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14/09/2012

As ações da Resp/Unasul para o desenvolvimento dos sistemas de saúde nacionais e seus principais desafios

Danielle Monteiro*


Em setembro de 2009, o Grupo Técnico de Desenvolvimento e Gestão de Recursos Humanos, um dos cinco grupos de trabalho do Conselho de Saúde da Unasul – bloco sul americano formado pelo Brasil, Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai, Uruguai, Peru, Venezuela, Colômbia, Equador, Guiana e Suriname – propôs a criação de Redes Estruturantes para o sistema de saúde da região. A proposta do grupo, apoiada pelo Centro de Relações Internacionais em Saúde (Cris/Fiocruz) e pelo Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde (Isags), foi incorporada pelo Conselho de Saúde da Unasul em novembro do mesmo ano, dando origem à Rede de Escolas de Saúde Pública (Resp/Unasul).



Criada com a premissa de agilizar, ampliar e promover o debate entre as escolas formadoras da região, de forma a fornecer um apoio sistemático ao desenvolvimento dos sistemas nacionais de saúde, a Resp/Unasul desenvolve ações alinhadas às políticas nacionais de saúde dos países membro do bloco sul americano, sendo formada por instituições indicadas pelos Ministérios da Saúde de cada país integrante da Unasul. A ideia é que cada instituição selecionada se articule com universidades e outras escolas de saúde pública do país onde está localizada, formando uma própria rede local. Em entrevista ao CrisInforma, Antônio Ivo de Carvalho, diretor da Escola Nacional de Saúde Pública (Ensp/Fiocruz), instituição membro da Resp pelo governo brasileiro, e Érica Kastrup, coordenadora da Cooperação Internacional da Ensp, discorreram sobre as iniciativas no âmbito da Resp/Unasul, seus desafios e as ações previstas para que os principais objetivos da rede sejam alcançados.



Como surgiu a ideia de se criar uma Rede de Escolas em Saúde Pública composta pelos países da Unasul?


Antônio Ivo de Carvalho: No início da criação da estrutura da Unasul, além dos cinco programas temáticos da Unasul Saúde (escudo epidemiológico, desenvolvimento de sistemas universais, acesso universal a medicamentos, promoção da saúde e ação sobre os determinantes sociais, desenvolvimento e gestão de recursos humanos em saúde), alinhados em forma de grupos de trabalho, foi definido um conceito de redes estruturantes, ou seja, articulações institucionais entre todos os países que poderiam funcionar como espaço de intercâmbio e de cooperação no campo da saúde. São elas: a Rede de Institutos Nacionais de Saúde, a Rede de Escolas Técnicas em Saúde, Rede de Escolas de Saúde Pública e, mais recentemente, a Rede de Institutos Nacionais de Câncer e a Rede de Oficinas de Relações Internacionais. Além da cooperação entre países, essas instituições teriam uma articulação entre si. A partir disso, os países participantes indicaram, entre suas instituições públicas, aquela que poderia representar todas as escolas e o governo político. O conceito utilizado foi uma escola de saúde pública que funcionasse como escola de governo em saúde.


Érica Kastrup: Apenas alguns países já definiram essas escolas, como Brasil, Venezuela, Uruguai, Peru, Guiana e Suriname. Com os que não têm a escola de saúde pública definida, trabalhamos com estruturas do Ministério da Saúde desses países. Futuramente, a ideia é que eles criem uma escola de saúde pública, ou indiquem uma que passe a trabalhar mais diretamente com eles, de modo que ela possa responder aos desafios do Ministério, articulando-se com outras instituições do país.


Quais os principais desafios enfrentados pelas escolas de saúde pública nacionais para que obtenham maior desenvolvimento? E de que forma a Resp/Unasul vai contribuir para solucionar esses desafios?


Carvalho: Isso varia de país para país de acordo com o governo e também com a própria realidade do país. Alguns possuem desenvolvimento acadêmico muito baixo, como o Uruguai, que não tem nenhum tipo de doutorado. No Brasil, temos um governo interessado, uma história da formação em saúde pública e, hoje, uma rede enorme de escolas de saúde pública. Por isso nosso papel nas redes é o de dialogar com os governos, no sentido de sensibilizá-los para a importância de construção desse aparato de formação em saúde pública, pois é a única forma de qualificar os profissionais da área, e também o papel de ajudar, por meio de cursos, por exemplo, as escolas dos países que não possuem este desenvolvimento.


Os objetivos da Resp/Unasul são, entre outros, realizar o mapeamento e o diagnóstico das escolas de saúde pública no âmbito da Unasul, promover o desenvolvimento dessas escolas e de outros centros formadores em cada país e contribuir para o avanço dos sistemas de saúde e de seus recursos humanos, bem como para a produção e a gestão do conhecimento e a pesquisa científica. Que ações já foram implantadas pela rede para alcançar esses objetivos?


Carvalho: Realizamos recentemente um mapeamento e diagnóstico das escolas de saúde pública no âmbito da Unasul. Nele, fizemos um levantamento sobre as instituições de ensino em saúde pública em cada país membro do bloco considerando o tipo de formação de pós-graduação oferecida (especialização, mestrado e doutorado). Também investigamos o total de províncias que compõem cada país integrante do bloco e quantas delas possuem instituição de ensino em saúde pública. Fizemos também um  mapeamento das instituições de ensino em saúde pública na América do Sul e descobrimos que a  maior concentração do ensino em saúde pública na Unasul está no Brasil (41%), Colômbia (15%), Peru (12%) e Argentina (9%).


Além disso, para a poiar a refundação da Escola de Saúde Pública do Peru, a Resp/Unasul tem duas iniciativas em curso com o Instituto Nacional de Saúde desse país, desenvolvidas pela Ensp: um curso de mestrado em saúde pública e outro de biossegurança para laboratórios de saúde pública. Na Venezuela, a Ensp, em parceria com a Agência Brasileira de Cooperação, executou o projeto bilateral para o desenvolvimento institucional do Instituto de Altos Estudos em Saúde Pública Dr. Arnoldo Gabaldon (IAE) que, atualmente, é a instituição membro da Resp pelo governo venezuelano. Esse projeto já foi finalizado e será usado como referência para intercâmbio de experiência no âmbito da Resp/Unasul.


No Paraguai, apoiamos o Ministério da Saúde do país na implantação do Sistema Público Nacional de Saúde, que terá como foco a organização da rede de Atenção Primária à Saúde (APS). Fizemos diversas visitas técnica ao país além de oferecermos apoio na elaboração de protocolos clínicos e na realização de fóruns de APS. Também vamos promover esse ano um programa de estágios na Ensp voltado a profissionais de serviços de Atenção Primária do Chile. O programa se constitui em um curso de aperfeiçoamento com metodologias que vão permitir aos participantes vivências de experiências em serviços no Brasil.


A Ensp, com apoio do Cris, está participando do projeto de construção da Escola de Saúde Pública/Escola de Governo em Saúde no Uruguai, um país que ainda não conta com uma Escola de Saúde Pública. Em que pé está essa questão?


Érica: Esse é um processo do próprio país. Toda a existência da Unasul e da Resp inspirou o país e seu Ministério a criar a escola de saúde pública. O Uruguai está no meio deste processo de criação, planejando uma atividade para trabalhar marcos conceituais da saúde pública, uma atividade de sensibilização do próprio país com relação às questões principais da saúde pública, pois é um país que não possui investigação nessa área, por exemplo. Estamos apoiando tanto na estruturação institucional dessa escola, com programas de ensino, regimentos e organização interna e intercâmbios de experiências na parte institucional e de gestão e também estamos planejando um curso de epidemiologia que vai ser parte dessa escola, com professores brasileiros e também uruguaios.


E quais são as ações previstas para o futuro?


Carvalho: Vamos fazer um encontro em 18 e 19 de outubro, onde apresentaremos as experiências mais bem sucedidas de organização nacional das escolas para que as mesmas sejam estudadas. Também estamos concluindo o site da Resp/Unasul, para facilitar a comunicação entre os membros da Resp. Ele será lançado na próxima reunião da rede, em outubro. Também pretendemos aproximar a Rede do Campus Virtual de Saúde Pública, da Opas, coordenado, no Brasil, pela Ensp. O Campus é um portal onde os países oferecem cursos uns para os outros.



De que forma a Resp/Unasul contribui para o desenvolvimento dos países membro do bloco sul-americano?


Carvalho: Não existe desenvolvimento sem uma compreensão avançada em saúde. Saúde não é só não ter doenças, é também o ato de criar condições de desenvolvimento das capacidades das pessoas, através da promoção da saúde e do enfrentamento de determinantes sociais. A contribuição que se espera da Resp é desenvolver no plano de cada país uma consciência mais aguda por governos e pela sociedade da importância do desenvolvimento de políticas públicas relacionadas à saúde, inclusive a política de assistência.



Há previsão de auxilio da Ensp na construção de escolas de saúde pública em outros países que não contam com uma escola de saúde pública?


Érica: Estamos abertos a solicitações. A rede tem como plano de trabalho fazer esse apoio e estamos trabalhando em países na parte de reorientação das escolas.


Carvalho: Pretendemos estender nosso apoio à Bolívia, por exemplo, que possui uma necessidade muito grande, com uma população heterogênea. E nós já temos uma tradição de cooperação com o país.


Trabalhar em rede requer o compartilhamento de informações e o respeito às diferenças de cada país. Isso seria um desafio? E quais são os principais desafios enfrentados atualmente pela Resp/Unasul?


Carvalho: Sim, pois as estruturas, conceitos e culturas são diferentes. Por exemplo, estamos levando para o segundo encontro da Resp/Unasul dois tipos de publicação para que os países examinem e vejam se têm interesse. Foi feito para o Paraguai e estamos usando aqui no Brasil, mas podemos perceber que não é possível uma publicação única para todos os países. É necessária uma adaptação, pois os sistemas de saúde são diferentes, assim como a maneira de ver as doenças etc. No campo do uso de metodologias comuns existe um desafio, porque deve haver adaptações. O trabalho em rede é sempre um desafio. Como estamos trabalhando numa articulação governamental no âmbito de um bloco regional, todo o trabalho está submetido às alterações internas dos países, como mudanças de presidente, por exemplo. Por isso, devemos ter paciência e flexibilidade para ir caminhando.



* Com a colaboração de Thiago Oliveira.



Publicado em 14/9/2012.

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