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19/04/2021

Saúde Silvestre: Fiocruz lança boletim e promove capacitações

Isabela Schincariol (Campus Virtual Fiocruz)


Para acompanhar a questão da degradação ambiental e monitorar os animais silvestres para a identificação de zoonoses emergentes, a Fiocruz conta, desde 2014, com o Centro de Informação em Saúde Silvestre (Ciss). A iniciativa, que busca o fortalecimento da conservação da biodiversidade brasileira, a melhoria da saúde humana e de todas as espécies, bem como as boas práticas para o desenvolvimento sustentável, agora conta com um boletim eletrônico para ampliar o alcance e agilizar a divulgação das informações coletadas.

Atualmente, a organização das notícias no boletim acontece a cada quatro meses. Os interessados em acompanhar devem entrar na página dos boletins e realizar a inscrição com o endereço de e-mail.

“A vida urbana é tão humana, e somente relacionada aos animais domésticos, de estimação e, eventualmente, alguns vetores, como é o caso do Aedes Aegypti, que as pessoas acabam não percebendo a relação dessas novas doenças com a degradação da natureza. As cidades estão entrando e desestruturando as áreas naturais, num contato cada vez mais próximo. Com isso, a perspectiva é que aumente cada vez mais o número de doenças de animais para as pessoas. O Sars-CoV-2 está nos mostrando isso de uma maneira bastante contundente”, lamentou a coordenadora do Centro de Informação e pesquisadora titular da Fiocruz, Marcia Chame.

O Sistema de Informação em Saúde Silvestre (Siss-GEO) integra o Ciss. Segundo Marcia, ele é uma plataforma de tecnologia digital que abriga um aplicativo (disponível para sistema Android e IOS) para o registro de observações de animais no campo. O Siss-GEO permite que qualquer pessoa no Brasil monitore animais silvestres na natureza – em áreas naturais, rurais e urbanas. Ele é simples, leve, de fácil utilização e permite ainda o georreferenciamento das notificações.  

O Centro de Informação em Saúde Silvestre (Ciss) é um ambiente virtual que abarca as ações de divulgação sobre a relação da biodiversidade com a saúde silvestre. “A implementação do boletim eletrônico propicia um espaço no qual podemos sistematizar informações e tornar tais assuntos e temáticas mais profundos, além de estimular conhecimentos, trocas e debates. Mais do que isso, ele é uma maneira de compartilhar nossas ações e devolver à população, em especial aos nossos colaboradores, todo o esforço que fazemos ao longo dos anos”, apontou. 

Marcia ressaltou que o boletim publica as colaborações recebidas, mas não apenas as fotos mais legais ou bonitas. “Buscamos valorizar cada contribuição, estimulando o compartilhamento da história e a importância de determinados animais que aparecem em determinadas localidades – às vezes uma espécie ameaçada de extinção, um animal raro, uma situação inusitada em uma área incomum, entre outros –; assim como valorizamos demais o registro, por exemplo, de um colaborador que está num lugar isolado e contribui com uma informação de excelência. A qualidade dos dados e o georreferenciamento das notificações são fundamentais para nós, pois, antes de publicarmos, toda contribuição passa por uma validação e auditoria para avaliar se a contribuição pode ser utilizada como registro científico.

Prevenir e agir antecipadamente à emergência de zoonoses

De maneira detalhada, Marcia explicou que com o Siss-GEO todo indivíduo, por meio do aplicativo, pode enviar fotografias e a localização exata de animais vivos, sadios e seus locais de ocorrência, mas, principalmente, pode registrar a notificação de possíveis animais mortos, doentes, feridos, além de impactos ambientais percebidos, como queimadas, alagamentos, novas construções e desastres.

“Os dados são extremamente relevantes, pois geram modelos de previsão de ocorrências de zoonoses e outros possíveis agravos na fauna silvestre, que atualmente não se encontram disponíveis nos sistemas de saúde. Todo esse conjunto de informações é fundamental para compreendermos os fatores e quais espécies estão suscetíveis e podem sofrer com novas doenças ou desenvolverem doenças que possam chegar aos humanos ”, descreveu a pesquisadora, que também é responsável pela Plataforma Institucional Biodiversidade e Saúde Silvestre (Pibss/Fiocruz).

A partir desse trabalho, a ideia do boletim eletrônico é conferir maior alcance e agilidade à divulgação das informações coletadas com o auxílio da sociedade e os setores de saúde e ambiental. Ele imprime uma forma mais dinâmica à atualização das informações, com conteúdo participativo, sugestão de pautas e o compartilhamento de experiências e conhecimento.

Marcia salientou a dificuldade em fazer esse monitoramento de forma efetiva por meio dos serviços existentes no setor saúde e ambiental atualmente, frisando como principal barreira as dimensões continentais de nosso país: “Precisamos e contamos com a ajuda dos cidadãos, pois são eles que estão lá todos os dias e que veem com frequência os animais. O engajamento da sociedade é fundamental, inclusive para perceber e entender que toda desestrutura ambiental promove a ocorrência de novas doenças e desestabiliza ciclos de parasitos em animais silvestres. Quando destruímos áreas naturais, aproximamos essas espécies das pessoas e, obviamente, de novas doenças”, alertou ela.

Nos últimos meses, em função da pandemia, o Siss-GEO observou a diminuição das contribuições dos cidadãos, uma vez que as pessoas ficaram mais em casa. No entanto, por outro lado, também foi percebida maior ocupação dos animais em determinados espaços a partir da diminuição da presença humana.

Siss-GEO e a experiência de sucesso contra a febre amarela no Sul

Marcia compartilhou a mais recente experiência de sucesso do Siss-GEO. Ele está sendo utilizado pelos profissionais das Secretarias Estaduais de Saúde do Paraná e Santa Catarina especialmente para o monitoramento de primatas não humanos e a efetividade do delineamento e corredores de transmissão de febre amarela.

“A urgência da Covid-19 acaba abafando determinadas questões, mas a região Sul do país está sofrendo com a febre amarela de uma maneira impressionante. Os registros do setor de saúde vêm auxiliando a estratégia – delineada desde 2019 – de monitoramento, validação e desenho dos corredores de transmissão, possibilitando, assim, que consigamos vacinar as pessoas antes que a febre amarela chegue a determinados lugares. Evitando uma alta mortalidade de humanos, embora ela aconteça entre os macacos”.

Para Marcia, esse é um exemplo concreto da importância do engajamento da sociedade, do setor saúde e do setor ambiental para uma visão nacional e ampla do processo de transmissão de parasitoses diversas e das espécies envolvidas nesse conjunto de doenças para que possamos agir previamente e tomar ações cabíveis.

Perspectivas para 2021

De forma inovadora, neste novo ano, ainda limitados pelas restrições da pandemia de Covid-19, o Centro pretende reiniciar os treinamentos, agora de maneira online, oferecidos a gestores de parques, veterinários, biólogos, agricultores, condutores de trilhas, guardas-parque, guias turísticos, montanhistas, polícia ambiental, bombeiros, extensionistas rurais, ONGs, esportistas da natureza, turismólogos, interessados no turismo ecológico ou qualquer outra pessoa que queira saber mais e contribuir com o tema da saúde silvestre e humana.

Também está entre os plano de 2021 avançar com o projeto Siss-GEO SUS, melhorando as ferramentas para que o profissional de saúde, engajado no Sistema Único de Saúde, possa ter mais facilidade na notificação de doenças em animais silvestres – morcegos, carnívoros, aves, primatas e roedores – pensando na interoperabilidade dos dados e na conectividade, mais fácil e simplificada, com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) e o Sistema Gerenciador de Ambiente Laboratorial (GAL), ambos ligados à Secretaria de Vigilância em Saúde (SVS/MS).

Marcia frisou que atualmente o processo de recuperação de informações nesses sistemas é realizado de forma manual, destacando ainda a importância dos treinamentos, pois, segundo ela, “não existe recuperação de informações se as mesmas não forem de qualidade. Portanto, saliento mais uma vez a necessidade de ampliar o leque de colaboradores, tanto profissionais de saúde, com a colaboração dos estados brasileiros, como de cidadãos engajados.

No treinamento, os profissionais e demais interessados são capacitados para o uso do aplicativo e também para serem multiplicadores na operação, suporte, instalação e na divulgação do uso do sistema para as comunidades e outros. A ideia é aprofundar o conhecimento das relações entre a saúde de animais e pessoas para o bem viver; agregar experiências individuais e coletivas no monitoramento participativo da fauna; e multiplicar o uso do Siss-Geo para a geração de dados para o manejo de espécies e ações de prevenção da saúde humana, disponibilizando informações para os tomadores de decisão, como base para o desenvolvimento de modelos de previsão, de modo que seja possível agir antes que doenças acometam pessoas e outros animais.

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