03/04/2020
Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias)
O Brasil já vive hoje um processo de interiorização da epidemia de Covid-19. Municípios brasileiros próximos a centros urbanos que já possuem transmissão sustentada e mais de cem casos, como é o caso de Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Salvador, Brasília e Manaus, são os com maior risco de disseminação da doença neste momento.
A previsão faz parte do terceiro relatório Estimativa de risco de espalhamento da Covid-19 nos estados brasileiros e avaliação da vulnerabilidade socioeconômica nos municípios, do Núcleo de Métodos Analíticos para Vigilância em Epidemiologia (Mave), grupo formado por pesquisadores do Programa de Computação Científica (Procc/Fiocruz) e da Escola de Matemática Aplicada (EMAp/FGV). O estudo é uma atualização dos dois primeiros relatórios (relatório 1 e relatório 2) lançados pelo grupo e também identifica os municípios com alta vulnerabilidade, a partir da situação epidemiológica considerada até o dia 30 de março.
“Verificamos que as nossas previsões do primeiro e segundo relatório se realizaram em grande medida. Conforme o previsto, houve um processo de disseminação para as maiores capitais do país. Após esse, primeiro momento, já podemos observar o começo de um processo interiorização da epidemia em vários estados. No entanto, tivemos algumas diferenças que podem ser um reflexo das medidas de isolamento adotadas”, afirma o coordenador do Procc/Fiocruz, Daniel Villela.
Em São Paulo, o processo de interiorização da doença já está em curso. A região metropolitana da capital e o eixo para Campinas atualmente apresenta vários municípios com pelo menos 10 casos. No Rio de Janeiro, apenas dois municípios fora da capital registraram até agora mais de 10 casos, Volta Redonda e Niterói, o que pode ser um indicativo de retardamento no processo de interiorização prevista para outras regiões do estado.
O novo relatório detalha a situação específica de cada estado, mas apresenta ressalvas em relações aos números. O fato de alguns estados ou regiões apresentarem uma constância no número de casos ou uma intermitência no ritmo do aumento das notificações pode ser indicativo de uma limitação na velocidade de realização de testes, com insuficiência de exames, saturação ou falha no processo. “Não é possível dizer ainda que há o chamado ‘achatamento da curva’ nos estados. É preciso que se avalie cada local e sua capacidade de testagem”, ressalta o pesquisador da Fiocruz.
Segundo as previsões, que se baseiam em modelos matemáticos, todas as capitais estaduais e o Distrito Federal são considerados como regiões com grande probabilidade de acumular casos graves no curto prazo. A previsão leva em conta a vulnerabilidade geográfica alta para importação de casos, ou seja uma proximidade relativa dos epicentros da epidemia, relacionada à proporção de população idosa. Além disso, esses locais, em sua maioria, apresentam insuficiência na disponibilidade de leitos hospitalares e respiradores.
Além das regiões já citadas, o litoral sul da Bahia e a região do litoral catarinense já apresentam um número de casos que requerem atenção, de acordo com os dados levantados até a data do estudo. No Norte, principalmente em Manaus e os municípios a jusante no Rio Amazonas são os locais com maior disseminação. No nordeste, o Ceará aparece como importante epicentro.
Amazonas, Ceará e Bahia demandam atenção especial, uma vez que a combinação de um alto risco de introdução da epidemia com alta vulnerabilidade constitui em situação de alerta máximo. Regiões predominantemente rurais, com índices socioeconômicos mais baixos, acesso precário à água tratada, esgoto e eletricidade e menor infraestrutura de saúde terão mais dificuldade para lidar com a epidemia.
“Como esperado, a maior expectativa de vida está associada a melhores condições de vida, concentradas significativamente na parte sul do país”, afirma Villela. Mas o pesquisador adverte que a pesquisa se concentrou em índices municipais, não levando em conta as desigualdades dentro das cidades. “Sabemos que Rio de Janeiro e São Paulo, assim como outros centros urbanos, são cidades que possuem internamente grandes desigualdades e regiões que concentram problemas, como grande densidade populacional e outros fatores que aumentam a vulnerabilidade. Neste relatório, não abordamos a vulnerabilidade neste nível intramunicipal, que é também importante questão”.
Tempo ganho com redução da mobilidade
Em uma situação de epidemia em que é preciso preparar o sistema de saúde para receber os pacientes, enquanto os casos crescem exponencialmente e a ciência ainda busca algumas soluções, o tempo é um importante recurso para salvar vidas. Por isto, o pesquisadores também estimaram como medidas de redução da mobilidade intermunicipal e distanciamento social para cada município podem se refletir em tempo ganho no processo de interiorização da disseminação do novo coronavírus. “Este tempo ganho deve ser encarado como oportunidade para ação por nossos gestores”, destaca o coordenador do Procc/Fiocruz.
De acordo com as projeções, a redução do fluxo intermunicipal apresenta impacto significativo na disseminação para outras regiões se acompanhada de redução do contato entre indivíduos dentro de cada município, como medidas de distância social. Se adotadas de maneira independente, ações locais se mostram mais relevantes que redução de fluxos intermunicipais.
Levando em consideração o estado de São Paulo, a atenuação de 30% no fluxo intermunicipal resulta num ganho de cerca de uma semana em todo o estado. Já uma maior atenuação de fluxo (80%) acrescida de esforço de distanciamento social é muito eficiente e pode atrasar a propagação do Covid-19 para o restante do estado por mais de um mês. “Não é hora de relaxar essas medidas”, recomenda o pesquisador.