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27/04/2020

Radis aborda unidades básicas de saúde fluviais no Amazonas

Adriano De Lavor (Revista Radis)


Na linguagem da navegação, “espera” designa um lugar, ao longo de um rio ou no interior de uma baía, onde embarcações atracam enquanto aguardam a chegada do vento para prosseguir viagem; na vida da agricultora Andrea Barbosa Ribeiro, 34 anos, o sentido de “espera” se aproxima da esperança de que os ventos tragam ajuda que possa minimizar as duras condições de vida que enfrenta com a família no igarapé onde vivem.

É começo da tarde de segunda-feira, 20 de janeiro, quando ela, o marido e os quatro filhos chegam ao centro da comunidade Turé, às margens do rio Tefé, no Amazonas. Vieram em um pequeno barco a remo, em busca de atendimento na Unidade Básica de Saúde Fluvial “Vila de Ega”, de Tefé, que desde 2018 percorre os rios da região ofertando serviços de atenção básica à saúde. Distante 523 quilômetros da capital Manaus, o município fica às margens do lago Tefé — como é chamada a região onde o rio de mesmo nome se alarga, antes de desaguar no Solimões — e tem cerca de 60 mil habitantes, de acordo com estimativas do IBGE, de 2019.

Usar uma unidade fluvial no atendimento das comunidades ribeirinhas foi uma maneira que a gestão municipal encontrou de facilitar o acesso à saúde aos moradores das regiões distantes da zona urbana e, ao mesmo tempo, melhorar as condições de trabalho para as equipes, que antes enfrentavam, além de longas distâncias, dificuldades de infraestrutura e na oferta de serviços.

Em pouco mais de um ano e meio de trabalho, os resultados já são aparentes: além da melhoria de alguns indicadores, é positivo o retorno da população: “O maior retorno é a população que dá. Eu fui a uma comunidade e um comunitário me disse que estava sendo tratado como gente”, relata Maria Adriana Moreira, secretária de Saúde de Tefé. Na entrevista que concedeu à Radis, a secretária avalia que a iniciativa também traz retorno econômico ao município, já que diminui a procura por serviços de saúde na zona urbana. 

Parte do sucesso do projeto é visível quando se vê a UBSF que está atracada em Turé: uma balsa motorizada de três andares, que abriga no convés principal três consultórios (um médico, um odontológico e um de enfermagem), uma sala de imunização e outra para procedimentos, um laboratório de exames clínicos e uma farmácia, além de banheiros e um ambiente para recepção dos usuários. No andar de cima, junto à sala de comando da embarcação, seis camarotes abrigam os 15 profissionais de saúde e seis tripulantes que há cerca de 20 dias navegam pelos rios Tefé e Curumitá.

Estão no fim da viagem. A comunidade mais distante, Vila do Moura, de onde partiram para esta viagem, fica a 36 horas de barco dali. De lá até aqui, foram visitadas 19 comunidades e atendidas cerca de 1.400 pessoas. Turé é a última escala de viagem, antes da balsa retornar à sede do município. À sombra da imponente samaúma que se destaca na paisagem de Turé, a agente comunitária Sandriely Oliveira Moraes está à espera dos profissionais da UBSF.

Como acontece em todas as localidades, parte da equipe vai à terra firme para um primeiro contato, onde conferem a seleção de pacientes feita pelo ACS, conversam com as lideranças, visitam algumas casas, organizam os atendimentos, conferem as carteiras de vacinação e dão orientações gerais sobre questões de saúde. 

As atividades são registradas em relatório, inclusive demandas apresentadas por moradores. Entre as ações realizadas na viagem de janeiro, que foi integrada com a coordenação de endemias, constam no relato da equipe visitas domiciliares com a equipe multidisciplinar, orientações sobre infecções sexualmente transmissíveis (ISTs) e verminoses, distribuição de escovas de dentes e atualização vacinal, entre outras ações.

Além disso, também estão apontados no documento encaminhamentos para consultas eletivas — na cidade — e o acompanhamento de todos os programas da Atenção Básica. Todas estas informações permitem que o gestor municipal tenha um retrato atualizado sobre o que acontece em cada uma das localidades, incluindo o número de casos positivos de exames para determinadas ISTs, como HIV e sífilis, de doentes de malária e tuberculose, a quantidade de hipertensos e diabéticos, bem como de mulheres cadastradas no acompanhamento de pré-natal; são produzidos ainda dados sobre a saúde bucal, o programa de imunização e os exames laboratoriais feitos na embarcação.

Em Turé, onde vivem 34 famílias e cerca de 100 pessoas, o ponto de encontro entre a equipe da UBSF e a comunidade é uma mesa, colocada bem à frente da grande árvore que se destaca na paisagem. Os moradores já inscritos por Sandriely para o atendimento aguardam as orientações da equipe, e depois são levados à unidade em grupos — idosos, gestantes, crianças e pacientes mais graves têm prioridade.

Andrea e seus meninos estão no grupo prioritário: “Melhorou muito depois da vinda da balsa. Antes, eu tinha que vir do igarapé onde moro até aqui, para daqui ir a Tefé tentar uma consulta”, conta à Radis, enquanto afaga os cabelos de Maria de Fátima, a filha de dois anos que está no colo e presta atenção na conversa.

Já na UBSF, a família se junta a outros usuários na recepção. Quase todos vão se consultar. Ela quer que o médico examine a pele da Maria de Fátima, que vem se queixando de coceira; também espera a opinião dele sobre exames feitos no pequeno Artur, de quatro anos, que recentemente esteve com “a barriga empedrada”; Maria Luiza, de nove, precisa ir ao dentista; Camila, com 13, veio para ajudar a cuidar dos irmãos enquanto a mãe passa pelo exame ginecológico preventivo.

Na recepção, as técnicas de enfermagem Jaciara Damasceno Barão e Isabely Lopes da Silva se dividem nas atividades de acolhimento e triagem dos pacientes. “Precisamos organizar o fluxo, conferir os dados e explicar a eles como funciona a seleção das prioridades”, explica Jaciara. “A espera é um desafio para eles”, complementa Isabely, enquanto anota pesagem, altura e pressão de quem aguarda consulta.

Do outro lado da porta, a movimentação nos consultórios é tranquila. Turé é uma comunidade pequena e fica relativamente próxima da sede do município — cerca de duas horas de viagem em um barco pequeno — o que se reflete no menor número de atendimentos. Mesmo assim, são muitas as lembranças negativas dos moradores sobre as dificuldades de acesso aos serviços de saúde, antes da vinda da UBSF.

Além da falta de comunicação (telefones celulares não têm cobertura e não há sinal de internet na região), que os obrigava a se deslocar para a sede do município diante de qualquer necessidade de saúde, os atendimentos feitos pelas equipes que os visitavam tinham outras limitações, como lembra a ACS Sandriely: “A unidade fluvial aumentou o número de serviços e trouxe privacidade para as pessoas”, destaca. Ela informa que muitos usuários — principalmente mulheres — reclamavam de consultas e exames realizados em centros comunitários, escolas ou até ao ar livre. Em muitos lugares, usuários ficavam expostos ao olhar de curiosos durante os procedimentos, dada a falta de um local adequado para o trabalho.

Continue a leitura da matéria de capa no site da revista Radis. Confira também outras reportagens da nova edição. 

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