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04/06/2010

Artigo brasileiro é o mais acessado do mês de maio em períodico científico


Um artigo de revisão publicado por pesquisadores do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/FFiocruz) alcançou o posto de mais acessado dos últimos 30 dias do periódico científico Malaria Journal. Publicado em 30 de abril, o artigo trata da longa luta do Brasil contra a malária, abordando as estratégias de combate e prevenção e aspectos importantes relacionados ao controle da doença. A revista tem fator de impacto de 2,91 e publica artigos de grande relevância na área, frutos de pesquisa realizadas em instituições de todo o mundo. O artigo é uma parceria entre os pesquisadores do IOC e José Ladislau, coordenador do Programa Nacional de Controle da Malária, Marcus Vinicius Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e da Universidade do Estado do Amazonas, Patrícia Brasil, do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz) e Pedro Tauil, da Universidade de Brasília.


 O artigo <EM>Malaria in Brazil: an overview</EM> foi o mais acessado do último mês na revista

O artigo Malaria in Brazil: an overview foi o mais acessado do último mês na revista


No artigo, Joseli Ferreira e Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, pesquisadora e chefe do Laboratório de Pesquisa em Malária do IOC, respectivamente, abordam questões relevantes para o aprimoramento do combate à malária no Brasil. Apesar de apresentarem a doença como uma importante questão de saúde pública nacional, com 306 mil novos casos registrados em 2009, destacam a evolução seu controle, uma vez que já chegou a registrar cerca de seis milhões de novos casos por ano, na década de 1940. Entre os aspectos destacados pelos pesquisadores está, por exemplo, a associação dos casos de malária com cada tipo de plasmódio (parasito causador da doença), o que influencia as taxas de morbidade e a ocorrência de complicações clínicas da doença. Entre os casos atualmente registrados no Brasil, há um predomínio do Plasmodium vivax, responsável por 83,7% dos casos, seguido pelo Plasmodium falciparum, causador de 16,3% dos registros.


A emergência de linhagens de parasitos resistentes aos tratamentos hoje empregados e os registros de infecções assintomáticas também são destaque no artigo. Os dados apontam para a necessidade de novos estudos que possam analisar melhor os mecanismos de resistência do parasito e de resposta imune do organismo humano. Claudio e Joseli destacam, ainda, fatores sócio-econômicos e dificuldades de aplicação das medidas tradicionais de controle para a persistência da doença na região Amazônica. Segundo o artigo, embora o mosquito Anopheles darlingi, principal vetor da malária, seja atualmente encontrado em cerca de 80% do território nacional, 99,8% dos casos registrados acontecem nessa região.


A malária no mundo


A cada 30 segundos, uma criança africana morre de malária. O número triste e impressionante evidencia a forma inclemente como a África é atingida pela doença, que também permanece endêmica em países da Ásia e da América Latina, inclusive o Brasil. Apenas em 2009, 306 mil casos foram registrados no país, quase a totalidade na região amazônica. No Dia Mundial de Combate à Malária, em 25 de abril, especialistas chamaram a atenção para os obstáculos em série colocados pela doença.


“A malária coloca desafios globais, como a resistência a medicamentos, e no Brasil apresenta desafios locais para o controle, associados às condições da área amazônica, endêmica para a doença”, afirma o chefe do Laboratório de Pesquisas em Malária do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Claudio Tadeu Daniel-Ribeiro, destacando que apenas 20 dos 807 municípios amazônicos concentram nada menos que 50% dos casos do país. Além de desenvolver pesquisas em diversas abordagens – sobretudo aspectos imunológicos da doença –, o laboratório é referência junto ao Ministério da Saúde para a extra-Amazônia, atuando no diagnóstico de casos.


Surpresas


O artigo, que também é assinado por quatro outros especialistas do Instituto de Pesquisa Clínica Evandro Chagas (Ipec/Fiocruz), Fundação de Medicina Tropical do Amazonas e Universidade de Brasília, além do coordenador do Programa Nacional de Controle da Malária, José Lázaro de Brito Ladislau, ressalta aspectos recentes que têm chamado atenção dos malariologistas brasileiros. Nos últimos anos, um padrão incomum de complicações clínicas associadas a casos fatais com P. vivax tem sido observado, fato cuja causa ainda demanda investigações. Ao mesmo tempo, observam-se evidências do surgimento de cepas de P. vivax resistentes à cloroquina, principal estratégia medicamentosa para a doença.


O especialista indica que o problema da resistência do parasito aos medicamentos disponíveis tem dimensão global. O Brasil adotou a estratégia preconizada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) de usar associações de drogas no intuito de reduzir as chances de induzir resistência. A opção pelo uso de derivados da artemisinina em combinação com outros medicamentos é resultado desta orientação. Na Ásia já existem relatos de resistência a derivados da artemisinina, fato que gera grande preocupação uma vez que não há perspectivas no momento de substituição dessas drogas por outras mais modernas.


Para monitorar a resistência, o pesquisador indica que estudos clínicos e in vitro são importantes. “No organismo, o medicamento atua em paralelo a mecanismos bioquímicos, enzimáticos e imunológicos complexos. Em estudos in vitro isolamos a ação do medicamento sobre o parasito, então podemos antecipar a tendência de resistência antes dela ser detectada como caso clínico”, afirma.


O artigo também chama atenção para um fato que pode ser foco promissor para novas pesquisas: foram identificados casos de infecção assintomática pelo P. falciparum e P. vivax, o que sugere um padrão de imunidade clínica. “A compreensão sobre os mecanismos de imunidade associada à exposição ao Plasmodium é um dos pontos críticos para o desenvolvimento de uma vacina”, o pesquisador informa.


Lá e cá


Segundo Claudio, na Amazônia uma série de fatores combinados favorece a transmissão da doença e dificulta as estratégias de controle. Fora das áreas endêmicas, o diagnóstico rápido é crucial para o bom prognóstico dos pacientes. “Na Amazônia, o diagnóstico óbvio, elementar, é a malária. O mais difícil é o profissional de saúde que não está numa área endêmica considerar a malária como um diagnóstico possível. Os médicos precisam observar não só a sintomatologia, que é pouco específica, mas também estar atentos para questionar ao paciente sobre viagens recentes, investigando a possibilidade de incursão em áreas endêmicas”, aponta Claudio, que pavimentou a carreira acadêmica como pesquisador imunologista, mas é médico por formação.


A informação dos turistas também é fundamental. “O viajante que foi a uma área endêmica precisa saber que qualquer febre pode ser malária e que malária mata. Essa informação pode salvar vidas”, justifica. Durante a estadia, é importante conhecer os hábitos do mosquito vetor –predominantemente noturno, com pico de atividade nas primeiras horas da madrugada –, evitando pernoitar próximo a coleções hídricas, já que água parada, sombreada e limpa é o criadouro preferencial dos anofelinos. O uso de repelente, roupa fechada, janelas teladas e mosquiteiros é recomendado.


Perspectivas


No conjunto, os avanços do Brasil no combate à malária sobrepujam os revezes. O número de internações despencou de 53.450 em 1994 para 18.037 em 2000 e 4.442 em 2009. Os óbitos atribuídos à doença caíram ainda mais – de 897 em 1984 para 58 em 2009 –, resultando na taxa de mortalidade mais baixa registrada até hoje – de 0,038% em  2000 para 0,013% em 2009.


“Esses resultados estão associados a diversos fatores, mas sem dúvida se devem a um esforço ímpar de diagnóstico e tratamento oportuno”, Claudio avalia. Dados de 2008 indicam que 59% de todos casos de malária registrados na região amazônica naquele ano foram tratados nas primeiras 48 horas após o aparecimento dos sintomas. “Essa medida de rápida intervenção não apenas evita a evolução de pacientes para complicações que podem conduzir a óbito ou sequelas, minimizando os evidentes custos humanos da malária, mas também interfere no ciclo da doença. Assim, o paciente é tratado antes que o Plasmodium adquira as formas que podem ser transmitidas pelo mosquito”, esclarece.


O especialista acrescenta também os custos econômicos da doença. “Se considerarmos que cada paciente com malária precisa de cerca de dez dias de afastamento de suas atividades, tivemos um impacto econômico de mais de três milhões de dias de trabalho em 2009, sem contar gastos com tratamento e internações. Isso corresponde a cerca de 8.3 mil trabalhadores parados por um ano”, o pesquisador calcula.


Segundo Claudio, o Brasil tem um programa bastante exemplar, com uma rede gratuita que visa diagnosticar e tratar precoce e adequadamente a malária – o que é muito diferente da realidade no continente africano, por exemplo. Na equação de um difícil contexto de controle na região endêmica e de novos e intrigantes fatos verificados na rotina de vigilância da doença, Claudio defende o investimento em ciência associada à medicina. “A malária é uma doença predominantemente de áreas rurais, mas também de áreas urbanas. No nosso caso, foi o homem que entrou na casa do mosquito, o que dificulta as ações”, pondera. “A saída provavelmente reside na manutenção das ações de controle de forma permanente e continuada, combinada com o investimento em pesquisa que possa desembocar na produção de novos insumos para a saúde, relevante dada a ameaça permanente de resistência dos parasitos, e o desenvolvimento de uma vacina, o que poderia modificar radicalmente o cenário de controle da doença no Brasil e no mundo”, sintetiza.


O terceiro artigo do Malaria Journal mais lido no período também tem autoria brasileira. A pesquisa, que contou com a participação de pesquisadores da Fiocruz Bahia, comparou a eficiência de três metodologias distintas para a realização do diagnóstico da malária e analisou a eficiência de uma abordagem computacional inovadora para o diagnóstico de doença assintomática.


Publicado em 1º/6/2010.

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