17/03/2017
Com o apoio do Ministério da Educação, o IBGE e o Ministério da Saúde realizaram, em todo o país, em 2015 a Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar - PeNSE, junto a 109.104 estudantes do 9º ano do Ensino Fundamental e entre 13 e 17 anos de idade que frequentassem do 6º ao 9º ano do Ensino Fundamental (antigas 5ª a 8ª séries) e da 1ª a 3ª série do Ensino Médio, no ano de referência da pesquisa. A pesquisa mostrou que 55,5% dos estudantes do nono ano do Ensino Fundamental responderam afirmativamente a já terem consumido bebida alcoólica. Sendo mais comum em alunos de escolas públicas (56,2%) do que entre as escolas privadas (5,12%).
As formas de obtenção de bebidas alcoólicas mais comuns citadas pelos estudantes do 9º ano foram: em festas (43,8%) e com amigos (17,8%). Mas, supermercados (14,4%), parentes (9,4%), outra forma não mencionada (5,4%), em casa sem a permissão dos responsáveis (3,8%), dando dinheiro a alguém que comprou (3,8%) e até com um vendedor de rua (1,6%).
O consumo de álcool entre jovens na adolescência pode levar à ingestão frequente de bebidas alcoólicas na juventude e idade adulta. Em 2015, o Ministério da Saúde lançou o relatório Vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico– Vigitel Brasil 2015, realizado com mais de 54 mil brasileiros nas capitais. Na pesquisa, dois indicadores abordavam especificamente o consumo de álcool pela população: um sobre o consumo abusivo de bebidas alcoólicas e outro sobre a condução de veículo motorizado após consumo de qualquer quantidade de bebidas alcoólicas.
Segundo o relatório, é possível confirmar os dados da PNS 2013. No total das 27 cidades, 5,5% dos pesquisados afirmaram dirigir após consumir qualquer quantidade de bebida alcoólica. No inquérito, as três faixas etárias que se destacam no consumo de álcool antes de dirigir são: de 18 a 24 anos (4,8%), 25 a 34 anos (8,7%) e 35 a 44 anos (6,4%). Outro dado relevante é que quanto mais anos de escolaridade, mais alto é o consumo.
Apelo do marketing
Em fevereiro de 2015, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar), órgão que regula a propaganda no país, lançou uma circular (01/2015) na qual ressaltava as precauções para a divulgação de publicidade e propaganda de bebidas alcoólicas para o período de verão e carnaval daquele ano. Na prática, eles apenas ressaltavam o que já está explícito em seu Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, anexos A, P e T.
Em linhas gerais, o documento enfatizava, dentre outros aspectos, que “apelos à sensualidade não constituirão o principal conteúdo da mensagem” e que a publicidade ou propaganda “não se apresentará ou sugerirá ingestão do produto, tampouco argumentos que apresentem o consumo de bebidas alcoólicas como sinal de maturidade, coragem pessoal, êxito profissional ou social, ou ainda que proporcione ao consumidor maior poder de sedução”. Além disso, destacam que a publicidade será voltada especificamente ao público adulto, não deverá “induzir ao consumo exagerado ou irresponsável” e “não se recomendará a bebida em razão do teor alcoólico ou de seus efeitos sobre os sentidos”.
Mesmo com todo esse cuidado, um estudo feito pelos pesquisadores da Organização Panamericana de Saúde (OPAS), Ce Zhang e Maristela Monteiro, intitulado Táticas e práticas da indústria do álcool na América Latina: o que os formuladores de políticas podem fazer? (do inglês Tactics and practices of the alcohol industry in Latin America: What can policy makers do?), alerta sobre o poderio das indústrias de bebidas alcoólicas em países da América Latina, em especial o Brasil e o México.
Uma matéria publicada no site do Conselho Regional de Medicinal de São Paulo (Cremesp) analisou o relatório dos pesquisadores da OPAS. O artigo chama a atenção para “o patrocínio de eventos esportivos, musicais e culturais é outra estratégia comum, que leva à interação da marca dos produtos alcoólicos com o público-alvo, observa o estudo, lembrando que ‘as empresas de bebidas alcoólicas investem milhões de dólares para patrocinar grandes eventos esportivos internacionais, como a Copa do Mundo de Futebol’”. E segue afirmando que “o crescente consumo de álcool na região é objeto de preocupação. A indústria é, muitas vezes, oportunista no direcionamento de campanhas de marketing a grupos vulneráveis, principalmente os jovens. Citando o psiquiatra brasileiro Adilson Laranjeira, o estudo salienta que, ‘no Brasil, a ampla publicidade do álcool na televisão atinge milhões de crianças e tem contribuído para o aumento de 10% no consumo de álcool a cada ano’”.
A epidemiologista e pesquisadora associada do Laboratório de Informação em Saúde (LIS) do Instituto de Comunicação e Informação Científica e Tecnológica em Saúde (Icict/Fiocruz), Giseli Damacena afirma que “o debate acerca da publicidade das bebidas alcoólicas também é fundamental para se pensar esse tema tão urgente e preocupante para a sociedade brasileira, já que as propagandas referentes ao uso do álcool estão sempre demonstrando o prazer e a alegria do uso de álcool entre jovens”.
Educar para prevenir
O coordenador-geral de Educação do Denatran, Francisco Garonce, defende que as ações educativas são fundamentais, mas serão ineficazes se não houver ações de fiscalização a elas associadas. “Há que se manter na mente de todos os condutores a informação de que após ingerir bebidas alcoólicas, mesmo em pequenas doses, é proibido dirigir. Mas os resultados só são percebidos, no sentido de aumentar a segurança, quando campanhas de fiscalização estão acontecendo regularmente nas ruas, junto com as campanhas educativas”, afirma.
Para Lucas Ribeiro, mestrando do Programa de Pós-Graduação em Informação e Comunicação em Sáude (PPGICS/Icict), pesquisador associado do LIS e um dos co-autores do artigo Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013, é importante avaliar o impacto das propagandas de ampla divulgação em relação à alcoolemia e acidentes de trânsito: “estudos de comunicação e saúde devem ser estimulados no sentido de avaliar como a mensagem chega ao receptor, e os ruídos que podem existir em tal processo”. Ele cita campanhas como O motorista da rodada, que já foi veiculada e outras de igual teor que precisam ser desenvolvidas.
“Além das campanhas educativas modeladas sob a ótica do sucesso das políticas de desestímulo ao consumo de tabaco, existe muita discussão acerca de se pensar quais são as estratégias mais eficazes para inibir tal comportamento tão nocivo para a sociedade, como as políticas de fiscalizações por pontos de sobriedade, como é o caso da Operação Lei Seca no Rio de Janeiro e a Operação Balada Segura no Rio Grande do Sul, além das políticas de aumento de preço das bebidas alcoólicas para se controlar o consumo de álcool”, explica Damacena.
O diretor-presidente do Observatório nacional de Segurança Viária (ONSV), José Aurélio Ramalho, acredita que as propagandas, tanto governamentais quanto de outros órgãos ou entidades ligados ao trânsito, cumprem o papel de alertar para os riscos, mas, “ocorre que para surtir o efeito esperado, a outra ponta envolvida, ou seja, a população deve contribuir. Adotar uma postura segura ao transitar é essencial para reverter o cenário de guerra que vivenciamos em nossas vias. Muitos se sensibilizam com campanhas; ficam chocados; Entretanto, quando estão na condição de condutores fazem o contrário. Por exemplo, aceleram acima do limite de velocidade permitido, utilizam o celular, entre outros comportamentos reprováveis”. O próprio Observatório desenvolveu e propôs um novo modelo de formação de condutores focados apenas na percepção do risco do que “no simples decorar regras e siglas, e que a preocupação seja maior com a possibilidade de uma atitude inconsequente resultar em morte e sequelas permanentes do que com autuações. Atualmente o condutor é adestrado para cumprir regras, apenas pelo fator pecuniário”, afirma Ramalho.
Todos os especialistas da área de saúde são unânimes em afirmar que a redução do consumo de álcool constitui uma prioridade de saúde pública, uma vez que impacta na redução de doenças cardiovasculares, hepáticas e mentais (como a depressão), câncer, além de acidentes e violências. Para Giseli Damacena, “tendo a PNS comprovado um maior risco de acidentes de trânsito diante do padrão de consumo abusivo e frequente de álcool, monitorar a alcoolemia dos motoristas passa a ser uma possibilidade de intervenção para que se fiscalize o consumo de álcool e, sobretudo, nas faixas etárias que apresentam maior grau de vulnerabilidade em relação a este consumo”, finaliza.
Esta é a quarta e última matéria da série Alcoolismo e trânsito, realizada pelo Icict/Fiocruz, com matérias sobre alcoolismo e os acidentes de trânsito, a partir do artigo Consumo abusivo de álcool e envolvimento em acidentes de trânsito na população brasileira, 2013, de Giseli Nogueira Damacena (LIS/Icict/Fiocruz) & et al.
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