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21/07/2008

A saúde também está no rótulo

Fernanda Marques


Rótulos que não são tão informativos como deveriam e consumidores que não têm o costume de ler o que dizem as embalagens dos produtos de limpeza antes de utilizá-los: essa combinação é responsável por muitos acidentes que poderiam ser evitados, especialmente entre as crianças. O alerta é feito pela doutora em vigilância sanitária Rosaura Presgrave, do Departamento de Farmacologia e Toxicologia do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS) da Fiocruz. Desde 1997, Rosaura é responsável pela avaliação dos rótulos de produtos de limpeza que são analisados no INCQS. Os produtos são encaminhados ao Instituto pelas vigilâncias sanitárias estaduais ou municipais quando há alguma suspeita ou, então, por meio de programas regulares de monitoramento da qualidade. De acordo com o objetivo da análise, são feitos testes químicos, microbiológicos e/ou toxicológicos, sendo que os rótulos sempre são avaliados.


 Rosaura: O consumidor, antes de utilizar qualquer produto, seja medicamento, cosmético, alimento ou produto de limpeza, tem que ler o rótulo (Foto: Peter Ilicciev)

Rosaura: O consumidor, antes de utilizar qualquer produto, seja medicamento, cosmético, alimento ou produto de limpeza, tem que ler o rótulo (Foto: Peter Ilicciev)


Em artigo publicado em abril de 2008 no periódico científico Ciência & Saúde Coletiva, Rosaura e outros pesquisadores apresentam os resultados da avaliação dos rótulos de 158 produtos de limpeza analisados entre 1997 e 2002. O trabalho mostra que três quartos dos produtos apresentavam alguma inadequação no rótulo. Em entrevista à Agência Fiocruz de Notícias (AFN), Rosaura explica que ainda hoje, seis anos depois, a rotulagem de produtos de limpeza está longe do ideal e ressalta os cuidados que o consumidor deve ter na hora de comprar e usar esses produtos.

 

AFN: Por que a rotulagem de um produto é considerada uma questão de saúde pública?

Rosaura Presgrave:
O rótulo é um veículo de informações de risco. O consumidor, antes de utilizar qualquer produto, seja medicamento, cosmético, alimento ou produto de limpeza, tem que ler o rótulo, onde devem constar informações sobre o uso correto e precauções para evitar efeitos adversos desnecessários.


AFN: As informações encontradas nos rótulos dos produtos de limpeza são de fácil compreensão?

Rosaura:
As informações, quando existem, são claras e objetivas, capazes de serem compreendidas por uma parcela significativa da população. O grande problema não é a linguagem, mas a omissão de informações relevantes para que o usuário possa evitar riscos. Infelizmente, produtos sem rótulo continuam sendo comercializados no país, o que é um crime de saúde pública. Um fabricante que coloca um produto à venda sem nenhuma informação está desrespeitando a sociedade. Não usar produtos sem rótulo é uma regra básica. Os produtos piratas, vendidos sem rótulo e em garrafas PET, representam grande perigo, porque eles vão parar na geladeira e acabam sendo ingeridos, confundidos com refrigerantes ou água.


AFN: O que deve constar no rótulo para que ele seja considerado adequado?

Rosaura:
Todo produto tem riscos inerentes e, como o consumidor precisa conhecê-los, eles devem constar no rótulo. Este deve informar qual é a finalidade de uso do produto, isto é, para que ele serve; o modo correto de usar; as precauções; os primeiros-socorros, com orientações em caso de acidente; e os cuidados na conservação. A frase “conserve fora do alcance das crianças e dos animais domésticos” tem que estar em destaque no rótulo de qualquer produto de limpeza. A ingestão acidental destes produtos pelas crianças constitui um grande problema de saúde pública.


AFN: O que diz a legislação sobre a rotulagem de produtos de limpeza?

Rosaura:
Não existe uma única legislação sobre o tema. Há um decreto-lei, mais geral, e várias portarias e resoluções, que tratam de aspectos específicos. Um fabricante tem que seguir todas as diferentes legislações em que o produto dele se encaixa. Se uma legislação faz uma determinada exigência, esta tem que ser cumprida, ainda que as demais legislações não façam a mesma requisição. Se houver algum conflito, prevalece a hierarquia dos diplomas legais, ou seja, a lei prevalece sobre as portaria e resoluções. O fabricante tem por obrigação se manter informado sobre as legislações e segui-las. Com o Mercosul, novas regras estão sendo estabelecidas, de modo a adequar os produtos para exportação. O fato de não haver uma lei única, na verdade, é vantajoso, porque, assim, o sistema legal permanece flexível, possibilitando a adequação ao desenvolvimento tecnológico dos produtos.


AFN: Entre as informações que devem constar no rótulo, quais costumam ser mais negligenciadas?

Rosaura:
O rótulo não é uma área muito extensa e as informações obrigatórias por lei disputam espaço com as mensagens de marketing. O resultado é que, em geral, as informações sobre precauções saem prejudicadas. Os fabricantes tendem a achar que basta informar os primeiros socorros, sem chamar a atenção para os perigos associados ao produto. Ou seja: eles informam o que fazer em caso de acidente, mas não dizem claramente o que é necessário para evitar os acidentes.


AFN: Por que esses acidentes continuam ocorrendo?

Rosaura:
Acredito que faltam campanhas educativas para introjetar nas pessoas os cuidados necessários com os produtos de limpeza. É comum encontrá-los guardados no armário embaixo do tanque ou da pia da cozinha, ao alcance das crianças e dos animais domésticos. Às vezes, esses produtos estão até no chão, como aquela garrafa de desinfetante que, por praticidade, é deixada ao lado do vaso sanitário em muitas residências. Os produtos ficam expostos e, em geral, são coloridos, o que a chama a atenção das crianças. O risco dos produtos de limpeza costuma ser subestimado e a propaganda contribui para que as pessoas acreditem que eles são inofensivos.


AFN: Como a propaganda interfere nesse processo?

Rosaura:
Há comerciais de inseticidas, por exemplo, que alegam a segurança do produto porque ele é à base de água (e não mais de querosene). Mas o consumidor não pode esquecer que, embora o veículo seja a água, o princípio ativo do inseticida (o veneno) continua ali. Outros comerciais induzem o público a achar que um produto sem cheiro não faz mal e sabemos que não é bem assim. A propaganda, muitas vezes, leva as pessoas a acreditarem que os produtos são seguros independentemente de qualquer precaução. Tudo isso contribui para que os cuidados necessários sejam deixados de lado.


AFN: E o problema se torna ainda mais grave porque muita gente não se preocupa em ler os rótulos?

Rosaura:
Sim. Durante o doutorado, fiz um levantamento para verificar hábitos que pudessem estar aumentando a exposição das pessoas aos riscos dos produtos de limpeza. Uma das constatações foi que as pessoas costumam ler rótulos de medicamentos e alimentos, mas não de produtos de limpeza. Ler os rótulos de produtos de limpeza não é costume nem entre os indivíduos com maior escolaridade. Acredito que os motivos incluem a tendência de subestimar os riscos e a pretensa familiaridade com os produtos de limpeza. Isso significa que o consumidor, por achar que já conhece o produto, julga desnecessário ler o rótulo. Mas ele se esquece de que existem vários produtos novos no mercado ou mesmo produtos antigos com novas fórmulas. Eles têm composições químicas diferentes, que podem exigir cuidados também distintos.


AFN: Quanto a esses novos produtos ou novas fórmulas, não há um certo exagero?

Rosaura:
Claro. Hoje em dia, utiliza-se uma quantidade absurda de produtos de limpeza sem necessidade. Às vezes, são usados produtos com formulações muito semelhantes, teoricamente porque teriam finalidades diferentes. Só que isso gera o risco da mistura de produtos químicos. Afinal, para economizar tempo, a pessoa quer aplicar todos os produtos de uma vez só. As misturas, porém, podem ser bastante nocivas. Por exemplo: a combinação de água sanitária (cloro) com produtos à base de amônia (como os desinfetantes em geral) forma um gás chamado cloramina, que é profundamente tóxico quando inalado. O exemplo demonstra a importância de o rótulo apresentar a informação sobre o risco de misturas e o consumidor ter o hábito de ler o rótulo.


AFN: Pôr luvas antes de manipular produtos de limpeza funciona?

Rosaura:
Os produtos de limpeza, em geral, são à base de tensoativos, que são substâncias desengordurantes. Logo, um detergente não tira a gordura só da louça, mas da pele também. Por isso, a necessidade de o rótulo dizer que o consumidor deve evitar o contato do produto com a pele. O uso de luvas para lavar louça ou fazer faxina é considerado um exagero, mas não é. Trata-se de um cuidado com a própria saúde. A ausência desse cuidado acarreta um grande número de casos de dermatites e outros problemas de pele.


AFN: O que fazer em caso de acidente com produto de limpeza?

Rosaura:
Uma providência fundamental, mas que todo mundo esquece, é levar o rótulo para o médico. Sem o rótulo, o médico não tem como saber qual substância causou a intoxicação. E, sem essa informação, o tratamento fica prejudicado. Em caso de ingestão, é necessário derrubar o mito de que a pessoa precisa beber muita água e provocar vômito. Esse procedimento pode ser danoso, por exemplo, se a substância for cáustica, porque ela vai queimar o organismo duas vezes: uma quando foi ingerida e outra na hora do vômito. Deve-se beber água para diluir a substância no estômago, minimizando os efeitos tóxicos, mas, para isso, basta meio copo, para crianças, ou um copo, para adultos. O mais correto é procurar um médico ou um centro de controle de intoxicações, levando consigo o rótulo do produto. Beber leite também pode ser inadequado em casos de ingestão acidental de solventes e removedores, pois o leite facilitará a absorção destas substâncias. Por isso, o ideal é procurar socorro médico levando o rótulo do produto para receber o tratamento adequado.

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