19/04/2005
Paula Lourenço
A cidade de Belém está sendo o alvo das atenções no Brasil como a primeira área endêmica de filariose a receber um certificado de controle da doença com vistas à eliminação, do Ministério da Saúde e da Organização Mundial da Saúde (OMS). O Serviço Nacional de Referência em Filariose (SNRF) do Centro de Pesquisas Aggeu Magalhães (CPqAM), unidade da Fiocruz em Pernambuco, vem desenvolvendo um projeto na cidade para verificar a ausência de infecção da Wuchereria bancrofti (verme que provoca a doença) desde 2003. Os dados coletados de dezembro daquele ano a novembro último estão sendo analisados e serão apresentados num workshop em Belém, previsto para os dias 2 a 4 de maio, onde serão definidos quais os rumos da pesquisa e vigilância epidemiológica na área.
"Vamos fazer um estudo de morbidade, ou seja, verificar os pacientes que relatam ter hidrocele, elefantíase ou crise inguinal (forma aguda da doença), por exemplo. Se constatarmos que há pessoas doentes há mais de cinco ou dez anos, fecharemos com quase 100% de certeza que a filariose foi controlada com vistas à eliminação em Belém", relatou Abraham Rocha, coordenador geral do SNRF e do estudo. Dados da Secretaria de Saúde de Belém levam a crer na eliminação. Nos últimos quatro anos, foram feitos aproximadamente 1,2 milhão de exames de gota espessa, sem nenhum caso positivo e, desde 2002, não há registro de pessoas com a bancroftose (infecção pela W. bancrofti) na cidade.
Essa análise de dados é última fase do projeto iniciado com a coleta de sangue de 2.816 homens, com idades entre 20 e 30 anos, moradores de oito bairros de Belém. Eles foram alvo do exame com cartão ICT, técnica que pode ser feita a qualquer hora do dia, dando o resultado se a pessoa está ou não infectada pelo parasita da filariose em até dez minutos. "Os homens nessa faixa etária foram selecionados porque a literatura mostra, vastamente, que, se houver filariose numa área, esse público provavelmente encontra-se positivo", comentou Rocha.
Os participantes da investigação também preencheram uma ficha para a análise epidemiológica, constando perguntas como idade, endereço, tipo de moradia e conhecimento sobre a bancroftose, entre outras perguntas, para o entendimento epidemiológico da doença. O questionário foi elaborado pela coordenadora epidemiológica do projeto, Zulma Medeiros, do Departamento de Parasitologia do CPqAM.
Além de Abraham Rocha e Zulma Medeiros, o levantamento de Belém tem na coordenação clínica Ana Aguiar, na coordenação de laboratório Luis Dias, também do Departamento de Parasitologia, e na coordenação em Belém Reinaldo Braun. O coordenador-geral lembrou que o estudo foi financiado pela Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), pela Secretaria de Vigilância em Saúde e pelo CPqAM. Contou ainda com o apoio da Secretaria de Saúde de Belém e dos colaboradores do SNRF, entre eles João Quaresma e José Costa, no trabalho de campo.
A equipe está complementando esse estudo para ver se houve o controle da W. bancrofti em Belém com dados obtidos por uma pesquisa da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) em 2003. Os pesquisadores daquela universidade avaliaram as respostas dos cartões ICT aplicados em três mil crianças de até 10 anos, residentes em Belém, e não encontraram casos positivos. "As crianças foram alvo do estudo porque são um 'termômetro' para saber se está havendo ou não trans-missão de filariose na área, segundo parâmetros da OMS", justificou o coordenador do SNRF.
O trabalho do CPqAM em Belém faz parte do Plano de Eliminação da Filariose no Brasil, do Ministério da Saúde. A idéia nacional é cumprir a proposta feita em 1993 pela OMS, que considerou a filariose linfática como uma doença eliminável ou potencialmente eliminável até 2020. Desde 1997, o país e as diversas áreas endêmicas no mundo vêm se organizando com esse objetivo. Por isso, faz-se necessária a reavaliação das áreas endêmicas de filariose identificadas nos anos de 1950 a 1990, sendo elas: Maranhão, Bahia, Santa Catarina e Pará. A reavaliação tem o intuito de resgatar as informações históricas que provavelmente levaram ao controle e à eliminação da filariose nessas áreas.
Três cidades endêmicas foram identificadas em Santa Catarina na década de 50 do século 20: Florianópolis, São José da Ponta Grossa e Barra de Laguna. Desse período em diante, vários estudos foram direcionados nessas cidades, envolvendo a pesquisa da microfilária em sangue periférico, utilizando a gota espessa, tratamento individual e em massa, que provavelmente obtiveram sucesso nas suas ações, sendo desativado o programa de filariose em Santa Catarina na década de 70.
"A partir de 1994, foram coletadas amostras sangüíneas e sorológicas dos indivíduos que na década de 50 foram positivos, as quais foram encaminhadas e analisadas pelo SNRF, sendo todos negativos frente aos testes diagnósticos para filariose linfática. Entretanto, necessita-se ainda realizar um resgate histórico para o entendimento da eliminação da filariose naquela área", argumentou Rocha.