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15/12/2011

Amazonas: lugar de destaque nas ciências da saúde durante a Primeira República

Fernanda Marques


Os atuais debates sobre a questão ambiental colocam a Amazônia no centro das atenções, tanto no Brasil como no exterior. Dessa forma, a região cumpre papel estratégico e não pode ser considerada ‘periferia’. De fato, historicamente, a Amazônia não ocupou lugar ‘periférico’. Entre 1890 e 1930, período de ebulição para a ciência e a saúde no Brasil, o estado do Amazonas se constituiu como um espaço importante da atuação da medicina tropical e das políticas de saneamento, em consonância com as teorias e práticas em voga nacional e internacionalmente. Este é o argumento central defendido pelo pesquisador Júlio César Schweickardt, da Fiocruz Amazônia, autor do livro Ciência, Nação e Região: as doenças tropicais e o saneamento no estado do Amazonas, 1890-1930, lançamento da Editora Fiocruz. Coeditado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam), o livro integra a Coleção História e Saúde.



“A Amazônia, especificamente a Amazônia Ocidental, participou ativamente das ideais científicas postas em prática no período, sendo a região um lugar central para a comprovação de algumas teorias, principalmente em relação às doenças tropicais”, destaca Schweickardt. “Os médicos atuantes na região estavam atualizados com as teorias científicas vigentes e a aplicação das medidas de saneamento e profilaxia no estado acompanhava os mesmos processos e técnicas usadas no Brasil e no exterior”, acrescenta.


O livro é fruto da tese de Schweickardt, que fez doutorado em história das ciências e da saúde na Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), sob orientação da professora Nísia Trindade Lima. “O estudo inédito empreendido neste livro a respeito do trabalho das comissões científicas que atuaram em Manaus e do Serviço de Profilaxia Rural, de intensa atividade no interior do estado do Amazonas, traz ao leitor o multifacetado quadro que não simplesmente relacionou, mas tornou indissociáveis natureza e sociedade, ciência e política, região e nação”, afirma Nísia.


A história contada no livro começa na Manaus da Belle Época, caracterizada pela efervescência da exploração da borracha, mas também pelas tensões sociais e pela emergência de doenças. O objetivo de Schweickardt era analisar as práticas médico-científicas e suas relações com as políticas de saúde no estado do Amazonas durante a Primeira República, com ênfase em duas doenças: a malária e a febre amarela. Estas enfermidades “foram centrais na história da ciência e da saúde pública, tanto por seu impacto epidemiológico e social como por sua relevância na agenda de pesquisa das recém-fundadas escolas de medicina tropical europeias”, explica Nísia. “Interessou-me entender como as ideias científicas sobre as doenças tropicais foram incorporadas, e muitas vezes reelaboradas, pelo pensamento médico local”, completa Schweickardt.


Como uma das motivações para o estudo, destaca-se a relativa ausência de trabalhos sobre a história da institucionalização da ciência no campo da medicina tropical e sua relação com as ações de saneamento no Amazonas. “As ações dos médicos e as práticas científicas realizadas no Amazonas são desconhecidas dos pesquisadores da área”, comenta o autor. Schweickardt apresenta a comunidade científica em atividade no estado naquele período, que incluía nomes como Alfredo da Matta, Wolferstan Thomas e outros médicos reunidos em torno da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Amazonas e da revista Amazonas Médico. As imagens de ‘natureza’ criadas para ‘explicar’ os ‘trópicos’ e as expedições à Amazônia lideradas por Oswaldo Cruz (1910) e Carlos Chagas (1912-1913) também foram alvo das análises de Schweickardt. 


“As fontes utilizadas são, em parte, inéditas, e muitas não trabalhadas na perspectiva adotada no livro”, conta o autor, que denominou sua metodologia de ‘etnografia baseada em fontes históricas’. A expressão se refere à preocupação do pesquisador em dar materialidade ao passado, “de modo que se tornasse possível visualizar os guardas e inspetores sanitários andando pelas ruas com seus uniformes e instrumentos de desinfecção, dando combate às doenças e caçando os mosquitos”. O resultado, nas palavras de Nísia, é uma obra de “valor para diversos domínios da pesquisa histórica: a ciência, o espaço urbano, as políticas de saúde e as relações entre região e nação”.


Publicado em 15/12/2011.

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