30/01/2020
Julia Dias (Agência Fiocruz de Notícias), com informações do Nuffield Council on Bioethics
Com apoio da Fiocruz, o Conselho de Bioética de Nuffield emitiu, na última terça-feira (29/1), um Apelo à Ação para que financiadores de pesquisas, governos e outros envolvidos em sistemas de pesquisa em saúde adotem uma abordagem mais ética e colaborativa da condução de pesquisas durante emergências, como surtos de doenças infecciosas. O mais recente surto do novo coronavírus em Wuhan, China, ilustra como de repente surgem novas ameaças e o importante papel que a pesquisa tem que desempenhar na compreensão da natureza da ameaça e em como responder de maneira eficaz.
As pressões e circunstâncias angustiantes de tais situações de emergência podem levar a incertezas sobre o que é eticamente aceitável com relação à condução de pesquisas, o que pode significar que pesquisas valiosas são impedidas ou que práticas antiéticas podem se infiltrar sem serem detectadas. O Brasil viveu uma situação similar durante o surto de zika, em que se sabia muito pouco sobre os efeitos congênitos do vírus e a pesquisa precisou avançar rapidamente. A Fiocruz desempenhou um papel central na resposta à emergência, antes, durante e após o surto. “É crucial que financiadores, autoridades de saúde, pesquisadores, profissionais de saúde, organizações internacionais e a sociedade garantam respeito à comunidade local e respondam às suas necessidades mais prementes", afirma a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade Lima.
Após uma investigação de dois anos, a Chamada de Ação do Conselho de Nuffield destaca uma série de propostas. Entre elas, mais investimento no envolvimento da comunidade, a garantia que as necessidades básicas de saúde dos participantes sejam atendidas antes de prosseguir com qualquer projeto de pesquisa e melhor suporte para o planejamento de emergência, para garantir sistemas robustos de saúde e pesquisa em saúde que assegurem a preparação entre emergências. Para isso, financiadores precisarão trabalhar em parceria com organizações humanitárias e ministérios da saúde.
“As pesquisas realizadas durante emergências globais de saúde envolvem pessoas, famílias e comunidades reais. Isto exige muito delas, principalmente no interesse de outras pessoas, em um momento de grande angústia, medo e vulnerabilidade. Solicitamos a qualquer pessoa envolvida no planejamento, financiamento e realização de pesquisas que mantenha isso em primeiro plano em todas as etapas da pesquisa. Ouvir as comunidades, entender suas necessidades e elaborar pesquisas que realmente ajudem a reduzir o sofrimento das pessoas e demonstrar respeito são os ideais pelos quais todos os projetos de pesquisa devem se esforçar”, afirma o professor Michael Parker, presidente do grupo de trabalho do Nuffield Council on Bioethics sobre emergências globais de saúde.
“O impacto nos países de baixa e média renda pode ser devastador se não conduzirmos de forma ética a resposta global à saúde, concentrando-nos nas necessidades das comunidades, com suas contribuições. A Fiocruz está pronta para apoiar esse Apelo à Ação alinhado à sua missão de reduzir as desigualdades sociais e defender o direito à saúde e à cidadania plena como valores centrais”, complementa a presidente da Fiocruz.
Além da Fiocruz, outras instituições e organizações internacionais de pesquisa apoiam a iniciativa, como Comitê Internacional de Resgate, a Academia Africana de Ciências, os Médicos Sem Fronteiras, a Escola de Higiene e Medicina Tropical de Londres, a Divisão de Ciências Médicas da Universidade de Oxford, o Centro de Educação e Pesquisa em Ação Humanitária de Genebra e o Elrha, uma instituição humanitária global de pesquisa.
Em seu relatório completo, o Conselho de Bioética de Nuffield faz 24 recomendações de mudanças para alinhar as políticas e práticas da pesquisa de emergência em saúde global com três valores principais: justiça, respeito igualitário e ajuda a reduzir o sofrimento. O relatório apresenta esses valores na forma de uma "bússola ética" para orientar a conduta de uma ampla gama de pessoas envolvidas na pesquisa em emergências globais de saúde. Essas emergências são ambientes desafiadores para conduzir pesquisas, envolvendo muitas perturbações, angústias e incertezas sobre como e quando proceder e quem envolver. A bússola ética apoiará as pessoas a lidar com essas incertezas, tanto no terreno quanto no nível político.
“Uma das principais conclusões deste relatório é a importância vital da preparação adequada de recursos entre emergências. A preparação e o planejamento de emergência são essenciais por muitas razões: significam que as emergências têm menos probabilidade de acontecer e são mais fáceis de gerenciar quando ocorrem. Eles também significam que os requisitos para uma pesquisa ética e valiosa a ser conduzida têm mais probabilidade de existir”, resume Parker.