03/02/2020
O pesquisador Andrey Cardoso, da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), foi autor principal do estudo que apresentou as características do primeiro surto de gripe documentado em povos indígenas no Brasil. Publicada na revista científica Plos One, a pesquisa revela que no período do surto, ocorrido entre 30 de março e 14 de abril de 2016, foram detectados 73 casos de infecção respiratória aguda (IRA) em 170 indígenas residentes da aldeia Guarani, no sudeste do país, o que representa 75,3% dos casos notificados no primeiro semestre daquele ano. A presença de dificuldade respiratória foi verificada em 20,6% dos casos, 9,6% dos casos foram hospitalizados e coletou-se swab nasofaríngeo em 19,2% dos casos, sobretudo nos de maior gravidade. A cobertura vacinal contra influenza na população antes do surto era de 86,3%.
De acordo com a pesquisa Investigação de um surto de doença respiratória aguda em uma aldeia indígena no Brasil: contribuição da Influenza A (H1N1) pdm09 e vírus sincicial respiratório humano, a maioria dos 73 casos foram de Síndrome Gripal (ILI) (63,0%) ou de Síndrome Respiratória Aguda Grave (Sari) (20,5%). A taxa de ataque de ILI + Sari na população foi de 35,9% e incrementou nos grupos etários mais jovens, atingindo 83,3% e 70,8%, em menores de um ano e entre 1 e 4 anos de idade, respectivamente.
Os resultados mostraram a chegada antecipada da temporada de influenza, anterior à campanha de vacinação contra o vírus de 2016. Ao mesmo tempo, foi confirmado o surgimento e a disseminação de um novo grupo genético da influenza – não coberto pela vacina de 2015 – e uma sobreposição com a estação do vírus sincicial respiratório humano (hRSV). A confluência dessas circunstâncias em uma aldeia indígena, onde vários fatores de risco para infecção e gravidade são altamente prevalentes, pode explicar a alta taxa de ataque de IRA, apesar da elevada cobertura de vacinação contra influenza, o que confirma a vulnerabilidade dos povos indígenas a infecções respiratórias agudas.
“A literatura sobre a investigação de surtos de doenças respiratórias agudas entre populações indígenas é escassa em todo o mundo. No Brasil, os surtos são relatados por meio do sistema de informações oficiais do Ministério da Saúde, e observou-se que dados de doenças como influenza ou outros vírus respiratórios são analisados, mas raramente publicados. O artigo aponta para a importância da vigilância de vírus respiratórios, vacinação oportuna e controle dos fatores de risco para infecção e gravidade nas populações indígenas, a fim de prevenir doenças e mortes relacionadas, principalmente em crianças. Essa questão se reveste de especial importância na iminência da disseminação mundial do novo coronavírus (2019-nCoV)", disse o autor principal.
O artigo publicado na Plos One reuniu pesquisadores da London School of Hygiene and Tropical Medicine, do Laboratório de Vírus Respiratórios e Sarampo do Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), da Universidade Federal Fluminense (UFF), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), da Secretaria Especial de Saúde Indígena, da Secretaria Municipal de Saúde de Paraty e da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, em Brasília.