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17/08/2018

Situação epidemiológica e manejo do sarampo em debate

Irene Kalil (IFF/Fiocruz) e Ricardo Valverde (Agência Fiocruz de Notícias)


O Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz) sediou, na quinta-feira (16/8), o seminário Uma antiga nova doença – Sarampo: manejo clínico e vigilância, uma parceria entre Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde (SVS/MS), Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro (SES-RJ) e Coordenação de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da Fiocruz. O evento reuniu gestores e profissionais das secretarias municipais de saúde de todo o estado e abordou a situação epidemiológica do sarampo no Brasil e o manejo da doença.

Evento reuniu gestores e profissionais das secretarias municipais de saúde de todo o estado (foto: Peter Ilicciev)

 

Na mesa de abertura, estiveram presentes a secretária municipal de Saúde de Niterói e diretora regional da Metropolitana 2 do Cosems-RJ, Maria Célia Vasconcellos; a subsecretária de Vigilância em Saúde da SES-RJ, Claudia Maria Braga de Mello; a representante do Departamento de Vigilância de Doenças Transmissíveis (Devit) da SVS/MS Wanessa Tenório G. H. de Oliveira; o diretor do IFF/Fiocruz, Fabio Russomano; o coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência (CVSLR) da Fiocruz, Rivaldo Venâncio da Cunha; e a presidente da Fundação, Nísia Trindade Lima. Os participantes da mesa destacaram a atualidade e relevância da discussão no contexto dos recentes surtos de sarampo após o país ter recebido, da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), a Certificação de Eliminação do Sarampo nas Américas em 2016. Todos reafirmaram, ainda, o compromisso da Fiocruz e das instâncias municipal, estadual e federal no combate à doença, que, este ano, já infectou mais de 1,2 mil pessoas e causou 6 mortes.

Sobre a situação epidemiológica do sarampo, a representante do Centro de Operações de Emergências em Saúde-Sarampo (Coes-Sarampo) do Ministério da Saúde, Priscila Leal, fez um histórico dos casos da doença no Brasil, desde 2012 até agora, ressaltando que, após dois anos sem novos casos, o país enfrenta surtos em Amazonas e Roraima, além de casos confirmados em São Paulo, Rio Grande do Sul, Rondônia, Pará e Rio de Janeiro. “Trata-se de uma doença de alta transmissibilidade e que afeta, principalmente, crianças de até 4 anos. Nesse sentido, é muito importante a intensificação das ações de vacinação e bloqueio e que seja feita a notificação imediata dos casos suspeitos”, afirmou.

Representante do Ministério da Saúde, Priscila Leal fez um histórico dos casos da doença no Brasil (foto: Peter Ilicciev)

 

De acordo com a assessora para Doenças Transmissíveis da SES-RJ, a epidemiologista Mônica Stavola, os casos confirmados da doença no Estado do Rio de Janeiro foram, em sua maioria, em jovens universitários, que circulam por vários ambientes – faculdade, academia, bares, festas –, o que dificulta a identificação dos locais frequentados pelos pacientes e por seus contatos. “Considerando esse fator, as medidas de controle devem ser iniciadas o mais breve possível. E, do ponto de vista do diagnóstico, todo caso suspeito deve ser investigado imediatamente”, destacou a médica.

A coordenadora-substituta do Programa Nacional de Imunizações (PNI) do MS, Ana Goretti, esclareceu que o problema dos recentes surtos de sarampo no Brasil não é a chegada de estrangeiros, mas a baixa cobertura vacinal que temos enfrentado, principalmente no que se refere à segunda dose da tríplice viral (que, além do sarampo, protege contra rubéola e caxumba). Para ela, o sucesso das ações de imunização no país causou uma falsa sensação de que não mais necessidade de se vacinar. Nesse sentido, a representante do PNI reforça a relevância da atual campanha, que se estende de 6 a 31 de agosto e é voltada a crianças de 1 a menores de 5 anos, mesmo que já tenham sido vacinadas anteriormente. “Nós, equipes de saúde, precisamos reafirmar a vacinação como um ato de amor e de responsabilidade social, mobilizando toda a sociedade brasileira para a importância de vacinar”, concluiu.

Coordenadora-substituta do Programa Nacional de Imunizações (PNI), Ana Goretti esclareceu que o problema dos recentes surtos de sarampo no Brasil não é a chegada de estrangeiros, mas a baixa cobertura vacinal (foto: Peter Ilicciev)

 

À tarde, uma mesa-redonda sobre manejo clínico do sarampo reuniu três pesquisadores da Fiocruz: José Augusto de Britto (IFF), Marilda Siqueira (Instituto Oswaldo Cruz/Fiocruz) e Alessandra Pala (IFF). Britto, que discorreu sobre manifestações clínicas, usou sua experiência em atendimento médico e fez um histórico da trajetória da doença no país. “Trata-se de uma doença viral infecciosa aguda extremamente contagiosa, mas prevenível por vacina. A vacina é segura e eficaz. Mas quando a cobertura vacinal é falha ou inexistente abre-se uma brecha”. O pesquisador disse que o profissional que alguma vez viu uma criança com sarampo jamais esquecerá o exantema vermelho típico. A transmissão se dá principalmente na fase que antecede o surgimento do exantema, estendendo-se por meio das vias respiratórias, sendo a conjuntiva ocular uma possível porta de entrada. O médico afirmou que o período de incubação varia de 10 a 14 dias e costuma ser mais longo nos adultos que em crianças. Em crianças de até 9 meses também pode ser mais longo pelos anticorpos maternos (cerca de 20 dias). Já o período prodrômico (ou fase catarral) dura quatro dias “É como um estado gripal, com coriza, mal-estar, tosse, anorexia, conjuntivite. A febre é crescente e verifica-se aumento de gânglios cervicais, lesão na mucosa oral que se confunde com monilíase e em crianças hepatoesplenomegalia”.

Britto disse que a fase exantemática varia de cinco a seis dias. “O exantema é máculo-papular, vermelho, com pele íntegra entre eles e surge em surtos por três dias tomando face, tronco e membros. E começam a desaparecer pelo quarto dia, na mesma ordem em que surgiram. De vermelho torna-se acastanhado. Acontece descamação furfurácea (pequenas escamas) e pode haver prurido”. A partir daí em geral há uma piora do quadro catarral e as mucosas de todo organismo são gravemente acometidas. Observa-se conjuntivite com inflamação extensa, edema palpebral e fotofobia. E as manifestações respiratórias incluem coriza mucopurulenta e tosse estridulosa pela laringotraqueobronquite. O pesquisador disse que o sarampo, em crianças brancas, é bem visível devido à pele clara. Ele deu uma dica de como diagnosticar em crianças que têm a pele mais escura: olhar embaixo do braço, que costuma ser mais claro, e mudar o foco de luz sobre o paciente. 

Médico da Fiocruz, José Augusto de Britto discorreu sobre manifestações clínicas da doença (foto: Peter Ilicciev)

 

A febre tem caráter crescente, podendo ser alta e contínua, principalmente no período do exantema. A medida que a febre começa a ceder, há remissão dos sintomas. A conjuntivite é superada, os sintomas respiratórios diminuem de intensidade e melhora o estado geral da criança. Nesse período é esperada a remissão completa do quadro febril, embora a tosse possa persistir por várias semanas. Britto recordou que no passado as mães costumavam pôr colares de alho em seus filhos com sarampo, além de passar batom nos olhos. Tradições que hoje são apenas curiosidade.

Em seguida houve a intervenção de Marilda Siqueira, que abordou o diagnóstico laboratorial do sarampo. A pesquisadora disse que é necessário coletar três swabs: um de orofaringe e dois swabs de nasofaringe, sendo um de cada narina. No caso do swab de nasofaringe a coleta deve ser realizada com a fricção na região posterior do meato nasal, tentando obter um pouco das células da mucosa. Já no caso de orofaringe deve ser feito com colher swab na área posterior da faringe e tonsilas, evitando tocar na língua. Segundo Marilda, “as amostras de sangue coletadas entre o 1º e o 28º dia do aparecimento do exantema são consideradas amostras oportunas. Os resultados de IgM reagente, indeterminado ou inconclusivo, independentemente da suspeita, devem ser comunicados imediatamente à vigilância epidemiológica, para a realização da reinvestigação e coleta da segunda amostra de sangue”.

Ela diz que em casos esporádicos a realização da segunda coleta de sangue é obrigatória e imprescindível para a classificação final dos casos e deverá ser realizada 15 dias após a data da primeira coleta. Marilda também comentou surtos de sarampo ocorridos no Brasil e a distribuição global dos genótipos e incidência nos anos 2000. Depois ela comentou sobre o diagnóstico molecular, que constitui uma ferramenta importante para a vigilância laboratorial. Em sua opinião, os desafios para sustentar a eliminação do sarampo são: obtenção e manutenção de altas coberturas vacinais e vigilância epidemiológica sensível; identificação precoce de casos; o alto fluxo de viagens internacionais no Brasil; a diferenciação entre cepas autóctones e selvagens; e a demonstração da ausência de circulação de um mesmo genótipo viral por mais de 12 meses. Marilda observou que o vírus do sarampo tem apenas um sorotipo e que a vacina protege contra todos os genótipos.

Pesquisadora da Fiocruz, Marilda Siqueira abordou o diagnóstico laboratorial do sarampo (foto: Peter Ilicciev)

 

Concluindo a mesa-redonda, a infectologista pediátrica Alessandra Pala tratou de complicações e tratamento. Ela recordou à plateia que não existe tratamento específico e que as complicações acometem o aparelho respiratório, gerando infecções bacterianas secundárias como otites e laringites (leves ou graves) e  pneumonias e podem gerar danos ao aparelho digestivo (enterites e enteroclites) e ao sistema nervoso central (encefalite, panencefalite esclerosante subaguda). Alessandra também listou as medidas de suporte para cada uma das complicações.

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