Início do conteúdo

05/03/2007

Baixada Fluminense contará com ajuda internacional para recuperar área da saúde


O Consórcio Hospitalar da Catalunha é uma instituição pública que atua como intermediário entre o Governo da Catalunha, na Espanha, e prestadores de serviços de atenção primária e hospitalar da província. Participa do convênio assinado pelo Ministério da Saúde brasileiro com objetivo de melhorar a rede de serviços de saúde em 11 municípios da Baixada Fluminense. A diretora de Consultoria do CHC, Olga Pané, conversou com o Informe Ensp e contou como ocorreu a reforma sanitária na região e como a experiência catalã pode ser adaptada para o modelo brasileiro.


Sua experiência na reorganização de serviços de saúde é muito vasta. A senhora foi uma das avaliadoras do Programa de Saúde da Família no Brasil pelo Banco Mundial. Como vê a experiência brasileira?


Olga Pané: Esse é um projeto de longo alcance, que pretende estender a cobertura de serviços de saúde de um determinado modelo. Um modelo de trabalho em equipe com bases comunitárias. Esse projeto brasileiro é financiado pelo Governo Federal, junto com o Banco Mundial e os municípios que dele participam. Acho que os resultados brasileiros têm sido desiguais. Nos relatórios, analiso territórios que têm demonstrado maior capacidade de implementar o programa, em contra-partida de territórios com menos capacidade. As grandes cidades têm enfrentados problemas maiores. Isso porque esses centros têm uma proporção muito grande de população excluída, dificultando o trabalho do PSF. É difícil encontrar profissionais dispostos a trabalharem nesses locais, assim como é difícil encontrar espaços para construção de novas unidades de serviço. Sem falar que, muitas vezes, as políticas municipais têm outras urgências. Com isso, fica sempre mais complicar priorizar recursos e serviços do PSF para esses municípios. A principio, do total de municípios com mais de 100 mil habitantes no Brasil, acredito que 80% passará para a segunda fase do projeto, entre eles a cidade do Rio de Janeiro e os municípios da Baixada Fluminense.


A reforma sanitária da Catalunha ocorreu praticamente na mesma época do movimento brasileiro, no fim da década de 70 e início dos anos 80. Como isso aconteceu e quais foram os benefícios da reforma?


Olga Pané: A reforma sanitária na Catalunha ocorreu junto com a transição da ditadura para democracia na Espanha e teve várias vertentes. A primeira foi que, em vez de estatizar os recursos sanitários, promoveu-se uma diversidade de provedores desses recursos de tal maneira que o governo na Catalunha passou a atuar com funções de planejamento, financiamento e regulação do sistema. O provimento dos serviços, feito pelas entidades públicas – fundações, consórcios, empresas públicas – e empresas privadas, de alguma maneira estão acreditadas junto ao governo e provêem serviços de qualidade para os cidadãos. Essas são algumas características da Catalunha. São aproveitados todos os recursos existentes, públicos ou privados, em prol da atenção ao cidadão. A segunda questão é que a manutenção desse serviço é pública e financiada pelos impostos pagos. O cidadão paga por serviços de obtenção de medicamentos e alguns serviços odontológicos, mas todos os demais serviços de saúde são pagos na forma de consumo, seja para os cidadãos residentes espanhóis ou não.


A terceira grande vertente da nossa saúde é que se prioriza muito o desenvolvimento da atenção primária resolutiva. Esse é um aspecto claro para nós. Se a Catalunha dispõe de um modelo geral de separação de funções e de transferência de responsabilidade entre os provedores de serviços, outra coisa que se comenta é o crescimento e o apoio da atenção primária de tal maneira que a atenção primária é a porta real de entrada no sistema de saúde. O cidadão, para ir a um hospital, tem que passar primeiro pela atenção primária e esse serviço é responsável pela filtragem de pacientes e o encaminhamento para locais de atendimento. Essa atenção primária é muito importante, com capacidade de indicar qualquer tipo de diagnóstico. É importante ressaltar que nossos médicos estabelecem o diagnóstico e oferecem o tratamento adequado, evitando a sobrecarga nos hospitais. Mas se não for possível, o médico informa ao hospital e o paciente é transferido da maneira mais adequada. Esse modelo tem trazido grandes resultados para nós. Todos os cidadãos, em 15 minutos de caminhada, chegam a um centro de saúde, e é isso que nos torna um modelo muito eficiente e cada vez mais próximo ao cidadão.


A Espanha gasta entre atenção pública e privada 7,5% de seu PIB, fazendo dela um modelo muito eficiente. Temos algumas das taxas de mortalidade mais baixas do mundo. Não estou dizendo que isso é devido apenas ao nosso sistema de saúde, mas seguramente está ligado também à dieta alimentar, ao clima, à renda e muitos outros fatores. Mas esse sistema se mostra cada vez mais eficiente.


Quais são as experiências que o CHC pode trazer para a Baixada Fluminense?


Olga Pané: O Consórcio Hospitalar da Catalunha (CHC) é uma entidade publica que agrupa provedores de serviços de saúde fundamentalmente municipais e provedores públicos que não são do governo. Trabalhamos com fórmulas de gestão empresarial. Cada hospital, cada centro de atenção primária, cada unidade de saúde mental, tem que estabelecer metas para resolver os problemas de saúde de forma sustentável, pensando também nas gerações futuras. Isso quer dizer que tem de haver um equilíbrio econômico. Temos que estabelecer um sistemas de gestão equivalente aos sistemas que existem dentro de empresas. Isso não quer dizer privatizar. Quer dizer que precisamos manter um serviço público forte para que possa durar por várias gerações. Essa experiência oferecer aos usuários serviços bons e competitivos, tanto que eles não precisam recorrer a planos privados para assegurar sua saúde. Constatamos que nas localidades onde a atenção primária da Catalunha tem se desenvolvido fortemente, a utilização de planos privados tem retrocedido.


Quanto ao Brasil, pensamos que podemos oferecer essa visão empresarial de saúde, ajudar na construção de um sistema de atenção primária resolutiva, um modelo de atenção primária que coloca o cidadão como centro do sistema, e não o médico. Portanto, esse sistema se organiza e se desenvolve de acordo com as necessidades do cidadão. Em média, um cidadão vai, por ano, seis vezes ao centro de saúde. Certamente, há alguns que não vão nunca e outros que vão 12 vezes, mas a capacidade de atração dos nossos centros é elevadíssima e a credibilidade na atenção primária é muito alta. Tenho a impressão de que o Brasil só pode ser sustentável se o sistema de saúde for capaz de desenvolver uma atenção primária forte, próxima ao cidadão e muito eficiente. Não existe outra saída. O Brasil não pode melhorar seu sistema de saúde pensando apenas em fazer crescer seus hospitais. Isso é impossível. A saúde brasileira só pode se sustentar melhorando a atenção primária e fazendo sua carteira de serviços voltada para as necessidades do cidadão.


Uma das formas de melhorar a atenção primária é através de uma melhor capacitação dos profissionais que nela atuam. Esse é um dos focos do convênio.


Olga Pané: Claro. Há várias fases para se melhorar a atenção primária e uma delas é a capacitação profissional. O Brasil tem excelentes profissionais, muito bem formados. Os sistemas de formação do Brasil são acreditados e competitivos. Mas os profissionais não tem capacidade para decidir no momento que precisa. Há de se discutir com eles as prioridades desse sistema. E é necessário que nessa discussão os centros de saúde participem para pensar nas principais necessidades dos cidadãos. Tudo isso requer formação em gestão clinica e em organização de centros de saúde. Essa é a primeira fase. A segunda fase desse projeto será mais orientada à gestão para introduzir no sistema elementos de inovação que favoreçam as trocas em todos os níveis, desde os estratégicos, de macro-gestão, de sistemas de governo, até os níveis mais baixos, de micro-sistemas, da gestão clínica, onde os médicos, enfermeiros e agentes comunitários estejam envolvidos. Todos eles pensando numa política de saúde voltada para os cidadãos.


Essa estratégia, voltada para atenção básica, fortalece ainda mais a experiência do PSF brasileiro.


Olga Pané: Certamente. Isso ajudará a fortalecer o PSF mas, sem fazer fundamentalismo do programa. Faz do PSF um instrumento para melhorar a disponibilidade do sistema e, portanto, precisa estabelecer determinadas adaptações. É possível que modelos de saúde da família possam prestar serviços distintos. Por exemplo, as necessidades da Baixada Fluminense são diferentes de certas regiões do Rio Grande do Sul. O Norte do Brasil difere do grande Rio de Janeiro e essas adaptações são necessárias. A atenção primária deve ser capaz de adaptar-se às necessidades distintas em cada território. Vamos adaptar todos os modelos do PSF, fortalecendo e melhorando sua capacidade de atuação na Baixada Fluminense.


Fonte: Informe Ensp

Voltar ao topo Voltar