11/08/2008
Catarina Chagas
“Ser mãe é uma ciência”. Assim a médica Maria Martha de Luna Freire, do Instituto de Saúde da Comunidade da Universidade Federal Fluminense (UFF), resume o conceito de maternidade apresentado nas revistas femininas do início do século 20. Em seu artigo publicado na revista História, Ciências, Saúde – Manguinhos, da Fiocruz, a pesquisadora expõe os resultados da análise de duas publicações de grande circulação no Rio de Janeiro naquela época: Vida Doméstica e Revista Feminina.
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Capa da revista Vida Doméstica, que exaltava a maternidade a cada edição |
“Nos anos 20, a identidade de mãe moderna como novo papel social inseria-se no conjunto mais amplo de propostas de reorganização da sociedade brasileira”, explica a autora. A mulher era responsável por criar novos cidadãos para o Brasil, contribuindo ativamente para o progresso da nação”. Ainda que vinculada à natureza feminina, ao associar-se ao projeto modernizador nacionalista a maternidade ultrapassava a esfera doméstica e adquiria um caráter de missão patriótica”, completa Martha.
Em todo o mundo, o maternalismo esteve associado à valorização da ciência. Assim, as justificativas para a importância da mulher na criação dos novos brasileiros vinham das questões sanitárias. O papel das mães estava relacionado, por exemplo, à redução da mortalidade infantil por meio da alimentação adequada, da higiene e do cuidado. Banho, limpeza da casa, conversas com os filhos e brincadeiras infantis deixaram de ser atividades rotineiras para transformar-se em operações científicas.
Paralelamente, a imprensa florescia no Brasil e propiciava a expansão dos periódicos ilustrados. As revistas femininas, então, tornaram-se os instrumentos mais adequados para a difusão de ideais maternalistas. “Ao mesmo tempo em que refletiam idéias de progressistas e feministas, as revistas ajudavam a moldar esse novo papel das mulheres como mães”, ressalta a pesquisadora.
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Capa da Revista Feminina, que difundia o maternalismo |
As revistas exerciam, ao mesmo tempo, o papel de entreter e doutrinar, o que fazia delas suportes ideais para a difusão de novas propostas de mudança de comportamento. Manchetes como A glória incomparável de ser mãe! (Vida Doméstica, 1928) e A maternidade é a casa da nação (Revista Feminina, 1922) exaltavam a maternidade a cada edição.
Mesmo líderes feministas como Bertha Lutz, apesar de defenderem o trabalho como caminho para a emancipação das mulheres, não desmereciam o importante papel maternal. Segundo entrevista de Bertha à Revista Feminina, o feminismo não afasta a mulher de casa. Pelo contrário, a feminista afirmava que “o lar é a base da sociedade e a mulher estará sempre integrada ao lar”.
A mulher moderna, porém, não deveria guiar-se apenas pelo instinto maternal. Os novos ideais de maternidade requeriam a incorporação de conhecimentos científicos. “Era esperado que a mulher assumisse técnicas científicas destinadas à criação dos filhos, de forma a preservar sua saúde e garantir seu crescimento e desenvolvimento adequados”, conta Martha. As revistas funcionavam, então, como consultórios médicos de papel: as sessões de cartas respondiam dúvidas das leitoras, as reportagens ofereciam instruções quanto a medidas de higiene e prescreviam complementos alimentares e medicamentos.
Publicado em 08/08/2008.