29/12/2020
Em meio às incertezas de futuro que a emergência sanitária de Covid-19 descortina, recorre-se ao passado para nele analisar os processos culturais, as mentalidades, o imaginário e as estruturas sociais que ainda sobrevivem no tempo. O último número de 2020 da Reciis traz o dossiê Comunicação, Saúde e Crises Globais. Considerando os contextos socioculturais de cada momento histórico, a coletânea reúne trabalhos de autores que analisam as tensões e as desigualdades sociais, os processos moralizadores e as desconfianças das informações que se revelaram nas grandes epidemias e pandemias ocorridas no mundo contemporâneo.
Conforme os editores convidados Ravindra Kumar Vemula e Allan Santos, o dossiê procura refletir, em uma perspectiva histórica, sobre as epidemias com intenção de encontrar a diferença em meio às repetições. Assista ao vídeo de lançamento do número com o professor Ravindra Kumar Vemula:
Na seção Notas de Conjuntura, Nick Couldry e Ulises Ali Mejías lembram dos 40 anos do relatório MacBride (Um mundo e muitas vozes) publicado pela Unesco. O documento apelou a uma nova Ordem Mundial de informação e Comunicação para desafiar o domínio do Ocidente sobre a infraestrutura de mídia global de televisão, rádio, imprensa e cinema. A partir das questões defendidas no relatório, os autores propõem uma discussão sobre as contemporâneas infraestruturas das mídias em relação aos dados de saúde que colocam questões à liberdade humana. Nesta perspectiva, os autores convocam a ideia de capitalismo de vigilância para nomear o movimento de apropriação das informações pessoais em rede de “colonialismo dos dados”, em que a própria vida se configura como um território da extração econômica.
Em outra análise conjuntural, Giuseppe Cuocco traz uma reflexão sobre as biopolíticas frente à pandemia de Covid-19 em alguns países do mundo para pensar sobre as ações dos governos latino-americanos, principalmente do Brasil. Entre a eugenia sueca e a vacina como solução, destaca a performance “caça ao vírus”, desempenhada pelo governo da Coreia do Sul, a qual faz uso de aplicativos tecnológicos de mapeamento de contato das pessoas na quarentena e alta capacidade de testagem. Conforme Cuocco, num cenário de pandemia sanitária e pandemônio político, no qual ocorre a corrupção das palavras, não se deve pensar em falta de comunicação, mas naquilo que realmente lhe falta: a criatividade.
Memórias das pandemias
O artigo autoetnográfico de Marialva Barbosa abre o dossiê Comunicação, Saúde e Crises Globais. Em meio a pandemia de Covid-19, a autora propõe uma lapidação de suas memórias pessoais as quais encadeiam e colocam em relação memórias familiares e coletivas que circulam no tecido social. A pandemia do novo coronavírus proporcionou que Marialva tecesse suas memórias sobreviventes a partir das histórias que o seu pai lhe contava sobre a pandemia da gripe espanhola (assista ao vídeo-resumo).
No artigo seguinte, Raquel Paiva, Gisela Castro e Adriana Lima tomam como ponto de partida as reflexões de Canclini durante a quarentena da epidemia de H1N1, na Cidade do México, para dissertar sobre as estruturas de sentido sobre a comunicação, sociabilidade, vigilância e cidadania no contexto da pandemia de Covid-19.
Em Disputas pela significação no discurso do HIV/Aids: um percurso na ciência, na literatura, na militância LGBTI e nos canais do YouTube, Phelipe Daniele Rodrigues Silva e Isaltina Mello Gomes promovem uma discussão, a partir de uma materialidade midiática diversa, sobre disputas de significados no campo discursivo e histórico no que concerne à epidemia de HIV/Aids. Os autores enfatizam que não se trata de uma comparação entre as epidemias, mas de uma análise que considera as relações contextuais. Esta primeira parte do dossiê termina com o trabalho de Jandesson Mendes Coqueiro, o qual faz uma análise qualitativa das informações divulgadas na mídia televisiva sobre a Covid-19 e diabetes mellitus, considerando os grupos e fatores de risco relacionados à doença.
Comunicação e Saúde sobre as notícias, campanhas e canções
O último número de 2020 também é composto por artigos originais aceitos em fluxo contínuo, que compreendem a comunicação de forma ampla. Alguns dos temas abordados nos trabalhos discutem as patologias que afetam a memória, como o Alzheimer, a partir de encontros de sujeitos da comunicação; a medicina preventiva e a política de medicamentos na imprensa e site dos órgãos de saúde estaduais; violência obstétrica nas telenovelas brasileiras; o caso da famosa estilista Zuzu Angel em testemunhos históricos nas canções populares; e os discursos sobre as masculinidades que entrecruzam o discurso da saúde pública e a masculinidade tóxica nas campanhas públicas de saúde.
Na seção Entrevista, a cientista social e professora do Programa de Informação e Comunicação em Saúde (PPGICS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Janine Cardoso, aborda as campanhas sobre Aids, a cobertura jornalística das epidemias de dengue e o atual contexto da pandemia de Covid-19 à luz do campo da Comunicação e Saúde.
O número se encerra com uma resenha sobre o documentário Meia Lua Falciforme. A autora Winnie Samanú argumenta que a visibilização de uma doença que tem maior recorrência na população negra procura se comprometer com a garantia de acesso à saúde de todos e com a luta antirracista no Sistema Único de Saúde (SUS).
Novas normas em 2021
A Reciis informa que, a partir do dia 1º de janeiro de 2021, o periódico passará a adotar a ABNT como norma de padronização dos manuscritos. Confira as novas normas da Reciis na área Preparação do artigo no site da revista. A Revista Eletrônica de Comunicação, Informação e Inovação em Saúde (Reciis) é editada pelo Icict/Fiocruz.