02/03/2007
José da Rocha Carvalheiro
A Organização Mundial da Saúde (OMS), dirigida pela médica Gro Brutland, criou um organismo de análise macroeconômica na saúde. Não por acaso, já que ela figura entre os “principais economistas” do século 20 por ter presidido a cúpula das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (Rio-92), na qual firmou-se o conceito de desenvolvimento sustentável. Ela nada mais fez do que consolidar a idéia de associar saúde a desenvolvimento, tarefa de nossos dias. Reconhecendo a existência de um “complexo produtivo em saúde” constituído pelo setor industrial e pelo sistema de prestação de serviços, em mútua determinação.
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Carvalheiro: o dirigente máximo do sistema de saúde deve ser um profissional capaz de aliar habilidade política com formação técnica |
No caso brasileiro, não se pode pensar no sucesso do Sistema Único de Saúde (SUS) sem, simultaneamente, equacionar o processo de pesquisa, desenvolvimento e inovação em saúde, onde a “inovação” está em íntima conexão com o acesso a bens e serviços. O que não difere do senso comum de qualquer inovação estar sempre associada à sua difusão, o que a diferencia da mera invenção. Os mecanismos capazes de alavancar o desenvolvimento são de distinta natureza. Entre os de impulso está a pesquisa científica e tecnológica. Nesse sentido o sistema brasileiro de pós-graduação desempenha papel de relevo. Os mecanismos facilitadores começam a ser discutidos com cada vez maior clareza, como as compras do governo. Para mencionar apenas dois, temos a aprovação, no Congresso Nacional, da Lei da Inovação, e o recente decreto do presidente da República criando a Política Nacional de Desenvolvimento da Indústria Biotecnológica.
A missão da saúde pública no Brasil é difícil e complexa. O Ministério da Saúde conduz um dos mais importantes sistemas nacionais de saúde do mundo em desenvolvimento. O SUS não é invenção de gabinete. Fruto de um movimento social que, embora com raízes no século 19 e início do século 20, é resultado, em sua fase mais recente, do esforço de pouco mais de uma geração de militantes. Entre os protagonistas dessa militância figuram as organizações científicas da área da saúde que constituem na atualidade o Fórum da Reforma Sanitária. Num sentido mais amplo, o Fórum inclui novos parceiros: o Ministério Público e a Frente Parlamentar da Saúde. Tem sido este, nos últimos tempos, o principal mecanismo de debate (teórico e prático) dos principais temas que envolvem o SUS. Contando sempre com seu parceiro permanente: o “controle social” exercido no cotidiano do SUS e, especialmente, nos conselhos e nas conferências nacionais de Saúde. É necessário lembrar que a organização se dá não apenas em nível nacional, também nos 27 estados e nos quase seis mil municípios.
Os gestores também se organizam em seus Conselhos de Secretários de Saúde, estaduais (Conass) e municipais (Conasems e Cosems). Além de comissões de consenso intergestores nacional (tripartites) e em cada estado (bipartites). A governabilidade de um sistema com esta capilaridade está ancorada na capacidade de negociação permanente dos dirigentes do SUS em todos os níveis.
Portanto, considerando a complexidade das determinações que hoje sustentam esse arcabouço que envolve a organização da sociedade para enfrentar a missão de garantir o bem estar da população; e também considerando as peculiares condições dos avanços já conseguidos na organização da gestão do SUS; só podemos admitir que o dirigente máximo desse sistema – o ministro da Saúde – seja um profissional capaz de aliar habilidade política com formação técnica. Que seja capaz de um diálogo em nível elevado com os demais pares do estado democrático em todos os níveis, inclusive os poderes Legislativo e Judiciário, além do Ministério Público. Também com os produtores públicos e privados dos grandes setores do complexo produtivo (industrial e serviços). Com a academia, responsável pelo “impulso” em todos os setores. Além, obviamente, de ser um militante testado na prática democrática que impera no campo da saúde pública no Brasil. Com seus conselhos e conferências, que lhe conferem característica inédita no mundo.
Infelizmente esses dirigentes são raros e não se produzem em série. Nossa expectativa é que o presidente da República tenha em mente essa raridade ao fazer sua opção pelo novo ministro da Saúde.
*José da Rocha Carvalheiro é presidente da Associação Brasileira de Pós-graduação em Saúde Coletiva (Abrasco)