias, de práticas e experiências, desde a forma de planejamento e gestão do acordo de cooperação à execução propriamente dita das atividades.

Qual a importância da avaliação e do monitoramento do Programa Nacional de DST/Aids para o combate à doença no país?

Marly: Apesar da resposta brasileira para prevenção e controle do HIV/Aids ser reconhecidamente um exemplo internacional, ela apresentava problemas, o que reforçava a necessidade de intensificar o esforço em monitoramento e avaliação (M&A) como ferramentas estratégicas para a gestão. O monitoramento é fundamental para o acompanhamento rotineiro de informações prioritárias tanto para o processo de implementação de um programa – ou seja, para o acompanhamento de seu desempenho operacional - como para o seu desempenho finalístico. Assim como a avaliação, que subsidiaria, com o julgamento de valor ou de mérito da qualidade das ações, o aprofundamento explicativo das hipóteses geradas com os processos de monitoramento.

A decisão pela institucionalização e utilização de um sistema de M&A se deu como meio para melhorar o gerenciamento das ações e os resultados do DDAHV, com a construção de evidências legítimas e fidedignas que instrumentalizasse a tomada de decisão e o controle social. O que se esperava, com um sistema dessa natureza, era: assegurar que os recursos direcionados ao Departamento fossem utilizados; as atividades fossem realizadas de maneira oportuna; e oferecer à população acesso aos serviços e o controle efetivo de riscos e danos.

Quais foram os principais ganhos e destaques dessa cooperação?

Marly: Muitos foram os ganhos com essa cooperação. Destacaria como principais a criação de uma área técnica de M&A dentro do Programa Nacional de DST/Aids e a possibilidade de implantar atividades de monitoramento e avaliação distintos do planejamento e da vigilância epidemiológica, ainda que com interface. Esse passa a ser um marco, pois se deu em um momento onde, majoritariamente, as práticas reconhecidas como de monitoramento e/ou avaliação dentro do sistema de saúde brasileiro estavam inseridas em somente uma dessas duas áreas, sendo tratadas de forma marginal e com a preocupação de atender a exigência das agências internacionais.

Além deste, destacaria o grande investimento feito na construção de um programa de formação de M&A, provavelmente um dos mais bem estabelecidos no país e que possibilitou uma expansão para América Latina e países africanos de língua portuguesa. A estratégia de formação esteve vinculada à ideia de construção de uma rede interna (no DDAHV) e uma rede externa de avaliadores para a viabilização da troca de experiências e práticas em M&A. O programa de formação em M&A compreendeu a Oficina curta em M&A, com foco na melhoria do programa de DST/AIDS. Paralelo às oficinas curtas, foram implementadas três turmas de Especialização de Avaliação em Saúde presencial; um curso de Especialização de Avaliação em Saúde a distancia; e realizadas quatro turmas de Mestrado Profissional de Avaliação em Saúde.

Outro destaque deve ser dado para a experiência obtida com a transferência de tecnologias em áreas tão estratégicas do M&A. Em geral um dos pontos críticos das experiências de cooperação internacional tem a ver com o pouca(o) ou inexistente compartilhamento de conhecimento ou experiência prática do “como fazer”. Em alguns projetos, como no caso da avaliação econômica do teste diagnóstico para HIV, do projeto Diffusion of Effective Behavioral Interventions (DEBI), da triangulação de bases de dados e da avaliação de desempenho do Departamento, houve muito ganho com a transferência do conhecimento acumulado pelo CDC e pelo Brasil. Nesse sentido, a incorporação de novas tecnologias exigiu e ainda tem exigido um sucessivo intercâmbio Brasil – EUA de forma horizontal. Esse intercâmbio tem se concretizado não só para a viabilização de atividades técnicas, como também gerenciais, como no caso de treinamentos oferecidos para o manuseio de ferramentas específicas utilizadas pelo CDC para acompanhamento financeiro e de prestação de contas, até mesmo pela necessidade de compatibilizar as ferramentas desenvolvidas e utilizadas pela Fiotec.

Outro resultado muito relevante foi o desenvolvimento do Sistema de Monitoramento de Indicadores do Programa Nacional de DST e Aids (MonitorAids) pelo Icict/Fiocruz - que se configurou como um esforço para a produção sistematizada e consistente sobre a epidemia e a resposta brasileira - e o desenvolvimento do Sistema de Avaliação da Qualidade da Assistência dos Serviços Especializados em HIV/Aids (QualiAids), que visa à avaliação e monitoramento da qualidade dos serviços que assistem pessoas vivendo com HIV nos serviços ambulatoriais do SUS.

As principais avaliações que foram viabilizadas a partir do acordo foram: a avaliação da implantação do teste rápido no Amazonas; avaliação do custo-efetividade do teste rápido como diagnóstico da infecção; avaliação do Projeto Nascer de prevenção e controle da transmissão vertical em maternidades brasileiras; avaliação da dispensação dos antirretrovirais para o tratamento do HIV/AIDS em farmácias dispensadoras do Brasil; avaliação dos sítios de excelência de M&A; avaliação das intervenções efetivas para prevenção do HIV/AIDS, junto a homossexuais e outros HSH (homens que fazem sexo com homens) em três ONGs do Rio de Janeiro, Porto Alegre e Fortaleza.

Dentro no acordo de cooperação foi implementado o projeto Afirmando Vozes e Identidades, que, voltado para gays e HSH  negros moradores do Complexo da Maré, teve como objetivo promover e facilitar rodas de conversa sobre diferentes temas sociais e culturais que interferem no comportamento sexual desse grupo. Como se deu essa iniciativa?

Marly: O Departamento de DST/Aids e Hepatites Virais, com o propósito de testar novas tecnologias de intervenção HSH, gays e travestis, identificou, por meio do acordo de cooperação, o projeto Diffusion of Effective Behavioral Interventions (DEBI) do CDC como possibilidade de fortalecer as ações de prevenção de HIV/DST para este grupo específico. O objetivo do DEBI é ampliar o acesso de diferentes grupos populacionais específicos a informações, insumos e serviços de prevenção do HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis.

O programa DEBI Brasil implementou três metodologias de intervenção -classificadas pelo CDC como eficazes com base em evidências de estudos científicos no âmbito do projeto do CDC de HIV/Aids Prevention Research Synthesis (PRS) -em três ONGs do país. A intervenção desenvolvida pela ONG Conexão G do Rio de Janeiro foi o Many Men, Many Voices (3MV), denominada pelo grupo como Afirmando Vozes e Identidades – AVI. A intervenção, voltada para gays e HSH (homens que fazem sexo com homens) negros, moradores do Complexo de Favelas da Maré, foi implementada com o objetivo de facilitar a discussão sobre diferentes temas sociais e culturais que interferem no comportamento sexual, promovendo a redução de riscos e a prevenção para as DST/HIV.

Como a principal intenção era a de transferência de tecnologia, o acordo de cooperação limitou-se a pilotar tais intervenções e apoiar a elaboração de material de apoio adaptado à realidade brasileira. A partir dessa experiência bem sucedida, o DDAHV tem apoiado a continuidade do DEBI junto às ONGs Conexão G e GRAB (Grupo de Resistência Asa Branca), assim como em outros estados brasileiros, por meio do financiamento SUS fundo a fundo para os estados e municípios, no eixo de atuação do plano nacional de enfrentamento da epidemia de Aids e das DST entre Gays, HSH e Travestis, lançado em 2008.

Em um encontro entre os participantes da iniciativa foi sugerido um acordo de cooperação para viabilizar o desenvolvimento de projetos e a transferência de tecnologia na área de monitoramento e avaliação (M&A) e outras áreas afins, particularmente na formação de recursos humanos de programas de HIV/Aids de países africanos de língua portuguesa, dentre eles, Angola e Moçambique. O que ficou decidido quanto a essa ideia?

Marly: O projeto visava estabelecer uma cooperação triangular entre Brasil, Moçambique e Estados Unidos, com o intuito de fortalecer as atividades moçambicanas de M&A e dar apoio à construção de um programa de formação nessa área, por meio de diferentes estratégias de formação para os gestores e técnicos do Ministério da Saúde e das províncias em assistência, laboratório, vigilância e M&A.

Na época já existiam atividades de M&A em Moçambique, porém, o que eles desejavam era melhorar a qualidade e dar mais visibilidade às suas atividades na área. Para tal, seria necessária a criação de um corpo técnico que tivesse capacidade de gerir e implementar de forma mais apropriada suas funções. O propósito era de que a Ensp/Fiocruz proporcionasse apoio técnico não só para a formação na área, mas também na revisão do plano integrado de M&A e dos indicadores existentes, incluindo o envolvimento de outros parceiros em potencial, e, principalmente, os tomadores de decisão.

A ideia era de que se construísse capacidade técnica, principalmente para profissionais de nível médio, que era a maioria, para melhorar a qualidade das ações de prevenção e controle do HIV/Aids em Moçambique, com ênfase nos sistemas de informação de saúde e nos sistema de M&A. Infelizmente este acordo trilateral não foi efetivado, apesar da finalização do projeto, que contou com a participação das três partes. Importante enfatizar que, para esta elaboração, além dos pontos focais de cada uma das unidades envolvidas da Fiocruz (Ensp, Ipec e EPSJV), houve a participação efetiva do Cris/Fiocruz, a AISA/MS, o ABC, a área internacional do Programa Nacional DST/Aids, os técnicos do CDC Brasil e do CDC Moçambique e os técnicos do MISAU.

Há previsão de ampliação dessa parceria ou de outras cooperações com o CDC no combate à Aids ou a outras doenças que acometem o país?

Marly: Ao visar a finalização em 2013 de mais um ciclo do acordo de cooperação e, ao se verificar o interesse pelas três partes integrantes nessa cooperação, decidiu-se por tentar a continuidade do acordo.  Com a abertura por parte do CDC de uma nova oportunidade de apoio para acordos de cooperação, foi submetida uma nova proposta até 2018 e recentemente aprovada. Por ora estamos finalizando as atividades em curso dessa experiência que, durante esses dez anos, tem proporcionado o aprendizado e o aperfeiçoamento das três partes envolvidas com o planejamento, a execução, o monitoramento e a avaliação das atividades desse acordo, o qual, em última instância, envolve a construção de redes atuando em cooperação.

Não temos dúvidas de que ainda temos muito a aprender com essa cooperação, mas hoje temos a certeza do quanto temos a compartilhar do aprendizado acumulado. Por este motivo, decidimos, neste último ano do segundo acordo de cooperação, relatar a experiência desses dez anos de parceria com a produção de um livro. Essa experiência pode contribuir para uma autorreflexão para o ajuste de rotas ou, até mesmo, para inspirar outras instituições envolvidas ou com pretensões a se envolver em projetos de cooperação internacional.

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