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07/01/2008

Artigos científicos podem ter se tornado estratégia de sobrevivência na academia

Renata Moehlecke


Pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp) da Fiocruz, da Universidade de Alicante (na Espanha) e do Programa Ibero-americano de Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento sugerem que o artigo científico pode ter se tornado uma mercadoria acadêmica. Em estudo publicado em dezembro na revista Cadernos de Saúde Pública da Fiocruz, eles também alertam para um possível “darwinismo bibliográfico”: segue-se o lema “publicar ou perecer”, que definiria a seleção dos mais aptos com base nos artigos publicados.


 “A contabilização numérica de artigos publicados por investigadores em revistas científicas de reconhecido <EM>status</EM> acadêmico serve para legitimar pesquisadores nos seus campos de atuação”, diz o artigo

“A contabilização numérica de artigos publicados por investigadores em revistas científicas de reconhecido status acadêmico serve para legitimar pesquisadores nos seus campos de atuação”, diz o artigo


De acordo com os estudiosos, nos últimos 10 a 15 anos ocorreram mudanças no panorama das pesquisas científicas com a adoção dos recursos da informática e a internet. Ambos teriam viabilizado uma impressionante difusão e ampliação das possibilidades de acesso à produção acadêmica. Esses instrumentos teriam ajudado a enfatizar a concepção atual de produtividade em pesquisa, demonstrada pelo excesso de artigos publicados em várias revistas científicas e que origina uma espécie de capital simbólico. “A contabilização numérica de artigos publicados por investigadores em revistas científicas de reconhecido status acadêmico serve para legitimar pesquisadores nos seus campos de atuação”, afirmam os cientistas no artigo. “Os pesquisadores podem ser encarados como agentes que adotam posturas tanto de fabricantes como de consumidores de artigos que competem entre si para chamar atenção em meio a um mar de papers”, destacam.


Segundo eles, o problema da proliferação dos artigos pode ser observado a partir do ponto de vista do aumento considerável na disputa por recursos públicos para a pesquisa e diminuição desses para tanto. “Um dos requisitos para aceder aos financiamentos é a demonstração da produtividade dos grupos de pesquisa, sobretudo em termos de publicação nos veículos acadêmicos de melhor reputação nos respectivos campos”, afirmam os pesquisadores. “Assim, a competição se estende à luta ferrenha entre artigos que buscam a ocupação de espaços editoriais – o escoadouro almejado para os recursos dos esforços investigativos, mas também da necessidade de manutenção das esferas de prestígio e influência”.


E essa presente necessidade de atestar o ideal da atualização acarreta em diversos problemas. “Cada vez mais é laborioso ler-se o que é publicado nos correspondentes âmbitos de interesse”, comentam os estudiosos. “Existem (e existirão) muitos artigos que jamais serão lidos”. Eles também estimam que cerca de 50% dos trabalhos publicados em ciência nunca serão citados. Além disso, os pesquisadores chamam atenção para a denominada “ciência-salame”, ou seja, um mesmo conteúdo que aparece em diversos artigos, após receber pequenas mudanças cosméticas. “Já há revistas que solicitam na declaração que se costuma fazer na entrega dos originais um item especificando não se tratar de publicação redundante”.


Outro fator destacado são as questões éticas envoltas na pesquisa científica. “É preciso produzir artigos que gerem citações, ou seja, que sejam publicados e tenham vitalidade para estarem presentes nas outras publicações”, dizem os pesquisadores. Isso gera práticas indevidas em busca de validação. “Há um crescente aumento de autores por artigo, significando mais do que o suposto aumento dos integrantes dos grupos de pesquisa, mas sim a possível prática de ‘escambo autoral’ ('meu nome no teu artigo', 'teu nome no meu artigo' etc)”. Os estudiosos explicam que o fato de ser muito citado não significa necessariamente avanço no conhecimento, mas que, mesmo assim, a citação ainda permanece como um dos critérios para aferir a suposta importância de um estudo.


“A preocupação com a detecção e o combate das práticas científicas que se desviam dos trilhos éticos e mediante controles para regular o empreendimento científico não se mostra um caminho eficiente para lidar com os excessos do panorama atual”, asseguram os cientistas, que também apontam que as tentativas de controle correm o risco de igualmente se tornarem demasiadas. “Importa produzir chaves analíticas que permitam a compreensão dos sentidos e significados da atividade científica nessa era prolífera em fluxos de informação em uma economia globalizada”.

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