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19/02/2016

Zika em líquido amniótico é similar ao da Polinésia Francesa

Maíra Menezes (IOC/Fiocruz)


Um artigo recém-publicado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz) na revista científica internacional The Lancet Infectious Diseases apresenta o primeiro sequenciamento genético completo de um vírus zika ligado a um caso de microcefalia no Brasil. O vírus sequenciado foi isolado em novembro de 2015 a partir do líquido amniótico de uma gestante da Paraíba cujo bebê foi diagnosticado com a malformação por meio de exame de ultrassom. Na ocasião, a evidência de que o vírus poderia ultrapassar a barreira placentária e atingir o feto foi informada ao Ministério da Saúde (MS), contribuindo para direcionar as investigações sobre o crescente número de casos de microcefalia no país e sua potencial relação com o vírus zika. O achado também foi citado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas) em um alerta sobre a possível associação entre o vírus e a malformação emitido em 1º de dezembro de 2015. Através da metagenômica, os pesquisadores obtiveram o sequenciamento completo do genoma do vírus zika presente na amostra. O sequenciamento total demonstrou uma homologia de 97% a 100% em relação ao genoma da cepa associada com o surto ocorrido na Polinésia Francesa em 2013.

Vírus zika foi encontrado no líquido amniótico mais de dois meses após gestantes apresentarem sintomas da doença (foto: Gutemberg Brito)

 

“Decidimos utilizar a metagenômica para investigar não apenas o vírus zika mas também se outros possíveis agentes infecciosos, como vírus e bactérias, poderiam estar presentes no líquido amniótico. Os resultados das análises revelaram que as únicas sequências obtidas em número altamente relevante se ‘alinhavam’ com o genoma do vírus zika. As análises filogenéticas das sequências obtidas demonstraram que o vírus zika presente no líquido amniótico era geneticamente muito próximo à cepa que circulou durante a epidemia que ocorreu na Polinésia Francesa em 2013, quando também foi identificado um aumento na ocorrência de malformações congênitas ”, afirma a virologista Ana Bispo, chefe do Laboratório de Flavivírus do IOC e uma das coordenadoras do estudo, ao lado do pesquisador Amílcar Tanuri, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A pesquisa também contou com a participação de cientistas do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e do Instituto Nacional de Controle e Qualidade (INCQS/Fiocruz), no Rio de Janeiro, e do Instituto de Pesquisa Professor Joaquim Amorim Neto (Ipesq), na Paraíba.

Sobre o estudo

O artigo descreve as análises que foram realizadas, em novembro de 2015, em amostras de líquido amniótico de duas gestantes paraibanas cujos fetos foram diagnosticados com microcefalia por exames de ultrassom. Nos dois casos, testes moleculares detectaram a presença do material genético do vírus zika nas amostras. As pacientes apresentaram os sintomas da zika entre a 10ª e a 18ª semana de gestação, mais de dois meses antes da coleta do líquido amniótico, que ocorreu na 28ª semana. Para os cientistas, a presença do material genético do vírus no ambiente intrauterino tanto tempo depois da fase aguda da doença sugere persistência da replicação viral, o que poderia em parte ser explicado pela imunidade imatura do feto. “Embora o vírus zika tenha sido o único agente encontrado no líquido amniótico, ainda assim, estudos complementares são necessários para confirmar que este vírus é a única causa da microcefalia nestes casos, mesmo que até o momento seja a mais forte evidência. Precisamos de estudos urgentes para compreender os mecanismos biológicos envolvidos na infecção e na sua possível ligação com as malformações fetais”, ressalta Ana Bispo.

O sequenciamento completo do genoma do vírus zika foi possível a partir das amostras de um dos casos. A sequência do genoma do vírus foi depositada no banco de genomas internacional GenBank, que pode ser acessado online. Enquanto a semelhança com a linhagem da Polinésia Francesa que circulou em 2013 foi de 97% a 100%, a comparação com dois vírus da África, identificados em Uganda e no Senegal, mostrou entre 87% e 90% de similaridade.

Os cientistas construíram também árvores filogenéticas (que indicam a proximidade genética entre micro-organismos de forma semelhante às árvores genealógicas, que apontam graus de parentesco). O estudo revelou, ainda, que o vírus zika detectado no Brasil em amostra de líquido amniótico faz parte da linhagem asiática – mesmo grupo filogenético dos vírus detectados nas Américas, no sudeste asiático e em ilhas do Pacífico. De outro lado, estão os vírus detectados na África, que fazem parte da linhagem africana. De acordo com os pesquisadores, a análise filogenética indica que essas duas linhagens vêm evoluindo de forma isolada há mais de 50 anos.

Uma comparação com genomas de outros vírus que pertencem ao gênero Flavivírus mostrou que, do ponto de vista genético, os vírus zika, incluindo a cepa recém-sequenciada, são mais próximos dos vírus da encefalite japonesa e da febre amarela do que do vírus da dengue. A análise não encontrou nenhuma evidência de mutação no vírus isolado a partir do líquido amniótico. “O vírus zika desafia a comunidade científica com uma série de perguntas. Nosso objetivo é contribuir para o esforço global de investigação e gerar conhecimento relevante sobre o tema”, sintetiza a virologista.

Contribuições anteriores da Fiocruz

Em 2015, a Fiocruz criou o Gabinete de Enfrentamento à Emergência Sanitária de Saúde Pública de Importância Nacional (ESPIN/Fiocruz), que visa aproveitar ao máximo as capacidades e os recursos disponíveis na instituição para atender à necessidade de dar respostas objetivas para o Ministério da Saúde e a população sobre a situação de emergência em dengue, chikungunya e zika no país.

Em novembro de 2015, o IOC, por meio do Laboratório de Flavivírus, concluiu diagnósticos laboratoriais que constataram a presença do genoma do vírus zika em amostras de líquido amniótico de duas gestantes do estado da Paraíba, cujos fetos tinham microcefalia detectada por meio de exames de ultrassom. A partir destas amostras foi realizado o estudo sobre o genoma do vírus recém-publicado na revista The Lancet Infectious Diseases.

Em janeiro de 2016, a Fiocruz anunciou a criação do Kit NAT Discriminatório para Dengue, Zika e Chikungunya. A inovação garantirá maior agilidade para os testes realizados na rede de laboratórios do Ministério da Saúde, além de reduzir os custos e permitir a substituição de insumos estrangeiros por um produto nacional. Idealizada pelo IOC e desenvolvida em parceria com o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP), a novidade conta com o apoio da Fiocruz-Paraná, da Fiocruz-Pernambuco e do Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos/Fiocruz).

Também em janeiro, o Instituto Carlos Chafgas (ICC/Fiocruz Paraná) desenvolveu um estudo que confirmou a transmissão interplacentária do vírus zika após a análise da amostra da placenta de uma gestante da região Nordeste, que apresentou sintomas compatíveis de infecção pelo vírus e que sofreu um aborto retido – quando o feto deixa de se desenvolver dentro do útero – no primeiro trimestre de gravidez. A pesquisa foi realizada em parceria com a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR).

No dia 5 de fevereiro, foi anunciada a identificação de partículas ativas do vírus zika em amostra de saliva e urina de pacientes coletadas durante a apresentação de sintomas compatíveis com a infecção. O estudo pioneiro foi liderado pelo Laboratório de Biologia Molecular de Flavivírus do IOC, em colaboração com o Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz) e o Laboratório de Mosquitos Transmissores de Hematozoários do IOC. Foi a primeira vez que vírus com potencial de provocar a infecção foram encontrados nestes fluidos, sugerindo a necessidade de investigar a relevância epidemiológica de potenciais vias alternativas de transmissão viral.

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