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05/06/2017

Vacinólogos e anti-vacinólogos

Reinaldo de Menezes Martins*


É uma constante na natureza e na vida social que todo movimento provoque um movimento contrário, o que pode incomodar, e mesmo ser prejudicial em alguns momentos, mas a síntese e os frutos dessa dialética superam os inconvenientes.

O medo e a hostilidade acompanham a história das vacinas, desde a vacina antivariólica até os dias de hoje. A vacina antivariólica causava muitos eventos adversos, inclusive porque o seu método de produção era artesanal e sem controles adequados. Mas, à medida que ficou claro para as pessoas que era uma forma eficaz de evitar a varíola, doença gravíssima, a sua aceitação foi se ampliando e se impondo.

Até hoje a única forma eficaz de mostrar o valor das vacinas e responder aos críticos é pela demonstração de que seus benefícios superam os seus riscos. Foi com essa vacina artesanal, proveniente do vírus da varíola animal, com eventos adversos graves e raros, e imunidade transitória, que se conseguiu erradicar a varíola do mundo.

Todas as vacinas (e medicamentos) têm eventos adversos associados. A utilização ou não de uma vacina na rotina dos serviços de saúde pública depende de uma avaliação criteriosa dos seus riscos e benefícios.

Para que essa avaliação seja válida, é preciso utilizar metodologia científica. As pesquisas que levam ao registro da vacina precisam obedecer às regras de boas práticas de laboratório, boas práticas de produção e boas práticas clínicas, controladas por comissões de ética independentes e pela agência reguladora nacional (Anvisa).

Mesmo após a aprovação da vacina, a avaliação continua sob a forma de estudos de pós-comercialização, pois os ensaios clínicos, por mais completos que sejam, envolvem número limitado de participantes. Assim aconteceu com a primeira vacina de rotavírus, que ao ser usada em larga escala associou-se a aumento de casos de invaginação intestinal, tendo sido suspensa. As vacinas de rotavírus atuais são eficazes e seguras.

Os eventos adversos também precisam ser investigados adequadamente para que se possa avaliar se são ou não causados pela vacina. Em alguns casos essa relação causal fica clara, mas em muitos outros é impossível estabelecer a causalidade, a não ser comparando a frequência do evento adverso entre vacinados e não vacinados.

À medida que as doenças foram desaparecendo ou se tornando raras pelas vacinações (por exemplo, varíola, poliomielite, sarampo, rubéola, difteria, tétano), foi diminuindo a tolerância pelos eventos adversos. Isto tem obrigado os produtores a investirem em vacinas cada vez mais purificadas e seguras, o que, ao lado de benefícios, tem contribuído para preços mais elevados. Além disso, essa purificação, paradoxalmente, pode diminuir a eficácia das vacinas, o que obriga a utilização de produtos imunoestimulantes (adjuvantes) ou o emprego de técnicas de engenharia genética, por exemplo, as vacinas de hepatite B e papilomavírus (HPV), que simulam a forma de vírus (“vírus-like particles”, VLPs).

No Brasil, os fatores que têm afetado mais as coberturas vacinais são notícias sobre eventos adversos, divulgados de forma alarmista (principalmente no caso da vacina HPV), o trabalho da mãe fora de casa (sobretudo para as coberturas vacinais acima de um ano de idade) e a falta eventual de vacina, em anos recentes. Também é difícil obter boas coberturas vacinais em adolescentes e adultos. O Ministério da Saúde precisa ter uma articulação oficial (e não informal, em esforços isolados) com o Ministério da Educação para promover a saúde nas escolas, inclusive vacinação.

Um outro problema sério é a falta de homogeneidade nas coberturas, principalmente nas áreas rurais e de difícil acesso. Um exemplo recente é a epidemia de febre amarela no interior de Minas Gerais, área com recomendação de vacina, atingindo adolescentes e adultos, embora a cobertura vacinal em crianças fosse boa.

É preciso tomar cuidado para não polemizar com os grupos anti-vacina, pois isso acaba por conferir credibilidade a acusações absurdas. O esclarecimento público é essencial, e principalmente os meios de comunicação de massa, os profissionais de saúde e de educação precisam estar bem informados, de forma transparente.

O caso da vacina de febre amarela, atualmente, é o mais espinhoso. Sabemos que há eventos adversos graves e raros associados ao seu uso, e as pessoas precisam estar informadas de que, apesar disso, não há outra maneira prática de evitar a doença, extremamente grave, a não ser a vacinação. Há evidências indicando que as causas são de natureza genética, pois não foram detectados problemas de qualidade da vacina de todos os produtores nem mutações no vírus vacinal. Vamos iniciar agora em Bio-Manguinhos/Fiocruz um estudo para tentar descobrir as causas genéticas destes eventos adversos graves, em parceria com o Ministério da Saúde e a Universidade Rockefeller, e quem sabe, encontrar um modo de evitá-los. Além disso, novas vacinas contra febre amarela estão em desenvolvimento, utilizando novas tecnologias, mas não sabemos ainda quando ficarão prontas.

É assim, neste processo de construção coletiva, entre sucessos, percalços e críticas, que os programas de vacinação vêm se fortalecendo e se aperfeiçoando em todo o mundo. Não há intervenção médica de melhor relação custo-benefício do que as vacinações, e o programa de imunizações do Brasil é justo motivo de orgulho, pelos imensos benefícios que tem gerado, sem qualquer restrição de acesso a ricos ou pobres.

*Reinaldo de Menezes Martins é membro da Academia Brasileira de Pediatria e consultor Científico do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz).

O artigo foi originalmente publicado no site da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) em 30/5.

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