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28/07/2009

Artigo sugere que individualismo ajudou a consolidar práticas terapêuticas alternativas

Edmilson Silva


O individualismo, somado aos efeitos da contracultura, no final dos anos 1960, foi fator preponderante nas bases socioculturais para o incremento das práticas terapêuticas alternativas. E o desenvolvimento destas também pode ser compreendido como tentativa de solucionar ou diminuir as deficiências na dimensão terapêutica da biomedicina, segundo estudo que os pesquisadores Eduardo Alexander Amaral de Souza e Madel Therezinha Luz assinam na última edição de História, Ciências, Saúde - Manguinhos, revista científica da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz).


“Mais de três décadas após o movimento contracultural ter plantado suas sementes, o individualismo ainda permanece como valor social hegemônico; é possível perceber que seus frutos cresceram e se estabilizaram nas sociedades ocidentais”, dizem os autores, respaldados por uma lista contendo exatas 76 terapias alternativas disponíveis, entre 2000 e 2003, no município do Rio de Janeiro, cidade que conta com a maior rede de saúde pública do Brasil. Estão lá desde an-ma até laserpuntura, passando por sofrologia e urinoterapia.


 O HaiHua é uma terapêutica que combina a medicina tradicional chinesa com a tecnologia eletrônica (Fonte: Zero Dor) 

O HaiHua é uma terapêutica que combina a medicina tradicional chinesa com a tecnologia eletrônica (Fonte: Zero Dor) 


Ambos integrantes do grupo Racionalidades Médicas e Práticas em Saúde, cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), Souza e Luz avaliam o crescimento persistente do uso das novas práticas terapêuticas ao analisarem aspectos tais como o holismo e a orientalização do Ocidente, tendo como pano de fundo as crises da saúde e da medicina mais pautadas pela capacidade de diagnosticar do que pela de tratar. “As crises da saúde e da medicina evidenciam, respectivamente, as lacunas dos sistemas coletivos de saúde e da terapêutica da biomedicina, incapazes de atender à totalidade das demandas de saúde das populações”, diagnosticam os autores.


O sistema de saúde e terapêutico encontra dificuldades ao lidar com o que o sociólogo Michel Joubert, na França dos anos 1990, chamou de “mal-estar difuso”, uma espécie de síndrome caracterizada por dores imprecisas, depressão, ansiedade, pânico, males da coluna vertebral etc. Nesse contexto, Souza e Luz destacam que as novas práticas terapêuticas suprem uma demanda social, pois oferecem outras formas de solução ou alívio para o sofrimento. Evidência negativa do desenvolvimento do capitalismo, este sofrimento, do qual padece a classe urbana trabalhadora, desempregada ou aposentada, é o principal motivo do incentivo às práticas alternativas, ainda que apenas pela sociedade civil, segundo os autores.


Souza e Luz apostam que, em relação à crise da medicina, a busca, o incentivo e o desenvolvimento das novas terapias também podem ser compreendidos como tentativa de solucionar ou diminuir as deficiências na dimensão terapêutica da biomedicina. Para os autores, essas práticas “evidenciam e induzem transformações nas representações de saúde, doença, tratamento e cura, presentes na cultura, criando outras que, frequentemente, valorizam o sujeito e sua relação com o terapeuta como elemento fundamental da terapêutica, bem como o uso de pouca tecnologia em oposição às deficiências na relação médico-paciente, características da terapêutica na biomedicina, acentuadas pela interposição tecnológica”.


Os autores também argumentam que, além da orientalização do Ocidente, com destaque para a adoção dos princípios da contracultura, as tais práticas terapêuticas alternativas se consolidaram em vácuos criados pelas transformações sofridas pela medicina dita moderna. “A invasão tecnológica na prática médica contribuiu para a formação da última importante cisão, agora no interior da milenar unidade relacional terapeuta-paciente”, observam. “O uso da tecnologia médica mostra sua face obscura ao interpor-se entre o médico e o corpo do paciente, induzindo ao alheamento entre os dois, à alienação do paciente em relação ao seu próprio corpo e à fetichização dos equipamentos médicos, incluindo os fármacos”, concluem.


O conjunto das transformações a que foram submetidos tanto a medicina tradicional quanto as pessoas constitui, para Souza e Luz, outro aspecto da explicação sócio-histórica para a grande procura, nas últimas duas décadas, de novas práticas terapêuticas fundamentadas em outras racionalidades médicas. Esse processo, segundo os autores, configura o florescimento das chamadas terapias alternativas na sociedade, denominação que realça o antagonismo aos saberes hegemônicos, característico da década de 1970. “A cisão pode explicar também o profundo mal-estar que atinge atualmente o establishment médico, sob a designação ‘crise de paradigma de medicina’”.


Entretanto, do ponto de vista da construção discursiva da racionalidade, a crise não existiria, alertam Souza e Luz. “Pelo contrário: o modelo de combate à doença continua avançando a passos largos nesse domínio, sobretudo nos campos da genética e das neurociências, representantes do modelo hegemônico, ainda que controversos e questionados até o momento no plano ético”, destacam os pesquisadores.


Para ler o artigo científico original, clique aqui.


Publicado em 28/07/2009.

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