Início do conteúdo

24/04/2014

Seminário apresenta dados e iniciativas sobre o consumo de crack e similares

Ana Paula Gioia


Apresentar dados de pesquisas e reflexões sobre políticas públicas, epidemiologia e aspectos sócio-culturais relacionado ao consumo da substância. Foi o que propôs o seminário Crack: Vamos Olhar de Perto, promovido pelo Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), por meio do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Saúde Indígena e Populações Vulneráveis (Leis). Durante o evento, foi apresentado, pelo vice-presidente de Ambiente, Atenção e Promoção à Saúde da Fundação, Valcler Fernandes, o Programa Institucional Crack, Álcool e outras Drogas. Diante do impacto na saúde das populações gerado pelo consumo de crack, álcool e outras drogas; a urgência em construir estratégias de transformação da situação de vício e suas consequências; e a necessidade de produção de conhecimento no campo da saúde mental, a Fiocruz decidiu criar o programa.

O seminário abordou as experiências de campo no Amazonas durante a Pesquisa Nacional sobre o Crack (Foto: Ana Paula Gioia/ILMD/Fiocruz)

 

O propósito do programa é dar apoio ao desenvolvimento de estratégias no enfrentamento das questões relacionadas ao consumo de crack, álcool e outras drogas, visto que há uma preocupação com a saúde pública e a humanidade dos usuários. Também quer acompanhar e contribuir com as ações do governo federal para enfrentar questões relacionadas a esses temas. Segundo Fernandes, a Fiocruz acredita que não se trabalha a problemática com repressão. “Trabalhamos com a lógica de coesão, por meio de uma abordagem que  valorize a construção de espaços de coesão social. O abuso de drogas e a criminalidade como sintomas de sociedades `fraturadas`, que necessitam de intervenção sobre a questão das drogas, no âmbito da saúde, segurança pública, legislação e desenvolvimento”, explicou.

Pretende-se gerar inovações por meio novas tecnologias de cuidado e intervenção; intersecções do cuidado ao usuário com a Assistência e Promoção Social, Justiça, Ministério Público, Educação, Cultura, Trabalho e Economia Solidária; e debates que incorporem as contribuições da sociedade civil. Envolverá diversos campos do conhecimento, como as ciências sociais, neurociências, farmacologia, psicologia, psiquiatria, antropologia, genética, dentre outras. E tem três dimensões: 1) técnico-assistencial por meio de serviços e programas; 2) jurídico-política, pela formulação de legislação específica e adoção de formas participativas de debate da sociedade com as instâncias formuladoras de políticas públicas; e 3) teórico-conceitual, pela contextualização do papel das drogas na sociedade ontemporânea e os determinantes sociais do uso abusivo.

Reflexão a respeito das políticas públicas sobre drogas

O psiquiatra e professor do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatria da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp Luís Fernando Tófoli,  afirmou que este é um problema sério demais para ficar sob a responsabilidade de apenas um setor. "É uma questão que exige ações intersetoriais (política, saúde, segurança etc). Há diversos pontos de vista que precisam ser considerados, visto que as drogas podem ser lícitas ou ilícitas e trazer malefícios (vício) ou benefícios (terapêuticos), dependendo do seu perfil, onde e como é usada. Muitas vezes demonizada, gera pânico moral e está associada à escravidão e à proibição".

Segundo Tófoli, há ideias que precisam ser estudadas como a promoção de experiências de redução de danos, descriminalização do uso de drogas, despenalização do pequeno tráfico, o uso terapêutico de drogas ilícitas e a reforma da saúde mental. Há diversas ações previstas que respeitam a vontade do usuário: hospitalidade, reabilitação psicossocial, unidades de  acolhimento transitório, consultório na rua e atenção ambulatorial, internação com consentimento do dependente químico (compulsória apenas se causa risco ao próximo).

Impressões sobre a vivência dos usuários de crack

A antropóloga Taniele Rui relatou algumas percepções da pesquisa que realizou para produzir a tese de seu doutorado, intitulada Corpos abjetos: etnografia em cenários de uso e comércio de crack e premiada na edição 2013 do Prêmio Capes. Em seus estudos constatou que a Cracolândia é por excelência  lugar onde se encontra uma variedade dos usuários e dos usos de crack, é ponto centrífugo das pobrezas urbanas; local de conflitos, de festejos e, sobretudo, um grande mercado no interior do qual o crack é vendido, comprado,  trocado, negociado e, fundamentalmente, explorado. Também é um balcão de informações em que as pessoas obtém dados sobre a droga (fornecedores, modos de consumo, diferença de preços, coloração etc) e uma terra de oportunidades, onde comerciantes exploram o mercado da droga, da alimentação, dentre outros.

Os usuários normalmente são marcados por ficarem muito tempo na rua e pelo uso da droga. Tem características peculiares como: sujeira nas unhas e dedos das mãos, dentes e bocas rachados, magreza. Com isso, enfrentam dificuldade de circulação, visto que as alterações em sua aparência implicam em mudanças das suas relações sociais.

Pesquisa sobre drogas na Região Norte

Durante o evento, o pesquisador do ILMD/Fiocruz Jesem Douglas Yamall Orellana abordou as experiências de campo no Amazonas durante a Pesquisa Nacional sobre o Crack e os seus principais resultados para o Brasil, capitais e não-capitais. A exposição foi resultado da sua participação na pesquisa ocorrida na Região Norte de um estudo encomendado pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça à Fiocruz. Para a realização do estudo, a equipe de pesquisa teve que buscar grupos de difícil acesso, devido à marginalização e/ou estigmatização. Cumpriram etapas tais como mapeamento das cenas de uso de crack e/ou similares; obtenção de subsídio para a elaboração e implementação do plano amostral em capitais e não-capitais; estabelecimento de parceria com os Distritos de Saúde (Disa), em Manaus, e no interior diretamente com as secretarias; visita às unidades de saúde da família e comunidade; e fechamento do cadastro e amostragem.

Dos resultados, as estimativas são válidas para usuários de crack e similares (pasta-base, merla e oxi) e considerou-se como “Uso regular” o uso da droga por pelo menos 25 dias nos últimos seis meses, seguindo definição da Opas (Organização Pan-Americana de Saúde). Das macrorregiões, o Nordeste, proporcionalmente, é a região que tem maior número de pessoas com uso regular de crack e/ou similares, seguido do Sul, Centro-Oeste, Norte e Sudeste. Quanto à faixa etária, nas capitais, a maioria é maior de idade e cerca de 50 mil são menores de 18 anos. Nas não-capitais, 70% está entre 18 e 24 anos.

Também foi demonstrado que 80% são homens e 20% mulheres, porém elas consomem duas vezes mais e apenas 29% prostituem-se em troca da droga. Aproximadamente 19% são de cor branca e 81% de não-branca, 60% são solteiros e 55% tem estudo de 4.ª até 8.ª série do ensino fundamental, a maioria 40% mora em casa própria ou de familiares e apenas 35% é morador de rua. Dos motivos para o uso, 29,2% foi por perdas afetivas/problemas familiares/violência sexual e 58,3% foi por vontade ou curiosidade de sentir o efeito da droga. O estudo desmitificou uma informação amplamente divulgada pela mídia de que o crack não mata em 3 anos, pois foram colhidos relatos de pessoas que usam a droga por mais de 8 anos.

Segundo Orellana, dos resultados da pesquisa é possível destacar que o consumo de crack e/ou similares nas capitais do país é um grave problema, com 370 mil pessoas, mas os usuários das demais drogas ilícitas representam aproximadamente o dobro desse contingente. No Norte do país apenas 20% dos usuários de drogas ilícitas usam crack e/ou similares e o que preocupa é a elevada proporção de violência sexual contra a mulher e a frequência de gestações nessas mulheres (10% das entrevistadas). Também demonstrou que são poliusuários de drogas, lícitas e ilícitas, principalmente do álcool, do tabaco, da maconha/haxixe e da cocaína aspirada e tem percentuais significativamente maiores de infecção pelo HIV e pelo HCV que a população geral.

Voltar ao topo Voltar