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09/11/2007

A importância da sazonalidade no controle nutricional de índios

Renata Moehlecke


Um estudo publicado na edição de novembro da revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz avaliou a influência da estação chuvosa na vida da comunidade indígena wari’, localizada em Rondônia, e constatou que o aumento da precariedade das condições ambientais e sanitárias, conforme ocorrem variações de períodos climáticos, pode intensificar a desnutrição. Os pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública Sergio Arouca (Ensp), do Centro de Ciências da Saúde da Universidade Federal de Santa Catarina e do Museu Nacional  da Universidade Federal do Rio de Janeiro apontam “a necessidade de se considerar a sazonalidade na definição de rotinas de vigilância nutricional e na análise dos perfis de nutrição de povos indígenas”.


 Posto Indígena Ricardo Franco, em aldeia wari (Foto: Kim-Ir-Sen/Agil)

Posto Indígena Ricardo Franco, em aldeia wari (Foto: Kim-Ir-Sen/Agil)


A pesquisa ainda averiguou que a prevalência da baixa estatura (62,7%) nas crianças wari’ de menos de 5 anos é seis vezes mais elevada que a média nacional registrada pela Pesquisa Nacional sobre Demografia e Saúde (PNDS). Os wari’ totalizam 2.700 indivíduos e são considerados o povo indígena mais numeroso de Rondônia.


“A despeito das evidências de que a sazonalidade na produção de alimentos é um aspecto comum à subsistência de muitas etnias indígenas, a discussão de seus reflexos sobre os perfis nutricionais encontra-se praticamente ausente da literatura”, comentam os pesquisadores no artigo. “Apresenta-se aqui, portanto, uma oportunidade ímpar para as rotinas de acompanhamento nutricional de populações indígenas, que apontam para a franca possibilidade de se intervir precocemente na trajetória de comprometimento nutricional”.


Foram feitas duas coletas de dados, uma entre novembro e dezembro de 2002 (final do período de secas e início do de chuvas) e a outra em maio e junho de 2003 (quando termina a estação chuvosa e começa a seca). A investigação teve como base a chamada antropometria nutricional (conjunto de técnicas utilizadas para medir o corpo humano ou suas partes) e verificou 279 e 266 indivíduos, respectivamente, entre 0 e 87 anos. Medidas de peso e estatura também foram obtidas pelo mesmo processo, que seguiu recomendações da Organização Mundial de Saúde (OMS).


A comparação dos números obtidos na primeira e segunda análise, ou seja, antes e após o período de chuvas, revelou um elevado grau de comprometimento do estado nutricional das crianças, adolescentes e adultos, ainda que, segundo o artigo, os fatores de ordem sazonal pareçam atingir os dois últimos grupos de modo menos intenso. “Embora as diferenças nem sempre alcancem significância estatística, as mudanças são consistentemente negativas, tanto para homens quanto para mulheres”, afirmam os pesquisadores no estudo publicado. De modo geral, foi observado no segundo inquérito uma diminuição das médias de peso. Verificou-se também uma prevalência na população, em geral, de baixa estatura (61,7%) e peso (51,7%). Segundo a pesquisa, o aumento do déficit estatural nos adolescentes (de 27,6% para 30,5%) não foi considerado significativo, para ambos os sexos. Sobrepeso e obesidade não foram vistos como expressivos na comunidade wari’ em qualquer das faixas etárias analisadas.


As práticas de subsistência praticadas pelos wari’, assim como a disponibilidade e tipos de alimentos consumidos, dependem diretamente das estações. O regime de chuvas divide o ano em dois períodos bem definidos, que influenciam a produtividade da pesca, caça e agricultura. A pesca costuma ser bem-sucedida nos períodos de seca, enquanto a caça ocorre com mais facilidade nas épocas de chuva, quando grandes áreas ficam alagadas e os animais restringem sua movimentação às proximidades da tribo. No entanto, nesse mesmo período, a caça ainda assim não compensa a menor produtividade da pesca. Os pesquisadores comentam que os integrantes da aldeia se referem ao local como “um lugar onde falta comida”. Os solos nos arredores da área onde se localiza o grupo não apresentam condições adequadas para o plantio e, em geral, a mandioca é o alimento mais cultivado, o que contribui para a redução da diversidade da dieta dos índios em questão.

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