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21/07/2009

Antropologia ajuda a melhorar a saúde indígena no Rio Negro

Ana Paula Gioia


O pesquisador Maximiliano Ponte, do Instituto Leônidas e Maria Deane (ILMD/Fiocruz Amazônia), realizou um trabalho em Iauaretê, localidade indígena situada no Alto Rio Negro, na fronteira do Brasil com a Colômbia, e dividida em dez vilas com estruturas independentes entre si. O objetivo da pesquisa era investigar os diferentes modos de construção da juventude na localidade, analisando as relações entre álcool e violência, sob o ponto de vista nativo. O estudo, que resultou em três artigos científicos reunidos na tese de doutorado de Ponte, aborda o conflito pelo consumo de bebida alcoólica, o modo de beber influenciado pelo cenário contemporâneo e a violência num contexto de parentesco e afinidade.


 Estudos antropológicos da Fiocruz Amazônia visam melhorar a saúde indígena (Pintura: Rugendas) 

Estudos antropológicos da Fiocruz Amazônia visam melhorar a saúde indígena (Pintura: Rugendas) 


A pesquisa buscou conhecer quem são os jovens indígenas de Iauaretê, considerando-os pessoas em fase intermediária entre a infância e a velhice, etapa da vida marcada pela desobediência e pela ambiguidade. Ponte também se preocupou em analisar o contexto sociocultural contemporâneo associado à forma como os jovens consomem as bebidas alcoólicas (caxiri e cachaça). O pesquisador verificou, então, que as festas são ambientes onde os jovens consomem álcool sentindo-se no dever de fazê-lo para demonstrar virilidade. Trata-se de um modo de substituir os rituais de iniciação, assim como de estabelecer laços e expressar alianças entre os jovens das diferentes vilas de Iauaretê.


Ponte também observou quais seriam as relações entre as formas atuais de uso de bebidas e a violência praticada e sofrida pelos jovens. Segundo ele, não é possível estabelecer relação direta entre o uso de álcool e a violência, mas as situações em que há consumo de bebidas são consideradas pelos indígenas de Iauaretê como momentos culturalmente adequados para a explicitação das desavenças, sendo as brigas dos jovens formas de se evidenciar as diferenças e as alianças. O conflito, portanto, é geralmente justificado como um mecanismo de demarcação de limites entre os moradores das vilas, considerados "os da terra" ou "os de dentro", além da defesa do parentesco e da afinidade.


As brigas dos jovens de Iauaretê, especificamente do sexo masculino, são um processo indígena que pode representar um ritual de passagem para a vida adulta. Pais e mães as consideram um problema importante, pois geram a estigmatização dos jovens como alcoólatras. Além disso, a pouca tolerância dos jovens ocasiona violência, acompanhada por situações de ferimento e até morte. Ao mesmo tempo, esse processo intensifica a seleção de entrada e saída de membros das vilas, como estratégia de definição de limites identitários. Segundo Ponte, a articulação da saúde coletiva e da antropologia visa facilitar a inserção do problema da violência entre as especificidades da saúde indígena e colaborar com a indigenização da modernidade, por meio da investigação do contexto em transformação em Iauaretê. 


Outro estudo antropológico que visa melhorar a saúde indígena foi realizado por Esron Rocha. Em sua dissertação de mestrado Uma etnografia das práticas sanitárias no Distrito Sanitário Especial Indígena do Rio Negro - Noroeste do Amazonas, defendida  na Universidade Federal do Amazonas, ele fez um diagnóstico da qualidade do atendimento às mulheres na comunidade indígena de etnia Baniwa, especificamente àquelas que estavam em fase de pré-natal, realizado pelos agentes de saúde. Orientado pela pesquisadora do ILMD Luiza Garnelo, Rocha detectou, em sua pesquisa, problemas tais como gestantes que não fazem o pré-natal ou vão a poucas consultas durante gravidez; roteiro de perguntas do pré-natal inadequado, isto é, estruturado  para não-indígenas; e enfermeiros e médicos cujas funções não são bem definidas, gerando conflitos relacionados à competências e à equidade de remuneração. A dissertação, ao analisar os cuidados com a saúde das crianças, verificou preocupação em pesá-las e medi-las, mas não havia acompanhamento periódico nem avaliação das questões psicomotoras.


Tanto a pesquisa de Maximiliano Ponte quanto a de Esron Rocha foram apresentadas durante a 61ª Reunião da Sociedade Brasileira do Progresso da Ciência, em julho. Na ocasião, a pesquisadora do ILMD Luiza Garnelo também apresentou uma palestra. Ela traçou um panorama das políticas indigenistas e indígena no Brasil, que foram marcadas pela forte presença do Estado brasileiro por meio da Fundação Nacional do Índio (Funai), encarregada de prestar assistência e promover a aculturação dos povos indígenas; pelo crescimento das ONGs, a partir da década de 1990, apoiadas no ambientalismo internacional; pela tensão causada por disputas de recursos naturais; pelo estabelecimento dos direitos indígenas na Constituição de 1988; pela política de descentralização, que delegou aos municípios a responsabilidade de oferecer assistência básica de saúde; pela dificuldade enfrentada pelo SUS em estender a cobertura de saúde às áreas rurais; e pela carência histórica de políticas específicas dirigidas às minorias étnicas.


Luiza relatou que, para atender à demanda de cuidados da população indígena, surgiu o Subsistema de Atenção à Saúde Indígena. Este esbarrou dificuldades para implantar uma rede própria de prestação de serviços, encontrando na contratação de entidades privadas uma forma de viabilizar a assistência. Tais entidades, por sua vez, não estavam preparadas para as especificidades identificadas junto aos indígenas. Segundo Luiza, diante deste cenário, o Ministério da Saúde, por intermédio da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), assumiu a responsabilidade de estruturar o subsistema. Hoje, está em fase de implantação uma secretaria específica para o índio, cujas ações deverão ser executadas por ONGs indígenas e não-indígenas e prefeituras. 


Publicado em 21/07/2009.

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